Bolívia sinaliza pressa para negociar gás com o Brasil

O relógio corre contra a Bolívia na renovação do contrato de fornecimento de gás ao Brasil, que expira em 2019. O governo de Evo Morales está pressionado pela perspectiva de entrar na mesa de negociação em uma posição menos favorável do que na década de 1990, quando as duas nações pactuaram a entrega de 30 milhões de m3 diários através do gasoduto de 3.150 km que liga os dois países desde 1996. A Bolívia sofre com a falta de investimentos no setor, que minguaram após a estatização do gás em 2006, e a expectativa de iminente declínio de produção de seus principais campos, operados pela Petrobras. O gás corresponde a quase metade das exportações totais da Bolívia, e o mercado brasileiro é responsável pela absorção de quase 75% do combustível. O país não tem infraestrutura nem demanda suficientes para absorver a própria produção, além de carecer de mercados alternativos ao Brasil. Nos últimos dias, La Paz acenou com uma série de medidas para estimular os investimentos no gás. Anteontem, o vice-ministro de Hidrocarbonetos, Eduardo Alarcón, afirmou que o governo estuda elevar a remuneração às empresas pelo gás extraído no país. Na Bolívia, disse, o Estado fica com 82% da renda petroleira, e 18% vão para as operadoras. Ele comparou essa situação com a Argentina, a Colômbia e o Peru, onde a participação estatal é de 54% na renda do setor. Alarcón anunciou também, entre outras medidas, que o governo pretende agilizar os trâmites para a obtenção de licenças ambientais e remunerar os investimentos em exploração, "sobretudo parte sísmica e geológica". Na semana passada, o vice-ministro de Desenvolvimento Energético, Franklin Molina, disse que Bolívia e Brasil já estão negociando a ampliação do contrato de compra e venda de gás natural entre os dois países. "O Brasil está interessado em continuar demandando nosso gás. De fato, está começando a iniciar conversas sobre o tema", afirmou, explicando que o diálogo é conduzido entre as estatais YPFB e Petrobras. Segundo ele, essas negociações poderão resultar na ampliação do atual contrato "para um horizonte além de 2019". Um alto executivo da Petrobras, porém, diz que ainda não há nenhuma conversa para a renovação. "A condição essencial para uma renovação ou não do contrato é a Bolívia garantir reservas, garantir fornecimento. Por que a Petrobras vai assinar um acordo se a Bolívia não comprovar que tem o fornecimento de gás?", diz uma fonte com conhecimento do tema. "A Bolívia tem que achar muito gás em pouco tempo para manter esse fornecimento sustentável." Analistas nos dois países veem um cenário de negociação menos favorável à Bolívia. Citam como ingredientes a diversificação dos fornecedores do Brasil e o potencial do país de produzir gás no pré-sal, além das pressões das indústrias para que o gás boliviano chegue a um preço "mais competitivo". "Temos que levar em conta que a Bolívia, agora, já não é a única alternativa para o Brasil. É diferente de anos atrás, quando o Brasil ou importava da Bolívia ou estava em apuros", diz o analista boliviano Bernardo Prado. "Chegado o momento , quem vai precisar mais? A Bolívia vender gás ao Brasil ou o Brasil comprar o gás da Bolívia? O Brasil pode pleitear condições que antes não podia." Segundo Álvaro Ríos, ex-ministro de Hidrocarbonetos, o alto valor pago em impostos e os royalties na Bolívia demandam preços elevados do gás para que a exploração seja retomada no país. Além disso, diz ele, o advento do gás de xisto nos Estados Unidos teve impacto muito forte para os usuários brasileiros, que pagam de US$ 12 a US$ 15 por milhão de BTU, contra os US$ 5 praticados no mercado americano. "E me preocupa também a parte política", diz ele, referindo-se ao impasse em relação ao senador de oposição Roger Pinto, asilado há um ano na embaixada brasileira em La Paz. "Esses incidentes políticos e diplomáticos poderiam ser resolvidos muito mais rápidos para criar um ambiente mais favorável de negociação entre os dois países." A produção de gás tende a aumentar na Bolívia até 2015, quando entrará em funcionamento o campo de Marguerita, operado pela Repsol e a YPFB nos Departamentos de Chuquisaca e Tarija. Isso gerará um aumento na produção de cerca de 6 milhões de m3 diários de gás. A Petrobras, com recursos próprios, também está ampliando a capacidade do campo de Itaú em até 2 milhões de m3 por dia. Mas, a partir de 2016, esse aumento deve apenas compensar o declínio dos dois maiores campos atualmente em operação no país - San Antonio e San Alberto, operados também pela Petrobras, e que respondem por mais de 70% do que é produzido na Bolívia. "Para a Petrobras, interessa que essa negociação ocorra o mais à frente possível. Se as reservas estiverem caindo, e as explorações não avançarem num ritmo razoável na Bolívia, eles vão ficar mais ainda na mão da Petrobras na hora de negociar preço e condições", afirma uma fonte do governo brasileiro. "E obviamente, para a Bolívia, interessa antecipar essa discussão." ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Empresários pressionam por 'jogo duro'. Aliado de primeira hora do presidente de Evo Morales, o governo brasileiro já recebe pressões do empresariado para jogar duro com os bolivianos na renovação do contrato de fornecimento de gás. Oficialmente, as conversas entre os dois países ainda não começaram. Mas o assunto já mobiliza o setor privado e o governo de São Paulo, onde está boa parte das indústrias que utilizam o insumo boliviano como fonte de energia. Em 31 de julho, o governador Geraldo Alckmin e o secretário estadual de Energia José Aníbal aproveitaram uma reunião com a presidente da Petrobras, Graça Foster, para expor as demandas dos empresários paulistas. A principal foi desvincular o preço do gás boliviano das cotações do dólar e do barril de petróleo. A reação da executiva, segundo uma fonte do setor privado, "foi de mutismo". As indústrias se dizem preocupadas com o impacto da alta do dólar frente ao real no custo do insumo. Segundo Lucien Belmonte, superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), o preço pago pelas indústrias paulistas pelo gás boliviano subiu cerca de 30% nos últimos 15 meses. E a perspectiva é subir outros 10% a 15% agora, diz ele. "Isso ocorre por causa do contrato com a Bolívia. É preciso rever esse horizonte", afirma ele. Segundo Belmonte, o Brasil deve "aproveitar a ansiedade da Bolívia de não ficar na mão do pré-sal e na dependência do gás de xisto" para negociar termos melhores com o país vizinho. O gás boliviano correspondeu, em 2012, a cerca de um terço do consumo nacional. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a demanda brasileira cresceu 22% no ano passado, atingindo 74,9 milhões de m3 /dia. Desse total, a produção nacional correspondeu a 39,7 milhões de m3 /dia, enquanto as importações da Bolívia somaram 27,5 milhões de m3 /dia. Já as importações de gás natural liquefeito (GNL), usado sobretudo nas usinas termelétricas, chegaram a 8,5 milhões de m3 /dia, quase cinco vezes mais do que a média de 2011. "Nós ainda não podemos abrir mão do gás boliviano, mas temos que negociá-lo sob perspectivas futuras", afirma Ricardo Pinto, coordenador de Energia Térmica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace). "E temos que ir à mesa de negociação considerando que a Bolívia é extremamente dependente do gás." (Fábio Murakawa)