Caminho até carro híbrido e elétrico é longo no Brasil

Sem uma política definida para a matriz energética automotiva, governo inicia após carnaval debates para incentivar tecnologia. Enquanto montadoras da Europa, Estados Unidos e Japão prometem para 2017 a chegada de carros movidos a hidrogênio, o maior avanço em termos de transporte sustentável, o Brasil segue sem ter uma política definida para a matriz energética automotiva. Depois de ter lançado, no ano passado, o programa Inovar-Auto, que estabelece maior eficiência do motor a combustão, o governo inicia, após o carnaval, debate sobre incentivos a híbridos e elétricos, mas avisa que o processo será longo. Ao menos uma montadora, a Toyota, levou ao governo proposta com prazo de cinco anos para iniciar a produção local de veículos híbridos com motor flex, que permitiria o uso do etanol no lugar da gasolina para gerar a energia que carrega a bateria elétrica. "O desenvolvimento do flex para o híbrido é viável, desde que sejam criadas condições para uma demanda que viabilize a produção", diz Ricardo Bastos, gerente-geral da Toyota. A proposta da montadora japonesa, que tem duas fábricas de automóveis e uma de peças no País, é a desoneração, por dois anos, de impostos para a importação de híbridos. Nos dois anos seguintes, o subsídio seria mantido para modelos flex. No quinto ano, já com uma possível demanda criada no mercado, teria início a produção local. "Uma parte achou a proposta interessante, mas, como o governo é muito amplo, nada foi definido ainda", diz Bastos. Mesmo assim, a Toyota decidiu iniciar em janeiro as vendas do Prius, híbrido que já vendeu mais de 4 milhões de unidades no mundo desde1997. Na maioria dos países, até mesmo na Argentina, consumidores de "carros verdes" têm algum tipo de subsídio. Com taxa de importação de 35%, IPI de 13% e frete, além do próprio custo maior da tecnologia, o Prius que vem do Japão custa R$ 120,8 mil no Brasil, num mercado que concentra mais de 40% das vendas no segmento com preços entre R$ 22 mil e R$ 45 mil. Na avaliação de Bastos, se o preço caísse para cerca de R$ 90 mil, o modelo teria boa saída. Até agora, foram vendidas três unidades, uma delas para Yoshiharu Kikuchi, japonês de 72 anos, 54 deles vivendo no Brasil. "Mesmo pagando um pouco mais sei que estou dirigindo um carro que vai consumir menos combustível, o que me fará gastar menos no posto. Além disso, tem a parte ambiental, que considero bastante importante." Também há uma frota de 20 táxis Prius, resultado de uma parceria entre a Toyota e a Prefeitura de São Paulo. Outras 80 unidades foram encomendadas e serão entregues neste ano. Caminho. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que coordena grupo criado pelo governo para discutir a agenda tecnológica para a cadeia automotiva, espera ter um parecer até o fim de março. Bruno Jorge Soares, especialista da ABDI, ressalta que há um caminho a ser trilhado. Segundo ele, o primeiro passo é melhorar a eficiência dos motores a combustão, processo previsto no Inovar-Auto. O programa estabelece, por exemplo, que até 2017 os carros novos terão de consumir 13,6% menos combustível em relação ao índice atual. Um veículo com gasolina terá de percorrer, em média, 15,9 km por litro e, com álcool, 11 km/litro. "Precisamos construir uma estratégia coerente e sustentável ao longo do tempo, pois não adianta dar incentivo agora se não tivermos condições de fazer um carro a combustão com padrão de competitividade global", diz. "Ainda temos muito a avançar em novos materiais e no processo produtivo." Para Soares, o híbrido seria o passo seguinte. Já o elétrico é mais para o longo prazo, se for a opção da matriz energética brasileira. O debate pode se prolongar especialmente no momento em que setores da economia temem o racionamento de energia, embora o governo descarte. Soares ressalta que mesmo países desenvolvidos que subsidiaram as vendas de carros híbridos e elétricos estão repensando a estratégia. Nos EUA, 3,5% das vendas em 2012, de 14,5 milhões de veículos, foram de modelos "verdes". No Japão, maior mercado desse tipo de produto, a participação é de cerca de 16%. Não quer dizer, segundo Soares, que o Brasil não possa desenvolver projetos paralelos, mas, num primeiro momento, "qualquer incentivo faria mais sentido se fosse aplicado no transporte coletivo, como os ônibus". Ronaldo Marzará Jr., coordenador da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade), reconhece que a tecnologia dos híbridos e elétricos é incipiente e que, num primeiro momento, há barreiras para sua adoção, a principal delas o custo. Ressalta, porém, que não vê "nada de concreto sendo feito pelo governo brasileiro". Marzará afirma que a SAE pretende criar um grupo técnico para trabalhar no desenvolvimento local de engenharias "para não ficarmos esperando que venha de fora". Ele também critica a demora em se alterar a legislação que determina a cobrança do IPI, hoje de 25% para o carro elétrico, a mesma incidente sobre motores a gasolina com potência acima de 2.0. Projeto de lei na Câmara do Deputados (4086/12) prevê a isenção de IPI para os elétricos e os híbridos, mas não há prazo para votação. