Estudo sugere que Paraguai já quitou a dívida de Itaipu

Um novo ingrediente pode apimentar a relação entre os governos do Brasil e do Paraguai a menos de um mês da posse do novo presidente do país vizinho, Horacio Cartes. Um estudo sobre o uso do potencial hidrelétrico como propulsor da economia paraguaia, elaborado pelo Vale Columbia Center (VCC) - centro de estudos ligado à Universidade de Columbia e dirigido pelo economista americano Jeffrey Sachs - avalia que a dívida atual do Paraguai em relação à construção de Itaipu, de US$ 7,5 bilhões, já foi quitada. Ele propõe ainda revisão do Tratado de Itaipu sob auditoria pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). "A história da dívida de Itaipu Binacional é sombria", dizem os pesquisadores do VCC Perrine Toledano e Nicolas Maennling, que assinam o documento. "Recomendamos que Brasil e Paraguai explorem de forma transparente os argumentos e recalculem a dívida em bases justas, com preços razoáveis para a energia exportada pelo Paraguai no passado e premissas razoáveis para as taxas de juros." A revisão do Tratado de Itaipu - instrumento legal que determina, entre outros pontos, as regras de comercialização da energia da hidrelétrica - é um tema sensível para os paraguaios e sempre utilizado com motivações políticas durante as campanhas eleitorais do país. Dessa vez, porém, a questão ganha novo contorno por ter a chancela de um instituto internacional e independente. Para o Brasil, o tema também é importante, porque o governo brasileiro autorizou, em maio, a utilização dos recebíveis de Itaipu na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que está sendo utilizado para aliviar o caixa das distribuidoras para cobrir as despesas de operação das termelétricas. A minuta do estudo do VCC foi aberta a consulta pública por duas semanas, até 15 de julho, prazo em que os interessados puderam enviar contribuições sobre o tema. A expectativa do instituto é divulgar a versão final em até dois meses, após avaliar os dados que receberam. Especialistas brasileiros, no entanto, questionam as premissas do estudo. "O conteúdo dessa pesquisa tem tamanhas impropriedades que dificilmente o Jeffrey Sachs sequer tenha passado os olhos nele", diz o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, ressaltando que os autores do documento não examinaram os balanços anuais e o fluxo de caixa da Itaipu Binacional. Segundo Sales, há pelo menos três inconsistências no trabalho do VCC. A primeira é que o instituto calculou a tarifa de Itaipu com base em preço de mercado, enquanto o tratado relativo à hidrelétrica define a tarifa pelo custo de construção e manutenção da usina, já que o empreendimento não visa o lucro, apenas o pagamento da dívida. O VCC também defende que a dívida de Itaipu seja recalculada utilizando uma taxa de juros anual de 5%. Sales, porém, lembra que os juros na época de construção da hidrelétrica, na década de 80, eram de pelo menos 10%. Por último, o VCC insinua uma diferença considerável entre o imobilizado acumulado e o investimento direto acumulado na usina. "Mas a parcela de juros acumulada durante a construção é financeiramente enorme e se soma ao imobilizado propriamente dito", diz Sales. Itaipu exigiu investimentos diretos da ordem de US$ 12 bilhões, mas o custo final do projeto foi de US$ 27 bilhões, principalmente devido a encargos financeiros e rolagem de dívida. O pesquisador Roberto Brandão, do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), também critica as bases utilizadas pelos economistas do VCC. "O modelo considerado para dizer que a dívida já está paga supõe que não houve acordo. Ele não considera o Tratado de Itaipu", afirma. "Mas o Tratado de Itaipu está para Itaipu assim como a Constituição está para um país", diz Brandão. Segundo o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Jorge Samek, a dívida da companhia é de US$ 13,9 bilhões, que deve ser quitada até fevereiro de 2023. Ele contou que Itaipu teve uma alavancagem financeira de 99,8%. "Fizemos um estudo contestando desde o título até a última linha, porque eles partiram de uma premissa errada. E quem parte de uma premissa errada não pode chegar a uma conclusão correta", afirmou Samek. O diretor de Itaipu não vê risco, porém, de mudanças no contrato da usina nem uma relação conflituosa com o futuro governo paraguaio. "Já estou trabalhando com o sétimo diretor-geral paraguaio e o quarto presidente paraguaio. Nesse período, Itaipu não deixou de produzir um megawatt-hora sequer por questões políticas", disse. "O que me deixa mais confiante é que o presidente que ganhou a eleição é assessorado por pessoas que conhecem com profundidade o que foi o Tratado de Itaipu." ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Engenharia diplomática de sucesso, usina é razão de queixas de paraguaios. Considerado um sucesso em termos de engenharia diplomática, o Tratado de Itaipu, assinado pelos governos paraguaio e brasileiro em 1973, estabelece as bases técnicas e econômicas para a usina Itaipu Binacional. Pelo documento, cada país tem direito a 50% da energia produzida pela hidrelétrica. Caso um país não consuma toda a sua parcela, o excedente é obrigatoriamente comprado pela outra parte. O Paraguai consome aproximadamente 10% da energia produzida por Itaipu. Pelo acordo, o Brasil paga uma tarifa de energia ao Paraguai calculada pelo preço de custo do serviço da hidrelétrica. O valor atual é de aproximadamente US$ 45 por megawatt/hora (MWh). Quase a totalidade desse valor é utilizada para o pagamento da dívida da usina, atualmente em US$ 13,9 bilhões. Itaipu começou a ser construída no fim dos anos 70 e sua operação oficial começou em 1984. Nesse período, o cenário econômico da América Latina era bastante desfavorável. Na época, o governo paraguaio não tinha recursos nem crédito para bancar a construção da usina. O governo brasileiro então financiou e deu garantias do Tesouro Nacional para o empréstimo que permitiu a implantação da hidrelétrica, que teve custo total de US$ 27 bilhões, dos quais US$ 12,1 bilhões de investimentos diretos. Cada país fez um aporte inicial de US$ 50 milhões. Nos últimos anos, têm sido frequentes as queixas de políticos paraguaios com relação à tarifa de Itaipu. De acordo com o tratado, porém, a tarifa de energia de Itaipu deverá ser renegociada entre os dois países apenas em 2023, prazo previsto para a amortização da dívida de construção da hidrelétrica. Com 14 mil megawatts (MW) de capacidade instalada, Itaipu responde por cerca de 12% do parque gerador brasileiro e é a segunda maior usina do mundo, atrás apenas da hidrelétrica de Três Gargantas, de 22 mil MW, na China. Em 2012, Itaipu bateu o recorde histórico de produção de energia, totalizando 98,28 milhões de MWh. (Rodrigo Polito)