Fábricas de celulose, papel e energia

Apenas 31 empresas já respondem pelo segundo maior potencial instalado para cogeração no Brasil com quase 15% da capacidade total no país. A Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou em outubro a operação da segunda unidade geradora da Eldorado Brasil, uma fabricante de celulose localizada no município de Três Lagoas, na divisa entre Mato Grosso do Sul e São Paulo. Com os 226 MW de capacidade instalada na planta industrial, este setor se transformou no segundo maior segmento em cogeração, ultrapassou o setor químico/petroquímico e perde apenas para o sucroalcoleiro. A tendência é de que o segmento se consolide nesta posição nos próximos anos. O avanço da capacidade instalada de produção de papel e celulose no Brasil deverá aumentar a exportação do excedente de energia para a rede, tornando a geração uma outra importante fonte de renda para as empresas. De acordo com um levantamento da Associação da Indústria da Cogeração de Energia, o Brasil tem 11.750 MW em capacidade instalada de cogeração. A maior de todas, de longe, está no setor sucroalcoleiro com cerca de 70% do total. O segmento de papel e celulose, depois da autorização da Eldorado Brasil como autoprodutor, avançou para 12,3% da capacidade no país. Toda essa evolução para o setor começou com o aumento da eficiência energética das caldeiras que compõe as fábricas. Um estudo da Pöyry, multinacional finlandesa de consultoria e serviços de engenharia, aponta que uma fábrica com capacidade de 1,5 milhão de toneladas de celulose, mesma capacidade da Eldorado, pode gerar de até 270 MW. Hoje, o consumo médio de uma planta deste porte ocupa cerca de 100 MW da capacidade instalada. Portanto, na teoria, o excedente de energia poderia chegar a 170 MW por fábrica. O vice-presidente da Pöyry, Carlos Farinha explica que a energia como subproduto do processo de fabricação da commodity deve-se ao aumento da eficiência dos equipamentos, principalmente da caldeira. Tanto que, hoje, as fábricas mais modernas não emitem nem mesmo o vapor de água que caracteriza as unidades mais antigas em operação. "Gerar energia é uma situação inerente ao processo que começa com o cozimento da madeira e que leva ao licor negro, matéria orgânica de alto poder calorífico", explicou ele. "Com a queima desse combustível em uma caldeira específica, é gerado o vapor que movimenta a turbina e esse processo está tão eficiente que as fábricas modernas possuem excedente de energia", acrescentou o executivo. O potencial de geração excedente de energia por parte do setor só tende a crescer ao passo que as empresas anunciam investimentos em novas unidades. Entretanto, o ritmo de construção foi reduzido em comparação com anos antes da crise de 2008/2009. Alguns exemplos são a própria Suzano, que teria duas novas unidades na região nordeste e ficou, no momento, apenas com a do Maranhão. Uma outra no Piauí de mesma capacidade instalada foi adiada. A Fibria, maior produtora de celulose branqueada do mundo, ainda estuda ampliar sua fábrica na mesma cidade onde está a Eldorado e uma outra linha na Bahia, em uma joint venture com a Stora Enso, chamada Veracel. A empresa, resultado da fusão entre a VCP e a Aracruz, não respondeu ao pedido de entrevista. Entre os projetos em andamento, além da fábrica da Eldorado, a mais recente a entrar em operação, ainda há a unidade da Suzano no Maranhão e investimentos de expansão da capacidade instalada da Klabin no Paraná com uma linha de 1,5 milhão de toneladas de celulose de fibra longa, que poderá abrigar uma usina de até 320 MW, uma nova unidade da chilena CMPC no Rio Grande do Sul e da Lwarcel que está investindo em amplia a sua capacidade em 750 mil toneladas na fábrica que possui em Lençois Paulista (SP). Esta última, inclusive, é autossuficiente em energia e produz 30 MW adicionais que são enviados para as outras empresas do grupo. A solução que é adotada envolve o uso de duas caldeiras uma principal para o licor negro e uma auxiliar para o uso da biomassa. Ajustado o volume de combustível e a pressão das caldeiras, a potência instalada pode alcançar 270 MW em uma linha de produção de 1,5 milhão de toneladas de celulose. O executivo explica que o processo é feito em um circuito fechado onde é aproveitado até mesmo o vapor condensado no processo de fabricação da celulose. O licor negro é o principal combustível para as fábricas e que foi melhorado para se tornar mais energético com o tempo. Atualmente ele possui apenas 15% de água enquanto o restante é queimado. Contudo, diz Farinha, o potencial aumenta ao passo que as fábricas se utilizam dos restos de madeira originados do processo de picagem das toras das árvores e, dependendo da fábrica, do descascamento da árvore e até mesmo do uso de seus galhos e folhas como biomassa. "A fábrica de celulose se transforma em uma termelétrica totalmente renovável", afirmou ele. De acordo com dados da Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), a matriz energética dessa indústria vem mudando desde a década de 1970. Segundo dados de 2012, do Balanço Energético Nacional (BEN), o setor já utiliza a maior parte de sua energia de origem renovável. Sendo que 66,22% já é obtida com o licor negro, outros 19% têm origem na Biomassa - mas sem detalhar se esse combustível tem origem na operação da empresa. O restante, 14,8% é originado do gás