A nova era das elétricas

Há exatamente um ano, o governo federal anunciava novas regras para empresas do setor elétrico e mudava a visão de analistas e gestores sobre os investimentos. Até então considerado uma espécie de porto seguro, devido à maior previsibilidade de receitas e à perspectiva com relação à distribuição de dividendos, o segmento era a opção procurada por aqueles que buscavam um refúgio na renda variável. Mas o conforto perdeu espaço em 11 de setembro de 2012, quando foi anunciado o mais agressivo pacote de medidas para a redução do preço da energia elétrica já feito no país, via publicação da Medida Provisória (MP) 579. Com críticas não só às medidas, mas também à forma de comunicação do governo com o mercado, o nervosismo tomou conta das mesas de operação e as ações das companhias elétricas despencaram na bolsa. E mesmo um ano depois, as empresas ainda estão distantes de recuperar as perdas sofridas e os analistas relutam em superar a insegurança que tomou conta do setor. Juntas, as 13 principais companhias elétricas brasileiras têm hoje valor de mercado de R$ 117,5 bilhões, 20% abaixo do total do fim de agosto de 2012, quando a expectativa do mercado com relação ao setor começou a sofrer ruptura. As companhias estatais são as mais afetadas, com destaque para Eletrobras (-51%) e Cesp (-31%). Com valor de mercado 34% menor, a Cemig inclusive deixou de ser a companhia do setor elétrico mais valiosa na bolsa para ocupar hoje a terceira posição. A Tractebel, por sua vez, passou do segundo para o primeiro lugar, valendo hoje mais de R$ 24 bilhões em bolsa. O Índice de Energia Elétrica (IEE), que mede o desempenho das companhias do setor, fechou aos 27.329 pontos na segunda-feira (09), 17% abaixo do fechamento de um ano atrás. Com exceção de Coelce, Equatorial e Tractebel, as ações das principais empresas seguem com preços menores que há 12 meses. "O governo tirou valor das empresas e realmente mudou o ambiente regulatório, trouxe muitas incertezas. Passado um ano da medida provisória, ainda há muitas pendências não resolvidas. As empresas têm um recebível do governo e ainda não se sabe qual o montante", diz Lilyanna Yang, analista do UBS, que ressalta que o retorno requerido para se investir hoje no setor elétrico é maior. O investidor, afirma Lilyanna, quer ter visibilidade de lucros e dividendos, mas hoje encontra um quadro com fluxos de caixa mais voláteis e imprevisíveis. Na visão da analista do UBS, praticamente todas as empresas foram afetadas, mesmo que indiretamente, pelas medidas. Os bons fundamentos da Cteep, por exemplo, considerada por Lilyana uma companhia eficiente, com visão de longo prazo e comprometida a investir no Brasil, não a protegeram. As ações da companhia têm baixa de 25% em cerca de 12 meses. Mas empresas com contratos de concessão de longo prazo, grande parte de controle privado, sofreram menos, diz a analista, citando o caso da Tractebel, cujas ações já subiram aproximadamente 18% desde o fim de agosto de 2012. Para o analista da consultoria Lopes Filho Alexandre Montes, as empresas elétricas já estavam sofrendo antes mesmo das medidas do governo. Ele assinala que o terceiro ciclo de revisão tarifária já havia derrubado a rentabilidade do setor de distribuição elétrica, assim como a seca no país e a própria adaptação ao padrão de contabilidade internacional (IFRS). "Um verdadeiro furacão passou pelo setor nos últimos 18 meses", diz. "Antes, toda vez que havia uma crise, o mercado corria para o setor elétrico. Hoje isso não acontece mais, ele deixou de ser um porto seguro. A rentabilidade é muito menor que um ano e meio atrás e isso veio pra ficar." Ainda que não soubesse "o estrago que viria", a Franklin Templeton zerou as posições em energia pouco antes do anúncio do pacote, segundo o diretor de renda variável, Frederico Sampaio. A gestora já voltou a comprar ações do setor, mas a partir de uma seleção criteriosa. "A grande vantagem que existia no setor elétrico era a previsibilidade. Hoje não sabemos um monte de coisas e ainda há vários penduricalhos", afirma. Segundo ele, o pacote colaborou inclusive para construir o atual ceticismo do estrangeiro em relação ao Brasil. Passado o anúncio do pacote, alguns gestores consideraram que o segmento de distribuição de energia estaria mais protegido da perda de receita, enquanto o de geração seria o mais afetado. Os desdobramentos da medida, entretanto, assim como fatores adicionados ao longo dos últimos 12 meses, tornaram difícil encontrar nomes ilesos. "O pacote mudou a dinâmica do setor e mudou pra todos", afirma Sampaio, em referência a geradoras, transmissoras e distribuidoras. Além da medida provisória, ele cita a resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para que as geradoras arquem com parte do custo do acionamento de termelétricas. No caso das transmissoras, que segundo Sampaio