Esforço concentrado

Bem recebido por empresários, o plano Inova Empresa - pacote de estímulo do governo federal, anunciado na última quinta-feira, com recursos de R$ 32,9 bilhões e objetivo de elevar o índice de inovação tecnológica, a competitividade e a produtividade da indústria - enfrentará o desafio de sair do papel e consolidar-se como política de Estado capaz de promover uma transformação na matriz produtiva nacional. "Sabemos que ampliar os instrumentos de financiamento é de suma importância. O governo acertou em sinalizar que a inovação agora é, de fato, uma ação transversal na economia", resume Guilherme Marco de Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). Entre as medidas que agradaram empresários, e também acadêmicos, estão a integração de recursos antes distribuídos em diversos ministérios, financiamento à inovação com juros mais baixos que os cobrados em linhas regulares, ações específicas e descentralizadas para micro e pequenas empresas e a seleção de sete áreas estratégicas para aplicação dos recursos (agropecuária, energia, petróleo e gás, saúde, aeroespacial e defesa, tecnologia da informação e comunicação, clima e biodiversidade). "A inovação é uma ferramenta estratégica fundamental para o desenvolvimento econômico. A estruturação de um projeto federal traz mais segurança para as empresas investirem", acredita Mario Fioretti, gerente-geral de design e inovação da Whirlpool Latin America. "Ao beneficiar segmentos da economia, o Brasil dá passos importantes para construir sua política industrial, uma discussão que se arrasta há décadas", comenta Luiz Carlos Di Serio, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e coordenador-adjunto do Fórum de Inovação da Fundação Getúlio Vargas. Serio alerta que, apesar de bem estruturado, o Inova Empresa não vai funcionar sozinho e dependerá da aplicação do governo federal para resolver gargalos capazes de promover a competitividade da indústria. "Segundo estudos internacionais, as atividades industriais - a exemplo de melhorias incrementais no modelo de negócio, produtos e processos - exercem impacto inferior a 20% na competitividade", afirma. As análises mostram que inovar é imprescindível, mas os ganhos globais se darão com a combinação de estímulo à inovação com metas macroeconômicas. Entre os pontos positivos do país, o professor destaca indicadores como regulação no mercado de títulos, tamanho do mercado doméstico, sofisticação dos compradores, capacidade de inovação, estrutura acadêmica, quantidade de fornecedores locais e solidez dos bancos. Entre os negativos estão alta tributação, desperdício nos gastos governamentais, impacto da regulação do governo nos negócios, burocracia para iniciar uma empresa, problemas de infraestrutura logística e a má qualidade do ensino de matemática e ciência. "São fatores que inibem o empreendedor. A análise da competitividade tem de ser mais ampla", diz. Astor Schimitt, diretor corporativo da Randon, concorda e lembra que o Brasil ainda tem muita dificuldade para vencer a concorrência global. Perde vendas no comércio exterior e enfrenta a voracidade das companhias internacionais no mercado interno. E isso ocorre porque o país ainda é muito caro. A lista de prioridades, segundo ele, é velha conhecida do governo e da indústria. Será necessário reduzir custos (embutidos em impostos, mão de obra desqualificada, energia, entre outros), melhorar a dinâmica das cadeias produtivas (integrando desde a fonte de matéria-prima até a completa fabricação do produto) e fomentar a pesquisa, desenvolvimento e inovação. "Neste ponto, a política é benéfica porque promete facilitar o acesso aos recursos por empresas de todos os portes. Mas atacará apenas um dos gargalos", comenta Schimitt. O Inova Empresa também conclui a esperada criação da Empresa Brasileira para Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que contará com aporte inicial de R$ 1 bilhão e tem a função de estreitar o relacionamento entre as companhias e instituições de pesquisa, além de facilitar acesso aos recursos financeiros, infraestrutura laboratorial e capital intelectual. Lançada como uma organização social, a Embrapii tem a missão de representar para a indústria o que a Embrapa é para o agronegócio, tornando-se uma das principais agentes de transformação da matriz produtiva. "A ideia é boa, mas o funcionamento ainda não está claro. Cabe ao governo garantir a entrada rápida da Embrapii em ação para que ela não tenha o destino do Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), que naufragou sem dar resultados", alerta a professora Geciane Silveira Porto, coordenadora do InGTeC - Núcleo de Pesquisas em Inovação, Gestão Tecnológica e Competitividade da Universidade de São Paulo. Outro desafio, apontado por ela, está em coordenar a velocidade dos editais