BIOMASSA, POR QUE NÃO?

Se há uma lição a ser aprendida com a recente estiagem e suas graves consequências para o setor elétrico, é a de que é necessário diversificar a matriz brasileira. A tendência, abertamente apontada pelo governo, é que o sistema migre de uma base hidrológica para hidrotérmica. Além disso, em linha com os esforços globais de combate às mudanças climáticas, o Brasil tem assumido compromissos de ampliação das renováveis em sua matriz energética e de redução da emissão de gases do efeito estufa. A biomassa, entretanto, única fonte de energia térmica que também é renovável, não tem se saído bem nos leilões.

Apesar disso, com a recuperação importante dos preços do açúcar e do etanol (ver quadro), as usinas ganham um novo fôlego para investir em expansão de capacidade, sobretudo com o retrofit de usinas existentes. Adicionalmente, o impacto da alta do dólar sobre outras fontes renováveis como a solar e, em menor escala, a eólica, aproxima o preço da biomassa de suas concorrentes, que vêm obtendo mais sucesso nos leilões.

As associações que representam o setor, a Unica e a Cogen, referem-se a preços entre R$ 250 e R$ 300 por MWh para viabilizar a contratação de projetos. Para efeitos de comparação, no leilão de reserva realizado em novembro deste ano – que não abriu espaço para a biomassa – os preços-teto definidos para solar e eólica foram de R$ 381 e R$ 213, respectivamente.

“É como se você alimentasse seu filho mais novo e deixasse o mais velho passar fome”, compara o presidente executivo da Cogen, Newton Duarte.

A analogia pode parecer exagero, mas não deixa de fazer sentido: neste ano foram contratados 147 MW de biomassa em leilões, dos quais 36 MW no A-3 realizado em agosto, com teto de R$ 218, e 111 MW no A-5 de abril, com teto de R$ 281. Já a fonte solar, que estreou em leilões no ano passado e ainda não tem grande oferta de equipamentos nacionais, vendeu 1.762 MW este ano. Foram 833 MW no 1º LER, ao preço médio de R$ 301,79/MWh (teto de R$ 349/MWh) e 929 MW no 2º LER, a R$ 297,75/MWh (teto de R$ 381/MWh)

Indústria nacional

Enquanto a indústria fotovoltaica mal dá os primeiros passos no Brasil, as fábricas de caldeiras e equipamentos para biomassa, já estabelecidas no país, estão com apenas 50% de sua capacidade produtiva ocupada, de acordo com o Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (Ceise Br). Segundo a Cogen, a indústria precisa de uma contratação anual entre 700 MW e 1 GW para se recuperar e manter operações.

Além da conjuntura favorável com melhores preços de açúcar e etanol, as usinas de cana-de-açúcar contam com uma oferta adicional de biomassa, a palha, para voltar a investir em geração. De acordo com Duarte, esse combustível tem um poder calorífico entre 1,5 e 1,8 vezes o do bagaço de cana.

Essa oferta adicional de biomassa é especialmente importante porque, no Brasil, a maior parte da geração da fonte é realizada através da queima de bagaço de cana. Dos 13.193 MW de biomassa atualmente em operação no país, 10.484 MW são de bagaço.

Aproveitando apenas 70% da palha produzida nos canaviais, seria possível, projeta Duarte, aumentar entre 30% e 50% a geração atual de biomassa. O aproveitamento desse subproduto, entretanto, implica em custos com transporte e enfardamento. Mas de acordo com a Cogen um preço próximo a R$ 300/MWh viabilizaria projetos com a palha.

Retrofit

Além dessa oferta adicional, somente a troca dos equipamentos de usinas em operação representa um potencial de cerca de 10 GW. Isto seria possível apenas aumentando a pressão das caldeiras, que no caso de unidades que operam unicamente para atender o próprio consumo fica em torno de 21 kg, para uma faixa de pressão de 67 kg a 90 kg.

A maior parte da expansão imediata da fonte, projeta Duarte, deve ser de projetos de retrofit de usinas. Faz sentido, já que algo em torno de 70% das caldeiras instaladas têm de 20 a 30 anos de atividade, segundo o Ceise Br. Ou seja, há muita margem para melhorar a eficiência desses equipamentos.

O retrofit das usinas, entretanto, é mais custoso do que os projetos greenfield, avalia o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. “O problema é que não há novas usinas de etanol”, comenta. A avaliação é que novos projetos seriam mais competitivos nos leilões. O executivo admite que a expansão mais imediata da fonte ocorrerá através de projetos de retrofit, mas observa que a troca de equipamentos não é economicamente viável para todas as usinas.

No entanto, mesmo a tecnologia oferecida hoje ainda pode se tornar mais eficiente com pesquisa e desenvolvimento, comenta o presidente do Ceise Br, Antonio Tonielo Filho. Isso, claro, dependerá de uma retomada dos negócios para a indústria.

Atualmente, o setor encara a biomassa como uma geração de sete meses ao ano. “Mas a indústria está caminhando para um melhor uso do bagaço e melhor processo produtivo do vapor”, explica o executivo. Além de ampliar a capacidade com o uso da palha, algumas usinas estão aprendendo a manejar o combustível de tal maneira, diz Duarte, que podem entregar energia 11 meses por ano. Essa possibilidade abriria espaço para uma geração de receita adicional, com a venda da energia no mercado de curto prazo.

Apesar disso, avalia o diretor executivo da consultoria Excelência Energética, Erik Rego, estocar biomassa é caro e uma operação de risco. “Tecnicamente é viável, economicamente, para poucos projetos”, comenta.

