Fontes Alternativas - Investidores abandonam projetos em andamento

A construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e de usinas de biomassa (UTHs) caminha em marcha lenta. A perda de competitividade explica o recuo. Enquanto o megawatt/hora (MH/h) gerado pelas eólicas está em cerca de R$ 100, o das PCH está na casa dos R$ 140 e das usinas de biomassa, em R$ 200. O portfólio dos projetos em andamento da CPFL Renovável, uma das grandes empresas do segmento, deixa clara a disparidade. Dos 528 megawatts (MW) em obras, 482 MW referem-se a 18 parques eólicos e 100 MW, a duas usinas de biomassa. E dos 3.818 MW em desenvolvimento, somente 608 MW serão para as PCHs - o restante da energia virá das eólicas. A situação das PCHs é tão séria que os empresários do setor realizaram um encontro entre os dias 15 e 17 de abril, em São Paulo. Na ocasião, foi elaborada a Carta de São Paulo, encaminhado à presidente Dilma Rousseff, que fala no sucateamento do setor, na perda de R$ 16 bilhões em investimentos realizados nos últimos 15 anos pela cadeia produtiva, e nos prejuízos ocasionados para o sistema elétrico. O alerta sobre as dificuldades enfrentadas pelo segmento vem de todos os lados. "As PCHs são extremamente importantes para o sistema elétrico", comenta Marcelo Moraes, coordenador do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico (Fmase). "O país não pode abrir mão dessa fonte de energia." No Brasil existem 440 PCHs em operação, responsáveis pela geração de 4.315 MW e por 3,5% da matriz energética, segundo a Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel). Além disso, cerca de 650 projetos básicos, somando 6.500 MW, estão em análise na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). "Estes projetos representam cerca de R$ 45 bilhões em investimentos apenas com as obras de construção das usinas", afirma Charles Lenzi, presidente da Abragel. No caso das PCHs, a perda de competitividade é explicada por vários fatores. Um deles são os investimentos em obras civis, responsáveis por 50% do custo total. "Em função de um aumento na demanda, os preços da construção civil registraram grandes aumentos nos últimos anos", explica Lenzi. Os equipamentos, por sua vez, feitos sob medida, em função das características de cada PCH, oneram os custos de produção. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico e a fabricação em série tornam mais acessíveis os preços dos equipamentos das eólicas, beneficiadas por incentivos fiscais. Em função da falta de competitividade, o setor não conseguiu participar dos leilões realizados pela Aneel nos últimos anos. "Tem se mostrado extremamente difícil viabilizar as PCHs", comenta Eduardo Mantovani, diretor presidente do Grupo Energiza. "É preciso um esforço conjunto para viabilizar o crescimento dessa energia, a ser realizado com investimentos privados." O grupo tem cinco PCHs - três no Rio de Janeiro e duas em Minas Gerais -, com capacidade instalada de 43 MW, nas quais foram investidos cerca de R$ 370 milhões. Além disso, tem duas usinas de biomassa (UTHs) em São Paulo e Mato Grosso do Sul, com capacidade de 60 MW, e que exigiram investimentos de R$ 150 milhões. A Energiza tem projetos para implantar 150 MW em PHCs e de aumentar em 115 MW a potência instalada de suas UTHs até 2016. Além disso, realiza estudos para instalar 432 MW em diversas fontes, incluindo a eólica. "O planejamento estratégico do grupo é chegar em 2020 com 800 MW de capacidade instalada. Para isso, projetamos investir entre R$ 2,7 bilhões e R$ 3 bilhões", revela Mantovani. A situação das UTHs não é muito melhor que as das PCHs. De 2001 até agora, o setor colocou em funcionamento 207 unidades, que produzem 6.800 MW, totalizando uma capacidade instalada de 8 mil MW, 6% da matriz energética brasileira. Esse tipo de energia começou a ser comercializada nos leilões em 2005. "O pico da comercialização ocorreu em 2008. De lá para cá, a participação do segmento foi descrescente", explica Carlos Roberto Silvestrin, diretor executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen). No caso das UTHs, a perda de competitividade ocorreu em função da política governamental de segurar os reajustes da gasolina, fazendo o etanol perder espaço, e da falta de estímulo à produção de cana de açúcar, de onde vem o bagaço. A disparidade de preços torna-se mais evidente porque os leilões da Aneel englobam os diferentes tipos de energia, sem levar as particularidades de cada segmento, justamente com o objetivo de baratear os custos do insumo. Investidores de PCHs e UTHs lembram que, nos dois casos, a produção de energia está próxima aos centros consumidores, reduzindo as despesas com a instalação e uso das redes de transmissão. "Isso deveria ser levado em conta na hora de precificar a energia", explica Lenzi, da Abragel. Para Moraes, do Fmase, os leilões deveriam ser realizados por fontes e por regiões. Silvestrin, da Cogen, defende a adoção de incentivos para todas as fontes. Todos concordam em um ponto: complementares, todas as fontes de energia são importantes para a matriz energética brasileira. (Jane Soares)