Desistência da Alupar constrange EPE e Aneel

A Alupar causou constrangimento ao governo ao publicar ontem um comunicado em que afirmava ter desistido de participar do consórcio que venceu a licitação da hidrelétrica de Sinop, no Mato Grosso, minutos após a divulgação do resultado do leilão, que terminou por voltas das 13 horas. Representantes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) foram avisados sobre a decisão da Alupar pela imprensa, enquanto concediam entrevista sobre o desempenho do leilão de energia A-5, para projetos que entram em operação em cinco anos, realizado ontem na sede da CCEE, em São Paulo. Era visível o mal-estar provocado pelo comunicado, que foi enviado pela Alupar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). "Normal não é", disse Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE, sobre o que pensava da decisão da companhia. O Consórcio Sinop Energia (CES) venceu a concessão da hidrelétrica, de 400 MW de capacidade instalada, ao oferecer um preço para a energia vendida de R$ 109,4 por MWh, o que representou um deságio 7,3% sobre o preço teto estabelecido pelo governo, de R$ 118 por MWh. A hidrelétrica exigirá investimentos de R$ 1,78 bilhão e foi leiloada em menos de 40 minutos. Para participar do leilão, os consórcios tiveram de depositar 1% do valor do investimento, ou R$ 17 milhões, em garantia. A Alupar possui 51% do consórcio CES, do qual também participam duas subsidiárias do grupo Eletrobras, a Chesf e a Eletronorte, com 24,5% cada uma. Depois de divulgar um primeiro comunicado, no qual esclarecia que iria adotar "os atos necessários à formalização de sua desistência em participar do empreendimento", a Alupar enviou uma nota ao Valor informando que "cumpriria integralmente" com todas as obrigações previstas no edital do leilão A-5. "A companhia reforça que irá cumprir integralmente com todos os termos, condições e obrigações previstos no edital de licitação do leilão ocorrido nesta quinta-feira", disse a empresa, em e-mail. De acordo com o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o regulamento impede que o consórcio vencedor faça mudanças em seu controle acionário até a assinatura do contrato de concessão. No caso de Sinop, o contrato será firmado em fevereiro de 2014. Portanto, a Alupar só poderá vender sua participação no empreendimento depois disso. Até lá, o consórcio também terá de depositar todas as garantias, incluindo o pagamento de 10% sobre o valor do investimento na data da outorga do empreendimento, o que será feito em setembro. Se essas exigências não forem cumpridas, a Aneel vai considerar que houve desistência do consórcio. Neste caso, será validada a oferta do segundo colocado. Segundo Tolmasquim, esse segundo interessado existe no caso de Sinop, mas o governo mantém o nome em sigilo. " "Houve disputa em vários lances", disse Tolmasquim. No mercado, especula-se que tenham apresentado propostas a Neoenergia, Cemig e Copel, esta última em sociedade com a chinesa State Grid. Às 13h20, a Alupar publicou fato relevante, informando que havia manifestado "sua vontade de não mais participar do leilão, em momento anterior ao início do certame, mediante a assinatura de termo de retirada". A empresa também informou, no documento, que "os atos necessários à formalização de sua desistência em participar do empreendimento já se encontram em andamento". A Chesf afirmou que o consórcio vai buscar um novo sócio privado para construir a hidrelétrica de Sinop, no rio Teles Pires (MT). Segundo o diretor de engenharia e construção da Chesf, José Aílton de Lima, o novo parceiro deverá ficar com a participação de 51% que seria da Alupar. Sobre a desistência da companhia, o executivo disse que essa situação é "normal" e que o procedimento será feito de acordo com as regras previstas no edital da concorrência. O destaque do leilão foram as oito pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e as nove térmicas a biomassa - duas movidas a cavaco de madeira e sete a bagaço de cana. A energia das PCHs leiloadas, que totalizam uma capacidade instalada de 173,5 MW, foi vendida por R$ 127 por MWh, com um deságio de 9,2% sobre o preço-teto. A energia das térmicas a cavaco de madeira foi comercializada por R$ 137 por MWh e a energia das térmicas a bagaço de cana por R$ 134 por MWh. O preço teto era de R$ 140 para todas essas usinas. O leilão foi elogiado pelo presidente Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel), Charles Lenzi, que defende as PCHs. Segundo ele, o setor respondeu aos incentivos do BNDES, que melhorou os financiamentos, e ao preço-teto mais alto. A indústria de PCHs também leva agora uma vantagem em relação às térmicas e mesmo às eólicas, que estão mais expostas ao dólar. No caso das hidrelétricas, 45% dos custos referem-se à obra, e apenas 35% aos equipamentos. (Claudia Facchini, Stella Fontes e Rodrigo Polito)