De acordo com a analista da Bloomberg New Energy Finance, Helena Chung, não é tão simples prometer uma geração a biomassa durante quase todo o ano, porque o combustível está totalmente atrelado ao mercado de cana-de-açúcar.

Vantagem na exportação

O fato, contudo, é que o cenário atual para esses produtos é positivo. A recuperação dos valores do açúcar e do etanol dá condição para recompor o caixa e pensar em novos investimentos. Mais do que isso, a expectativa positiva com o mercado de açúcar representa uma vantagem do setor sucroenergético em um dos principais desafios, para todas as fontes: o financiamento.

“Este é um setor exportador, porque boa parte do açúcar que produzimos é para exportação. E o exportador pode ir buscar dinheiro mais barato lá fora, porque tem um hedge natural”, explica Duarte.

A ideia é que a receita em dólar ou euro da venda de açúcar no mercado externo viabilize empréstimos com instituições estrangeiras.

Indicações positivas

A boa notícia é que o governo tem dado sinais de ter intenção de ampliar a contratação de biomassa. No início deste ano, foi lançado o Programa de Investimentos em Energia Elétrica, estabelecendo que o Brasil deve adquirir entre 4 GW e 6 GW de biomassa até 2018, o que vai ao encontro da necessidade declarada pela indústria. Outra indicação, do Plano Decenal de Expansão da Energia, é de que o país deve passar dos atuais 13 GW para 18 GW de biomassa em 2024. Essa capacidade corresponderá a uma parcela de 8,7% na matriz elétrica, em relação aos 8,3% de hoje.

Além disso, a presidente Dilma Rousseff anunciou metas de ampliação das fontes renováveis na matriz, em preparação para a conferência do clima COP 21 que ocorre em dezembro em Paris. O objetivo estabelecido é de que em 2030 a participação do etanol e de biomassa da cana de açúcar na matriz energética seja de 18%. Foi estabelecida ainda meta de que o país tenha 23% da energia gerada através de biomassa, eólica ou solar, até o período.

Por outro lado, segundo Rego, a MP 688, que está em análise no congresso nacional, “pode dar uma boa ajuda, que é elevar para 300 MW para desconto na tarifa fio, demonstrando que o MME está com disposição para auxiliar a fonte”, comenta o consultor da Excelência Energética.

Atualmente, o desconto de 50% nas tarifas de distribuição e transmissão (Tusd e Tust, respectivamente) para usinas a biomassa é condicionado à capacidade máxima de 30 MW. Quando esse patamar é superado, a geradora perde o incentivo. Pela proposta, encaixada na MP que dispõe sobre a repactuação do risco hidrológico entre os agentes do setor, esse desconto seria estendido para usinas com até 300 MW.

De acordo com Duarte, da Cogen, se for aprovado, o incentivo pode liberar até 500 MW médios para o sistema. Conforme o executivo, muitas usinas atualmente deixam de gerar temendo a perda do desconto. “Isso vai fazer com que muita energia que estava escondida apareça para o sistema”, afirma o executivo.

Com essas indicações e um cenário mais favorável a novos investimentos, as expectativas do setor estão voltadas para o preço-teto que será estabelecido para a biomassa no próximo A-5, marcado para fevereiro de 2016. Estão inscritos no leilão 63 projetos a biomassa, que somam 3 GW de capacidade. A maior parte desses projetos está localizada no Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais e em São Paulo.

Apesar de ainda não ter definido o teto para a concorrência, é provável que o preço seja maior do que o estabelecido no último leilão, de acordo com a EPE. “Vai refletir os custos de financiamento, dos juros do financiamento, que mudaram, a taxa interna de retorno”, comenta Tolmasquim.

Geração distribuída

Além da participação em leilões, a biomassa mira a venda direta para distribuidoras através de chamadas para aquisição de geração distribuída. As concessionárias de distribuição podem comprar até 10% de sua demanda com projetos de geração distribuída. Mas o valor de referência que vem sendo estabelecido para a aquisição dessa energia é pouco atrativo, R$ 80,69/MWh.

Atualmente, o valor de referência é calculado através de uma média dos preços nos leilões, o que resulta em um valor pouco atrativo para as fontes que o governo pretende incentivar. A ideia do governo é aprovar um valor de referência específico para a geração distribuída, o VR GD.

A EPE já publicou notas técnicas com sugestões para solar e gás natural e agora trabalha com a Unica e com a Cogen para sugerir um preço adequado em uma terceira nota. Segundo Tolmasquim, ainda é preciso estabelecer os critérios que definirão os projetos de biomassa como geração distribuída ou centralizada. Para a solar, por exemplo, isto seria mais fácil, avalia.

Duarte, da Cogen, defende a medida e justifica que as características positivas da geração distribuída precisam ser remuneradas. Entre as vantagens da geração centralizada, o executivo aponta o alívio de carga nas subestações, principalmente considerando que o potencial de biomassa está localizado justamente em regiões cuja capacidade de distribuição e transmissão opera no limite.

O destravamento da geração distribuída poderia ter um enorme impacto no setor de biomassa. Levantamento da Elektro Comercializadora aponta que, até 2014, haviam ocorrido apenas seis chamadas públicas de geração distribuída, contratando 152 MW médios ao preço médio de R$ 192,47/MWh. Das 15 usinas contratadas, 10 eram de biomassa.

O potencial, no entanto, seria de 4.638 MW médios, considerando o limite de 10% da demanda das distribuidoras. Isso equivaleria a uma capacidade instalada de expressivos 9.276 MW. Suficiente para dar um enorme reforço ao sistema elétrico e ao mercado de biomassa.