natural, oleo combustível e outras fontes. Essa configuração era bem diferente nos anos 70, quando a maior parte da energia utilizada no setor tinha como origem o óleo combustível, o licor negro respondia por apenas 17,9% de toda a energia consumida. Esse perfil foi sendo alterado com o passar das décadas, tendo atingido o patamar apresentado no ano passado desde o início deste século. Apesar da possibilidade de gerar e colocar mais de 100 MW de excendente na rede, a prática não tem sido necessariamente esta. O uso dessa capacidade adicional ainda depende muito de outros fatores, como a distância da floresta até a planta industrial, equipamentos ou ainda o número de fornecedores de insumo para a fabricação de celulose que se instalaram na região da fábrica, como no caso da Eldorado Brasil que tem 226 MW de capacidade e poderá exportar até 30 MW à rede. No caso da Eldorado Brasil a opção, explicou o diretor Técnico e Industrial da empresa, Carlos Monteiro, se deu em função, em primeiro lugar, da exportação de energia para seus fornecedores de insumos para a fabricação da celulose, como a AkzoNobel e a White Martins, cuja demanda ocupa 60 MW da capacidade instalada. Então, por esse motivo associado ao fato de que até 30 MW de capacidade tem acesso ao desconto da TUST e TUSD a Eldorado optou por limitar a geração. Já no caso da nova planta da Suzano, a pressão mais elevada nas caldeiras poderá agregar 240 MW de capacidade na planta que a companhia está construindo na cidade de Imperatriz (MA) e que deve entrar em operação nas próximas semanas. A unidade, assim como as outras, utilizará o licor negro como o principal combustivel, terá ainda a biomassa e ainda contará com o óleo combustível como backup. De acordo com o diretor industrial da Suzano Papel e Celulose, José Alexandre de Morais, a utilização da capacidade nominal da geração na planta deverá ser alcançada em meados de 2014 e seguir a curva de produção da unidade. A previsão de consumo a plena capacidade é de 160 MW. Os planos da empresa incluem vender o excedente de energia no mercado, mas ainda não há uma decisão de qual será a opção da empresa, se o ambiente regulado ou o livre. "Considero a independência do sistema interligado nacional e o maior controle do custo energético como o maior benefício que uma operação autossuficiente traz à empresa", disse o executivo da Suzano. Esse posicionamento, continuou ele, se justifica pelo fato de a energia ser um insumo importante no processo de produção da celulose. "Esta é uma questão estratégica para o setor. Os equipamentos evoluíram nos últimos anos e aumentaram a eficiência energética, com isso, temos mais geração de energia do que consumo", confirmou ele. Na Eldorado, o excedente de energia ainda não tem destinação definida. No momento, afirmou Monteiro, a companhia que pertence ao Grupo JBS e que tem participado também em leilões de transmissão por meio do FIP Milão, trabalha com a Comerc para avaliar as oportunidades e o melhor caminho para negociar essa energia. "Já temos mais de uma proposta para contrato fixo", afirmou Monteiro. "Nossa geração é totalmente renovável, não queimamos combustível fóssil, se passarmos de 30 MW pagamos pedágio, por isso limitamos a capacidade de exportação de excedente. Talvez no futuro com as otimizações da empresa poderemos ter um breakeven point mais elevado e assim poderemos pensar em aumentar a geração de energia mesmo sem o desconto", revelou. O investimento em uma unidade de geração de energia como essa não é revelado, está dentro do orçamento para a construção da fábrica. No caso da Suzano, esse valor totaliza US$ 2,4 bilhões. Na avaliação do diretor da Eldorado, o aporte não pode ser considerado alto porque a geração de energia faz parte do processo. Além disso, ele disse que não investir em energia atualmente levaria até mesmo à inviabilização da fabricação de celulose, uma commodity e que por isso tem seu preço regulado pelo mercado internacional. "Os custos de produção são cada vez mais importantes e o investimento em uma fábrica desse porte é de capital intensivo, por isso tem que exisitir uma forma de amortizar o custo da commodity. Se não tiver energia ou ser autossuficiente, dificilmente paga esse tipo de investimento. Além disso, não podemos esquecer das indefinições nos preços de energia", acrescentou Monteiro. Aliás essa indefinição de preços e ainda mais, a falta de políticas para o setor de cogeração como um todo é citado pelo vice-presidente da Cogen, Leonardo Calabró como uma das dificuldades em implementar projetos. "Cada fonte na cogeração tem a sua dificuldade, seja a biomassa, gás natural", comentou Calabró. "Temos uma pauta regulatória para a cogeração, no caso da biomassa existe a nossa proposta de geração distribuída que apresentamos no Enase . Precisaríamos de leilões por áreas elétricas com preços maiores que os apresentados nos leilões", lembrou ele. Outra iniciativa que foi apresentada ao governo é da Pöyry, que propôs ao conselho setorial de papel e celulose do programa Brasil Maior que o limite para a venda subsidiada de energia à rede fosse aumentado dos atuais 30 MW. Contudo, relatou Farinha, ainda não houve avanços nessa negociação. Segundo ele, se fosse aprovada a medida representaria uma boa ajuda ao setor que poderia investir em projetos maiores que levariam a maior retorno do investimento. (Maurício Godoi)