Brasil será o país do verão sem fim

Eterno verão. IPCC diz que inverno ficará até 4 graus Celsius mais quente no Brasil. Os termos técnicos do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) podem parecer estranhos à maioria da população, mas trazem alertas que dizem respeito à qualidade de vida e à economia. Se não houver redução de emissões de gases do efeito estufa, a tendência de elevação da temperatura deverá se acelerar nas próximas décadas. No Brasil, isso significará que temperaturas de verão ocorrerão por todo o ano. Cientistas do IPCC também estimam que mudanças no padrão das chuvas afetarão o funcionamento de hidroelétricas, com consequências na disponibilidade de energia e nos custos. Uma das líderes de um capítulo do novo relatório do IPCC, Iracema Fonseca de Albuquerque Cavalcanti ressalta que, durante o verão, a temperatura aumentará cerca de 3 graus Celsius na América do Sul até 2100. No inverno, a elevação chegará a 4 graus Celsius. Na prática, isso significa um verão interminável. As alterações seriam vistas já nos próximos 20 anos, quando a temperatura da América do Sul, no verão, deve subir 2 graus Celsius. - Pode parecer pouco, mas esta é apenas uma média - explica. - São números que fazem diferença, porque em alguns anos o calor será bem mais intenso do que em outros. Como a temperatura aumentará mais no inverno, a tendência é que, durante o ano inteiro, as estações sejam mais parecidas. Mesmo em períodos mais frios, teremos mais ondas de calor, os veranicos. Iracema ressalta que os fenômenos climáticos El Niño e La Niña serão observados no país com a mesma frequência, mas não se sabe se eles serão mais intensos. Alguns fatores já aceleram a subida dos termômetros. Um deles é das ilhas de calor, associado à falta de planejamento urbano. No Rio, por exemplo, paredões de prédios da orla impedem a entrada da brisa marítima nos bairros. - Andar na Avenida Presidente Vargas pode ser pior do que encarar o Deserto do Saara. Não há vegetação ao redor - compara Suzana Kahn, outra integrante da equipe de especialistas do IPCC. - Os aparelhos de ar condicionado resfriam os escritórios por dentro e expelem ainda mais calor, que se junta ao calor natural das áreas urbanas. Além da elevação da temperatura, as ilhas de calor também sofrem mais com tempestades. - As áreas de baixada próximas às regiões metropolitanas estarão mais vulneráveis a alagamentos - pondera. - O deslizamento de encostas, algo que já ocorre na Serra Fluminense, é particularmente preocupante. As precipitações devem aumentar no Oeste da Amazônia e no Centro-Sul do país. Segundo Iracema, as piores projeções seriam para a Região Sul: - Um fenômeno climático, conhecido como Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), deixa uma enorme massa de nuvens estacionada sobre uma grande região do país. Aparentemente estas zonas vão se posicionar cada vez mais no Sul do Brasil. MENOS ENERGIA PARA O PAÍS O novo relatório do IPCC destaca o processo de savanização da Amazônia do Leste da Amazônia. Hoje já se observam na região períodos de seca intensa. Em 2005 e 2010, a Amazônia registrou índices recordes de seca. Alguns trechos do bioma poderiam ter seu volume de chuva reduzido à metade nas próximas décadas. As mudanças no padrão de chuvas da Amazônia podem ter consequências severas para a geração de energia. Alterações no fluxo dos grandes rios amazônicos podem comprometer o funcionamento de hidroelétricas, com consequentes redução da oferta de energia e elevação dos custos da geração. - O processo de savanização deve ocorrer ao longo do século e trará impactos locais e globais - assinala o colombiano Walter Vergara, chefe da Divisão de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento. - Uma mudança drástica do bioma diminuiria a quantidade de carbono absorvida pela floresta. Os gases-estufa, então, iriam para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. As mudanças climáticas, segundo Vergara, trariam, até 2050, um prejuízo de US$ 100 bilhões anuais para o planeta. Os impactos na agricultura podem ser reduzidos com o surgimento de novos modos de produção. Como a alteração no regime de chuvas pode trazer prejuízos para o setor agrícola - no Brasil, especialmente para a cultura de soja -, é necessário, de acordo com Vergara, aprimorar a tecnologia. - O Brasil teria de investir em sementes que possam reagir de forma mais saudável ao período de secas ou chuvas intensas. Outra alternativa é mudar as áreas de produção, levando- as para uma região em que o impacto ambiental seja menor. Mas é necessário estudar que áreas seriam estas. POLÍTICAS PÚBLICAS LOCAIS Suzana Khan, no entanto, discute que o impacto econômico e ambiental não devem ser os únicos a pautarem a discussão relacionada às mudanças climáticas. - Precisamos abordar, também, nosso atual padrão de consumo - alerta. - São medidas simples, como a menor tributação a iniciativas que usem recursos naturais, como os telhados verdes, e propagandas a favor do transporte público. Os carros, além de ocuparem mais espaço, são mais poluentes. Novo relatório O que mudou nos últimos seis anos GELO E MAR. A compreensão cada vez maior de como as grandes geleiras da Groenlândia e da Antártica vão derreter levou o IPCC a praticamente duplicar as estimativas globais de elevação do nível do mar para até 82 cm no final do século. Eles também concordam que estimativas segundo as quais a elevação poderia chegar a dois metros são exageradas. NUVENS. Em 2007 havia muita incerteza sobre o papel das nuvens na elevação da temperatura. O novo relatório deixa claro que elas, de fato, contribuem para o aquecimento. FUMAÇA E AEROSSOL. Havia dúvidas também se as partículas ajudariam a resfriar o planeta ou contribuiriam para o seu aquecimento. Elas, de fato, contribuem para a elevação da temperatura. (Renato Grandelle)