Decreto não resolve rombo, diz Abradee

O decreto presidencial anunciado na sexta-feira ainda não resolveu integralmente o rombo aberto no caixa das distribuidoras de energia elétrica. Só em janeiro, elas tiveram custos adicionais de R$ 2,8 bilhões com o acionamento de usinas térmicas e para neutralizar a exposição ao mercado de curto prazo, que vende eletricidade a preços bem mais altos. Para evitar uma alta expressiva nas contas de luz e socorrer as empresas do setor, o governo publicou o decreto 7.945, usando recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) na liquidação dessas despesas. A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), que reúne 41 empresas do setor, passou os últimos dias fazendo uma análise minuciosa do decreto. Chegou à seguinte conclusão: a medida resolve - dependendo ainda de regulamentações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - três dos quatro problemas vividos pelas distribuidoras, mas não oferece solução imediata para uma parcela nada desprezível do rombo de janeiro: R$ 1,3 bilhão. Na avaliação do presidente da Abradee, Nelson Leite, não é necessário reeditar o decreto, mas ele precisa de "aperfeiçoamentos" e "clarificações" para tornar efetivo o socorro às distribuidoras. "À primeira vista, o decreto foi fruto de muito esforço do governo e da agência, mas ainda tem pontos que carecem de regulamentação. Precisamos que a Aneel tenha boa vontade para fazer um encaminhamento regulatório adequado", ressalta Leite. Pelo decreto, o governo assegurou a liquidação financeira das operações no mercado de curto prazo, referentes ao mês de janeiro. O problema está nos contratos por disponibilidade que as distribuidoras têm com os donos de usinas térmicas. Esse custo só ganha uma solução, nos termos do decreto, quando o reajuste anual de tarifas das empresas for autorizado pela Aneel. As distribuidoras pagam um valor fixo para garantir que as usinas térmicas, mesmo paradas, estejam disponíveis. Quando elas são acionadas, acrescenta-se à conta um custo variável. Esse custo é conhecido como CVU, no jargão do setor, e equivale basicamente aos gastos com o óleo combustível usado para rodar as térmicas. É esse custo que alcançou R$ 1,3 bilhão em janeiro. O decreto estabelece que essas despesas podem ser cobertas "total ou parcialmente" pela CDE, mas apenas no momento dos reajustes anuais de tarifas autorizados pela Aneel. Até lá, conforme a avaliação das distribuidoras, elas continuam pagando a conta. Ou seja: persistirá o drama no fluxo de caixa de algumas empresas, apesar de boa parte do socorro estar bem encaminhada. "O problema é quando começamos a observar as situações individuais", afirma Nelson Leite. Distribuidoras que só têm reajustes no quarto trimestre vão arcar com essas despesas até o aniversário de seus contratos. " Celesc e Light, que têm reajustes só em outubro e em novembro, terão que carregar esse custo por mais tempo", acrescenta o presidente da Abradee. A conta não é dividida de forma equânime entre as distribuidoras e depende dos contratos que elas têm com geradores térmicos. "Cada empresa tem um mix diferente de energia", completa. De qualquer forma, o governo evita o repasse às contas de luz dos consumidores, já que esse impacto só seria sentido no momento dos reajustes anuais. A diferença é apenas para o caixa das distribuidoras. "Ainda temos que encontrar mecanismos regulatórios para mitigar essa questão." Na análise da Abradee, os outros três problemas que compunham o rombo financeiro das distribuidoras estão praticamente resolvidos, dependendo apenas de homologações da agência reguladora. Apesar do prazo excessivamente apertado para a regulamentação das medidas, a associação acredita que a Aneel poderá tomar decisões "ad hoc", a fim de garantir as liquidações financeiras no mercado de curto prazo. Essas decisões podem ser ratificadas posteriormente. Os três problemas são: o risco hidrológico das usinas hidrelétricas, o pagamento do Encargo de Serviço do Sistema (ESS) para térmicas acionadas por razões de segurança energética e a exposição involuntária das distribuidoras no mercado de curto prazo. Somados, esses três fatores representaram uma despesa de R$ 1,5 bilhão às empresas, somente em janeiro. Até o fim do ano passado, as distribuidoras tinham contratos que lhes garantiam mais energia do que o necessário, em razão da demanda mais fraca. Mas uma parte expressiva desses contratos de "energia velha" venceu em 31 de dezembro de 2012. O governo tinha a solução para repor esse volume: alocar cotas das usinas hidrelétricas que tiveram suas concessões renovadas, no ano passado. Como as estatais Cemig, Cesp e Copel não aderiram ao plano do governo, ficou uma diferença de 2 mil megawatts médios entre as necessidades das distribuidoras e a oferta de cotas das usinas com concessões renovadas. Para cobrir o déficit, as empresas precisam ir ao mercado de curto prazo, com preços muito mais altos e voláteis. Essa operação provocou um rombo de R$ 871 milhões no caixa das distribuidoras, em janeiro, o que se somou aos demais problemas. O governo marcou um leilão especial de energia existente, para maio, a fim de cobrir definitivamente a demanda das empresas. Enquanto isso, a conta será coberta pela CDE, que se tornou uma espécie de colchão para amortecer o impacto de tudo isso nas contas de luz. (Daniel Rittner)