se comportavam "como reloginhos", surgiram dúvidas a respeito do valor de indenizações futuras e da necessidade de pagar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em cima desses valores. "Houve também o efeito das manifestações, que abriram espaço para decisões políticas em vez de econômicas em relação a tarifas", diz o diretor de renda variável da Franklin Templeton. É emblemático o caso da paranense Copel, que, atendendo a uma solicitação do governo do Paraná, pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que sua tarifa fosse reajustada em 8,8%, muito menos que os 13,4% já autorizados pela autarquia. "O mercado ficou receoso sobre o ambiente em que se darão as revisões tarifárias", diz. Apesar da cautela, algumas casas já enxergam atratividade dos papéis do setor devido aos atuais preços. As ações da Cemig, por exemplo, entraram na Carteira Valor deste mês, composta pelos dez papéis mais indicados por corretoras. Flavio Sznajder, sócio-fundador da Bogari Capital, considera que houve um exagero nas quedas dos preços, abrindo oportunidades para compras. A gestora aproveitou para adicionar Cemig e Equatorial ao seu fundo. No primeiro caso, não houve um entendimento de que a previsibilidade está garantida. Pelo contrário. Permanece a incerteza sobre o prorrogamento de concessões. Um ponto a favor foi a liminar obtida em junho pela Cemig que garantiu manter a concessão da usina de Jaguara. "Mas a dúvida persiste. Como precificar se Cemig vai ou não vai ter direito ao fluxo de caixa das operações?", exemplifica. Para um analista, a Cemig foi a empresa que mais perdeu com o processo de renovação das concessões. Antes da MP 579, as ações da estatal mineira eram benquistas por investidores que não se julgavam conhecedores do setor elétrico, mas viam no papel um investimento seguro. Depois da MP, isso se perdeu, diz. Agora, as ações das elétricas passaram a ser consideradas um mercado arriscado, em que é preciso ser especialista para se sair bem. A Equatorial, cujas ações não chegaram a cair nos últimos 12 meses e têm hoje valor 33% maior que o do fim de agosto, foi uma das poucas que se manteve bem avaliada dentre os gestores. A empresa, junto com Taesa, já estava no fundo de dividendos da gestora STK Capital antes do anúncio do pacote. A gestora permaneceu com os dois papéis em carteira, mas por considerá-los casos específicos com perspectiva de crescimento e geração de dividendos. "Com certeza, o apetite do investidor nesse setor diminuiu", ressalta Antenor Fernandes, sócio-gestor da STK Capital. Para ele, o pacote levou a uma reflexão maior sobre a inclusão no portfólio de setores regulados de forma geral, mas principalmente dos que têm maior impacto sobre a inflação e, portanto, mais sujeitos à interferência do governo. O setor elétrico, pela previsibilidade e pela geração de proventos, sempre foi presença certa nos fundos de dividendos. Havia quem falasse dessas carteiras como uma espécie de renda fixa, uma opção segura para a aposentadoria e que protegia o portfólio especialmente em momentos de crise. Para se ter uma ideia, no primeiro semestre de 2012, os fundos de dividendos eram os mais rentáveis da indústria, com ganho de 13,7%. Anunciado o pacote, fecharam o ano na quinta posição. Em 2013, até agosto, perdem 6,6%, bem menos do que a queda de 18% do Ibovespa no período, muito por uma adaptação dos portfólios. Os gestores passaram a diversificar mais e energia perdeu espaço nas carteiras, dando lugar, por exemplo, a empresas do setor financeiro. Ao analisar as empresas de utilidades brasileiras, o BTG Pactual disse ontem, em relatório, que o setor segue pouco atraente na comparação com títulos públicos e assinalou que os investidores estão pagando um prêmio para escolher bons nomes. Na visão do banco, retornos para casos mais previsíveis, como Tractebel, AES Tietê e Taesa, estão muito perto e, às vezes até abaixo, dos de títulos com vencimento em dez anos. "A qualidade nunca foi tão importante como hoje", afirmam Antonio Junqueira e João Pimentel, que assinam o relatório. Ao tratar do primeiro aniversário das medidas do governo para o segmento elétrico, o BTG destacou que, após um ano de altos e baixos, em que alguns mitos sobre o universo das empresas de utilidades foram desmascarados, poderia se pensar que o setor se tornou barato. Num olhar que parte de uma análise macro para a seleção de ativos, entretanto, o segmento está ainda mais caro que um ano atrás. "A seleção de ações nesse momento é um desafio interessante, uma vez que a dispersão no setor aumentou de forma acentuada", diz. Dentre as opções que se situam entre empresas geradoras de fluxos de caixa estáveis e casos com potencial de valorização razoável, o BTG aponta os investimentos nas ações da Equatorial, Alupar, Cemig e Energias do Brasil. (Beatriz Cutait e Luciana Seabra. Colaborou Claudia Facchini)