Furnas sofre na pequena Batalha os mesmos entraves das grandes usinas

Batalha. Nenhum outro nome seria mais apropriado para batizar a pequena hidrelétrica que a estatal Furnas tenta colocar de pé, desde 2006, nas águas do rio São Marcos, entre os municípios de Cristalina (GO) e Paracatu (MG). A profusão de complicações que tomou conta deste empreendimento, que tem sua geração baseada em apenas duas turbinas e capacidade de 52,5 megawatts (MW) de energia, é de fazer inveja a qualquer grande usina como Belo Monte ou Jirau. Sua trajetória serve de alerta para as centenas de projetos similares que estão guardados nos escaninhos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para serem leiloados. A saga de Batalha começa em dezembro de 2005, quando a hidrelétrica foi incluída no primeiro "Leilão de Energia de Novos Empreendimentos", realizado pela Aneel. Furnas, controlada pelo grupo Eletrobras, venceu o contrato que viria a ser assinado em agosto de 2006. Dali em diante, previa-se cerca de três anos para início das operações. O acionamento comercial da primeira turbina foi marcado para maio de 2009. No mês seguinte, deveria ser ligada a segunda unidade geradora. Hoje, passados sete anos da assinatura do contrato, nenhum watt saiu de Batalha. Um emaranhado de mudanças tomou conta do projeto original. Quando foi efetivamente a campo, Furnas notou que precisava fazer alterações, por conta das condições geológicas que foram efetivamente encontradas. A realidade não batia com os estudos originais. A situação levou a novas exigências para liberação de licenças ambiental. Enquanto isso, as especulações imobiliárias se alastraram. A confusão estava armada. O resultado é que Batalha só teria as obras iniciadas em abril de 2008, quando o Ibama emitiu a emissão da licença de instalação da usina. Mais dificuldades, no entanto, estavam em gestação. Pelo projeto original, Furnas deveria desmatar uma área de 300 hectares. Logo se viu, porém, que seria necessário derrubar árvores em 3.060 hectares. Essa nova "autorização de supressão vegetal", em condições diferentes das previstas no projeto básico ambiental da hidrelétrica, segundo Furnas, só viria a ser dada pelo Ibama em março de 2011. A essa altura, a paciência da diretoria da Aneel já tinha se esgotado. Furnas foi multada em R$ 45,4 mil por conta do atraso na entrega da usina. A estatal recorreu. Perdeu a ação e teve de fazer o pagamento. Os capítulos de Batalha acabaram, finalmente, atraindo a atenção dos auditores do Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2011, o TCU constatou um indício de irregularidade grave na usina: a sua inviabilidade econômico-financeira, por conta do aumento do custo total do empreendimento. O custo da obra, apontou o TCU, "já havia sido em muito superado", saltando da estimativa inicial de R$ 460 milhões para aproximando-se R$ 800 milhões. Outras falhas também foram encontradas, como falta de termo aditivo para formalizar alterações em contratos e "ausência, insuficiência ou previsão ilimitada de recursos orçamentários para a execução da obra". Em fevereiro deste ano, o TCU voltou a colocar a lupa sobre o empreendimento. Verificou que os projetos executivos de interligação e os serviços de montagem da linha de transmissão da usina e sua subestação estão atrasados. "Os serviços de montagem da linha de transmissão constituem o caminho crítico do empreendimento, estando, até janeiro de 2013, com apenas 30% de execução física", concluiu a auditoria. Se a situação financeira de Batalha já estava complicada em 2011, quando foi feita a auditoria do tribunal, ela se complicou ainda mais. De lá para cá, novos aditivos de contratos despejaram mais R$ 61 milhões nos gastos da usina. "Existem ainda pleitos em análise que poderão gerar novos aditivos de preços, capazes de agravar a situação econômico-financeira do empreendimento", afirmou a ministra-relatora do processo no TCU, Ana Arraes. Por conta dos desdobramentos desses novos aditivos, o tribunal decidiu que vai continuar a acompanhar o projeto até o término das obras, para ter uma análise conclusiva sobre a viabilidade econômico-financeira da hidrelétrica. O projeto de Batalha está muito próximo daquele que caracteriza as chamadas "pequenas centrais hidrelétricas" (PCH), embora só se enquadrem nesta definição projetos que tenham geração máxima de 30 MW. Atualmente, há cerca de 650 projetos básicos de PCHs em compasso de espera na Aneel, usinas que somam 6.500 MW e que têm projeção de atrair investimentos de R$ 45 bilhões. A concessão de Batalha para Furnas tem prazo de 35 anos contados a partir da assinatura do contrato. Sete anos já se passaram desde então. Apesar de pequena, suas duas turbinas têm capacidade de gerar energia para abastecer uma cidade de 130 mil habitantes. No início do ano, Furnas afirmou ao TCU que, no dia 31 de maio, última sexta-feira, finalmente ligaria sua primeira turbina. Não aconteceu. (André Borges)