Crescem investimentos no 'novo etanol'

Três fábricas produzirão o biocombustível a partir de resíduos da cana em 2014; aportes somam R$ 630 milhões. Só com palha e bagaço, é possível elevar oferta de álcool entre 35% e 50% na mesma área plantada com cana. Maior promessa do setor de biocombustíveis nos últimos anos, o etanol celulósico começa a sair do campo das ideias para chegar aos postos no próximo ano. Feito no Brasil a partir da palha e do bagaço da cana-de-açúcar -restos do processo atual de produção de álcool-, o chamado etanol de segunda geração é visto como a principal alternativa para aumentar a oferta sem a necessidade de crescimento significativo da área plantada. Segundo projeções conservadoras do setor produtivo, o consumo de etanol aumentará 45% até 2020, para cerca de 48 bilhões de litros ao ano. Com a produção de etanol a partir da celulose, será possível elevar a oferta entre 35% e 50% em uma mesma área de cana -as estimativas variam de acordo com a tecnologia adotada e com o volume de biomassa disponível em determinada região. O custo de produção, especialmente o investimento inicial na indústria, barrou o advento do etanol celulósico até aqui. Pioneiros, no entanto, começam a se arriscar. A GraalBio inaugura no início de 2014 a primeira fábrica de etanol celulósico do Brasil. A unidade, que terá capacidade para produzir 82 milhões de litros por ano, está sendo erguida em São Miguel dos Campos (AL). Cerca de R$ 350 milhões são investidos na fábrica, mas os recursos podem chegar a R$ 4 bilhões em sete anos com a construção de novas unidades e pesquisa, prevê a empresa que em janeiro conquistou um sócio de peso -o BNDES comprou, por R$ 600 milhões, 15% da GraalBio. "A indústria de segunda geração começa a sair da inércia", diz Bernardo Gradin, presidente da GraalBio. A segunda fábrica do "novo etanol" no Brasil será erguida pelo CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), empresa voltada à pesquisa em cana, nas dependências da Usina São Manoel, localizada no município homônimo, no interior de São Paulo. O contrato entre as duas partes foi fechado na semana passada. Com capacidade para cerca de 3 milhões de litros por safra, a unidade começará a produzir, em estágio pré-comercial, em 2014. "Teremos uma curva de aprendizado até 2016", afirma Oswaldo Godoy, gerente de projetos do CTC. Por ser totalmente integrado a uma usina já existente, o investimento na fábrica é mais modesto: R$ 80 milhões. PARCERIA ESTRANGEIRA Para acelerar o acesso à tecnologia e os testes do etanol celulósico no mercado brasileiro, usinas nacionais optaram pelo modelo de parceria com estrangeiros. É o caso da Raízen, que opera uma unidade de demonstração no Canadá em parceria com a Iogen, empresa de tecnologia na qual detém participação. A Raízen, que é uma sociedade entre a Cosan e a Shell, planeja para o final de 2014 a inauguração de sua primeira fábrica comercial, com capacidade para 40 milhões de litros ao ano. O projeto deve consumir R$ 200 milhões. A GraalBio também é parceira do grupo italiano Mossi&Ghisolfi, que neste mês inaugura uma fábrica de etanol celulósico na Itália. A empresa pretende trazer a experiência da unidade europeia para o Brasil. Já a ETH, empresa do grupo Odebrecht, anunciou nesta semana parceria com a dinamarquesa Inbicon, que produz etanol a partir da palha de trigo na Europa. A Petrobras, por sua vez, preferiu desenvolver a sua própria tecnologia. Com pesquisadores dedicados ao etanol de segunda geração desde 2004, a estatal tem a meta de levar o combustível aos postos em 2015. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Aposta é que custo de álcool de palha diminua em 3 anos. Feito a partir de restos da cana, produto não inclui os gastos agrícolas. Já o investimento industrial é 30% maior na segunda geração e barra o avanço da produção no país. O custo ainda é o principal obstáculo para o desenvolvimento do etanol celulósico no mundo. Mas produtores afirmam que, em três anos, pode ser mais barato produzir o combustível de segunda geração do que o tradicional. "Em 2016, o custo do etanol celulósico será igual ou menor que o de primeira geração", afirma Oswaldo Godoy, gerente do CTC. Segundo ele, em três anos será possível produzir etanol a partir de resíduos da cana com o custo entre R$ 1,10 e R$ 1,15 por litro. Hoje, o litro do etanol "tradicional" custa aproximadamente R$ 1,10. "O custo do etanol celulósico é mais baixo do que o tradicional porque não traz o componente agrícola da primeira geração", diz Bernardo Gradin, da GraalBio. Como nesse caso a matéria-prima são resíduos, o custo agrícola se restringe ao transporte dos insumos. Embora não sejam desprezíveis, os gastos ficam menores em relação à primeira geração. Segundo Gradin, o setor busca produzir etanol celulósico por menos de US$ 0,40 o litro (R$ 0,80 por litro). O principal entrave é o investimento industrial, que na segunda geração é 30% maior que o necessário para construir unidades tradicionais. COMMODITY A dinamarquesa Novozymes, produtora de enzimas necessárias no processo que dá origem ao etanol de segunda geração, diz que a tendência é de queda para o preço dessas substâncias. "Um dia essa enzima vai se tornar uma commodity. Vamos ganhar dinheiro no volume, não vai ser no preço", diz Pedro Fernandes, presidente regional da Novozymes para a América Latina. O diretor de bioenergia e tecnologia da Raízen, João Alberto Abreu, destaca as sinergias entre a produção tradicional e a segunda geração, porém é mais cauteloso. "É preciso comprovar a viabilidade econômica desse produto em escala comercial." A ETH segue a mesma linha. "A tecnologia é amplamente conhecida. É preciso evoluir para um ponto que seja viável comercialmente, e vamos aguardar o momento adequado para isso. Não precisamos queimar etapas", diz Carlos Eduardo Calmanovici, diretor de tecnologia e inovação da ETH. (TATIANA FREITAS)