Fase de transição

Na semana passada, no leilão de contratação de projetos de energia que entrarão em operação dentro de cinco anos, as usinas termelétricas movidas a carvão voltaram a ser ofertadas, após quase cinco anos de ausência dos certames. Não houve investidor interessado em adquirir nenhum dos três empreendimentos oferecidos, mas a retomada das apostas na fonte reflete a baixa disponibilidade de gás natural no curto prazo, a necessidade de aumentar a segurança do abastecimento e a dificuldade em se construir hidrelétricas com grandes reservatórios, o que tem ampliado a volatilidade dos preços e reduzido a previsibilidade da gestão. O planejamento do setor ao longo dos próximos anos demandará conciliar diversos interesses, além da exigência de adoção de uma visão mais ampla na seleção de projetos, levando em conta critérios como poluição global, vida útil do empreendimento e os impactos sociais, segundo especialistas. Os projetos recentes de hidrelétricas descartaram os grandes reservatórios com a escolha de usinas a fio d'água. "A opção por usinas a fio d'água, combinada com as características geográficas e hidrográficas da região Norte, onde estão concentradas, levará à construção de usinas com menor fator de capacidade e à diminuição da regularização dos reservatórios do país", aponta o presidente do Conselho de Energia da Firjan, Armando Guedes. Para Guedes, isso representa a antecipação do ingresso da fonte térmica na matriz nacional. Estudo da entidade aponta que, em 2001, a capacidade de regularização dos reservatórios - o quanto de energia o país pode armazenar na forma de água para suprir a demanda de energia - era de pouco mais de seis meses. Já em 2012, a capacidade de regularização caiu para 4,91 meses. Os ambientalistas discordam e enfatizam a importância de investir em fontes como usinas eólicas e solares. "As hidrelétricas com reservatório já existentes têm sua importância. Mas, antes de construir novas, o Brasil pode e deve investir em caminhos que gerem menos impactos socioambientais e que, ao mesmo tempo, tragam ganhos para o consumidor", frisa Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace. "A equação ambiental se tornou mais complexa, e o debate público sobre o futuro da matriz é importante", diz o presidente da Construtora Camargo Corrêa, Dalton Avancini. O governo está atento à discussão e tem defendido a construção de hidrelétricas com base em uma visão mais ampla do assunto. "Uma hidrelétrica é feita para durar centenas de anos, enquanto uma térmica pode levar alguns anos e ainda ter de ser substituída. Municípios ao redor de empreendimentos hídricos têm Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais altos do que os que não passaram por transformações. A visão sobre o tema tem de observar impactos ambientais, sociais, ganhos de preservação ambiental sobre cada fonte", destaca o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Com dificuldades para avançar com as hidrelétricas, a matriz deverá se diversificar ao longo dos próximos anos, com mais investimentos em fontes renováveis, como eólicas, solar e PCHs, e térmicas, como gás natural e de xisto. "O setor começa a viver uma transição, porque o custo de expansão das hidrelétricas será crescente e grande parte do potencial está na região Norte, onde a questão ambiental é sensível", diz Otavio Mielnik, da FGV Projetos. O presidente da Renova Energia, Mathias Becker, diz que o setor ruma para maior diversificação e que há uma volatilidade estrutural que começa a ganhar espaço, por conta do ingresso de mais usinas a fio d'água. Isso faz com que as oscilações de preço possam ser maiores nesta década, em meio a custos crescentes, o que pode afetar o preço da energia nova - que deve elevar a demanda de grandes consumidores por lotes de energia. "Temos buscado destinar parte da energia dos nossos projetos para o mercado cativo e para o livre", observa. A empresa tem um portfólio com mais de 10 mil MW em energia eólica que podem ser desenvolvidos ao longo dos próximos anos e também já avança com projetos solares. Recentemente, fechou um contrato de € 1 bilhão com a Alstom para desenvolvimento de equipamentos mais competitivos para eólicas. "Manutenção, estabilidade de geração e incrementos adicionais de fator de potência serão pontos essenciais para reforçar ainda mais a eólica", analisa Becker. Dosar o crescimento de cada uma das fontes será outra missão espinhosa do governo. Na década passada, a estrela do setor eram as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Depois a vedete passou a ser a fonte eólica. Recentemente, o BNDES anunciou novas regras de financiamento para usinas de biomassa e PCHs, como a ampliação do prazo de amortização desses empreendimentos de 16 anos para 20 anos, além da redução do índice de cobertura de 1,6 para 1,2, o que vai permitir alavancagem maior desses projetos. As medidas contribuíram para que, no leilão da semana passada, oito PCHs e nove usinas de biomassa (sete de cana e duas de cavaco de madeira) vendessem sua energia, sendo responsáveis por cerca de dois terços dos 1,2 mil MW contratados no certame. "Esse foi um sinal importante de competitividade dessas fontes renováveis", aponta Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE). Ofertadas a R$ 140 o MW, as usinas a carvão não tiveram sua energia comercializada no leilão, mas a expectativa dos empresários do setor é de que os projetos possam voltar a ser oferecidos no leilão A-5 do fim do ano, já que têm competitividade para concorrer com usinas de gás natural. (Roberto Rockmann)