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- As energias alternativas. Carro híbrido tem um motor elétrico e um convencional. A energia da bateria é gerada a bordo, sem precisar carregar na tomada. Os plug in também combina motor normal com elétrico, mas pode ser abastecido na tomada. Já o puramente elétrico tem só a bateria recarregada na tomada. A autonomia é limitada, mas não polui. Modelos a hidrogênio usam eletricidade obtida pela combinação com oxigênio. É necessário um agente gerador, que pode ser o etanol. Também não polui. Além do Prius e do Fusion, estão à venda no Brasil, sob encomenda, o Mercedes Class S 400 (até R$ 800 mil) e o Porsche Cayenne (R$ 520 mil). A BMW parou de vender o Série 7 (R$ 600 mil), pois lança, em abril, o Série 3. Foram vendidos até agora 43 Classe S, 53 Série 7 e um Cayenne. A Nissan tem 10 unidades do elétrico Leaf rodado como táxis e a Mitsubishi ainda tenta introduzir o i-MiEV. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Montadoras não têm consenso sobre política energética. No caso do carro elétrico, há ainda o lobby contrário dos usineiros, que temem perder o mercado do etanol. Além da indefinição no governo, não há consenso entre as montadoras sobre uma política energética. Fabricantes mais avançadas na criação global de novas tecnologias, seja híbrida, elétrica ou a hidrogênio, querem apressar uma decisão. "Aquelas que estão mais atrasadas nem tocam no assunto", diz um executivo que participa das discussões com o governo. No caso do carro elétrico, segundo ele, também há um lobby contrário dos usineiros, que temem perder o mercado do etanol. Primeira empresa a vender carros híbridos no Brasil, no fim de 2010, a Ford prepara para junho o lançamento do novo Fusion. A bateria da nova versão é 30% menor e 50% mais leve que a do anterior. O motor é 2.0, ante 2.5 do modelo que será substituído. A autonomia para rodar com o motor elétrico sobe de 70 km para 100 km, informa o vice-presidente da Ford, Rogelio Golfarb. A marca vendeu no Brasil 256 Fusion híbrido, que custa R$ 133,9 mil. A versão a combustão custa R$ 84,5 mil, ambas trazidas do México. Nos EUA, onde custa US$ 27,2 mil, foram vendidas 48,5 mil unidades desde 2009. "O futuro é híbrido e a célula de combustível", diz Golfarb. Ele pondera que as duas tecnologias operam com combustíveis disponíveis no País (gasolina e futuramente etanol), em ampla rede de distribuição. No caso do carro elétrico, seria necessária a instalação de bases de recarga de eletricidade. Golfarb ressalta que, na semana passada, Ford, Nissan e Daimler (dona da Mercedes-Benz) fizeram parceria para tornar viável o lançamento do carro elétrico movido a célula de combustível (ou hidrogênio). "A parceria prevê o início das vendas lá fora em 2017", diz. No Brasil, a chegada desse produto "vai depender da política do governo para a matriz energética." BMW e Toyota também trabalham em projetos de carros a hidrogênio. Pesquisa da consultoria Personal CO2 Zero mostra que híbridos consomem entre 20% e 40% menos combustível que carros a gasolina. Além disso, um híbrido com motor 1.8 gera 53% menos CO2 por km rodado ante a versão a gasolina. Na versão 2.0 a emissão é 48% menor e, na 3.0, 23% menor. A emissão ocorre quando o veículo usa o motor a combustão. Se for usada a bateria - quando o veículo roda em velocidade abaixo de 100 km -, a emissão é zero. Para Daniel Machado, presidente da CO2 Zero, "a economia verde é a saída para o planeta", mas há muito a ser feito para que tenha preços acessíveis. O carro elétrico é uma boa alternativa, "mas uma solução incompleta uma vez que a demanda energética para abastecer toda a frota exigiria fontes adicionais, provavelmente de origem fóssil". O presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber, reconhece que o carro elétrico só é viáveis com incentivos. Ele acredita que, em 2030, algo como 10% das vendas globais serão desse tipo de veículo. Sobre o temor da falta de energia, informa que um carro elétrico que percorra em média 15 mil km por ano consome o equivalente a um aparelho de ar condicionado caseiro. Cleide Silva