Consórcio ameaça desistir de ampliar Santo Antônio

O grupo responsável pela hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira (RO), já pensa em desistir do bilionário projeto de ampliação da usina. A concessionária, liderada por Furnas e pela Odebrecht, ficou insatisfeita com a decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o assunto e tenta mudá-la. Se isso não ocorrer até o início de agosto, perde-se a derradeira janela climática para a execução da obra neste ano, o que deverá levar ao engavetamento definitivo do projeto. No mês passado, em tentativa para dar fim à disputa entre os grupos que constroem as usinas de Santo Antônio e de Jirau, a Aneel autorizou o aumento da cota (altura do espelho d'água) do reservatório de Santo Antônio de 70,5 para 71,3 metros, o que permite a instalação de seis turbinas adicionais na hidrelétrica e um ganho de 207 MW médios. A agência determinou, porém, que uma parte desse ganho - 24,3 MW médios - seja entregue à Energia Sustentável do Brasil, concessionária responsável por Jirau. Seria uma forma de compensá-la, já que seu próprio projeto de ampliação fica inviabilizado com o aumento da cota de Santo Antônio, localizado rio abaixo. Esse mecanismo, chamado tecnicamente de "cessão de lastro", foi a proposta final da Aneel para encerrar a disputa. Em ofício protocolado ontem no Ministério de Minas e Energia, ao qual o Valor teve acesso, a concessionária Santo Antônio Energia ressalta que a solução adotada pela agência "compromete a viabilidade econômica" do projeto de ampliação da usina. O grupo pede "medidas compensatórias cabíveis" ou "medidas necessárias para tornar sem efeito a referida cessão de lastro". Depois de lembrar que a decisão sobre o projeto está 20 meses atrasada, o ofício termina de forma taxativa: "Na impossibilidade de se atender as principais medidas compensatórias de cessão de lastro e ajuste de cronograma, ficaremos impossibilitados de executar os investimentos, com consequente frustração de geração adicional de 207 MW médios ao Sistema Interligado Nacional". Esse é o ganho previsto de energia firme - que pode ser efetivamente comercializado ao longo de todo o ano -, mas a potência instalada de Santo Antônio subiria ainda mais. Com a nova configuração, o empreendimento teria 50 turbinas, passando de 3.150 MW para 3.569 MW de potência - um acréscimo suficiente para fornecer energia a mais três milhões de pessoas. A concessionária estima em R$ 1,5 bilhão o custo da ampliação. Procurada pelo Valor, ela confirmou o envio do ofício ao ministro Edison Lobão, mas não quis se pronunciar sobre seu teor. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Definição sobre usinas no Madeira é prioridade. O Ministério de Minas e Energia dará "alta prioridade" à análise do pedido feito pela concessionária da usina de Santo Antônio, no rio Madeira (RO), e planeja tomar uma decisão final sobre o assunto ainda nas próximas duas semanas, segundo uma autoridade do setor. Técnicos que conhecem em detalhes o projeto de ampliação da usina dizem que uma solução definitiva precisa ser dada, na pior das hipóteses, durante a primeira quinzena de agosto. A hidrelétrica de Santo Antônio está consumindo investimentos de R$ 16 bilhões, com 44 turbinas, que têm 3.150 megawatts (MW) de potência. Os equipamentos estão divididos em quatro casas de força diferentes. A instalação de cada uma delas é gradual e se aproveita de janelas hidrológicas nesta época do ano, quando baixa a vazão do rio, por causa do período seco. É o único momento em que se pode retirar as gigantescas ensecadeiras que bloqueiam temporariamente a passagem das águas pelos canteiros de obras da hidrelétrica. Os equipamentos da quarta casa de força, que terá doze turbinas, precisam ter sua instalação iniciada em agosto. É ali que deve ocorrer a ampliação da usina, segundo o projeto da Santo Antônio Energia. Podem ser doze ou 18 turbinas, considerando o projeto de expansão, mas os trabalhos de instalação precisam começar agora para não se perder a janela hidrológica. Caso contrário, fica comprometido todo o cronograma de entrada em funcionamento dessa última casa de força do projeto. Com seis turbinas adicionais, o projeto da concessionária permite ampliar a potência para 3.569 MW, ao custo estimado de R$ 1,5 bilhão - em torno de R$ 1,2 bilhão com equipamentos e outros R$ 300 milhões em desapropriações e trabalhos para retirada da vegetação. A garantia física da usina (montante de energia que pode ser efetivamente comercializado ao longo de todo o ano) aumenta em 207 MW médios. Quando a hidrelétrica estiver totalmente em operação, trata-se de um ganho considerável para seus donos. Quando se levam em conta os preços atualmente praticados no mercado livre de energia, a ampliação pode significar uma receita bruta adicional de até R$ 200 milhões por ano. Na decisão tomada em junho, após sucessivos adiamentos e discordância entre seus próprios diretores, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu aval à elevação da cota (altura do espelho d'água) de Santo Antônio dos 70,5 metros atuais para 71,3 metros. A Aneel acatou o argumento de que essa era a proposta que otimiza o ganho de energia no complexo hidrelétrico do Madeira, mas inviabilizou uma expansão da usina de Jirau, localizada rio acima. Para compensar a Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária responsável por Jirau, decidiu compensá-la com 24,3 MW dos 207 MW médios adicionais. No ofício enviado ao ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, com cópia para toda a diretoria da Aneel, a Santo Antônio Energia lembra que "o investimento na adição de seis novas unidades geradoras está condicionada à respectiva viabilidade econômica". E deixa claro que a solução definida pela agência reguladora "compromete" essa equação. Sem mudanças, conclui o ofício ao qual o Valor teve acesso, "ficaremos impossibilitados de executar os investimentos". O que está em jogo não é nada desprezível para o sistema como um todo. Só o ganho com a ampliação de Santo Antônio equivale a toda a potência da usina de Sinop, no rio Teles Pires, única hidrelétrica de grande porte com participação garantida no leilão A-5 deste ano. A briga envolvendo as gigantes do Madeira ainda não terminou. (Daniel Rittner)