com as questões de regulamentação setoriais e de uso da infraestrutura pública de pesquisa. Um exemplo está na área de biodiversidade, que receberá R$ 1,3 bilhão pelo programa. "Os editais serão lançados, mas as licenças para projetos demoram entre um ano e um ano e meio para serem cedidas por órgãos como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen)", observa a professora. Na área de recursos humanos, uma cartilha publicada pela Controladoria Geral da União (CGU) e pelo Ministério da Educação (MEC) limita e burocratiza a atuação de professores e universidades federais nas pesquisas conjuntas com empresas. De acordo com Geciane, o governo federal precisa estabelecer prioridades. Na estrutura da Embrapii aparece a figura dos Institutos Federais (IFs), que ainda não possuem laboratórios e pesquisadores. Já as universidades públicas, com tudo pronto para atuar, sofrem interferências impostas por regras que ela considera sem sentido. "O programa sinaliza com aumento significativo no orçamento para inovação. Agora é preciso saber se será possível utilizar este dinheiro." ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Plano permite combinar diferentes fontes de financiamento. Dos R$ 32,9 bilhões anunciados para o Inova Empresa, R$ 28,5 bilhões são investimentos diretos do governo federal e R$ 4,4 bilhões virão de instituições parceiras como a Agência Nacional do Petróleo (R$ 2,6 bilhões), a Agência Nacional de Energia Elétrica (R$ 600 milhões) e do Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (R$ 1,3 bilhão). A maior parte dos recursos (R$ 20,9 bilhões) será destinada às linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com juros entre 2,5% a 5% ao ano, pagamento em até 12 anos, quatro anos de carência e cobertura de até 90% do investimento total. Outros R$ 4,2 bilhões serão destinados a empréstimos a fundo perdido para centros de pesquisa associados a grandes empresas e R$ 1,2 bilhão darão corpo ao orçamento da Finep para subvenção econômica de projetos a empresas diretamente ligadas ao desenvolvimento tecnológico. Ainda há uma parcela (R$ 2,2 bilhões) que será utilizada para a compra de participação acionária do governo em empreendimentos ligados a inovação. A principal diferença do Inova Empresa é que ele permite a combinação entre diferentes fontes para financiar projetos de inovação, que estarão centralizadas por apenas um ministério. O orçamento do pacote deve ser aplicado em dois anos. De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o quinhão do governo reúne recursos de 12 ministérios, sendo o MCTI responsável pela articulação entre as pastas. Do total, R$ 22,7 bilhões representam a parcela de dinheiro novo. Ou seja, de recursos que não estavam alocados em projetos de inovação tecnológica. Além de financiar projetos, o orçamento englobou a criação da Embrapii e investimento em infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento. Segundo Guilherme Marco de Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), o pacote não representa ruptura com as ações anunciadas anteriormente, mostrando a preocupação do governo federal com a continuidade dos projetos. Além disso, a centralização dos recursos traz outra dimensão para a inovação e maior confiança para as empresas. Entre as ações mais comemoradas está a descentralização do acesso ao financiamento para micro e pequenas empresas. Agora, os empreendimentos de menor porte poderão solicitar financiamento diretamente em seus Estados, em agência de fomento à pesquisa ou bancos estaduais. "Será possível acelerar os projetos de inovação nas cadeias produtivas", afirma. Com a injeção bilionária de capital, o governo federal pretende dar um salto qualitativo (de competitividade e produtividade) na indústria. Para isso, conta com a disposição dos empresários em ampliar seus orçamentos para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. A meta é investir 2% do PIB, entre recursos públicos e privados, em curto prazo. "Na média, as empresas brasileiras ainda investem pouco", lembra Luiz Carlos Di Serio, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e coordenador-adjunto do Fórum de Inovação da Fundação Getúlio Vargas. Dados do ministério mostram que, entre 2001 e 2010, os aportes em inovação, em comparação com o PIB, evoluíram de 1,30% para 1,62%, sendo as empresas responsáveis por menos de 50% dos recursos aplicados na década. Em países de alta intensidade tecnológica, como Alemanha, Estados Unidos e Coreia do Sul, as empresas normalmente aplicam mais que o dobro do investido pelo governo. "O plano federal somente renderá frutos se as empresas utilizarem os recursos disponíveis. Atendemos ao pleito por mais recurso público. Agora é a vez de as empresas entrarem firmes no jogo", conclui o ministro Marco Antonio Raupp. (Ediane Tiago)