Gás ganha importância na matriz

Responsáveis por atender cerca de 20% do consumo de energia elétrica no país, em um momento em que os reservatórios do Sudeste e do Nordeste estão nos níveis mais baixos em dez anos, as usinas termelétricas a gás natural vêm batendo recordes de geração e ganhando um peso relevante na matriz elétrica nacional. Segundo especialistas, tudo indica que esse espaço será crescente ao longo dos próximos anos, diante da dificuldade de licitação de novas hidrelétricas e das resistências ambientais e questões topográficas que dificultarão a construção de usinas hídricas com grandes reservatórios na região Norte, onde se concentra 60% do potencial hidrelétrico brasileiro. Tendo maior participação na geração de eletricidade, o insumo pode se tornar menos disponível para grandes consumidores. A oferta total de gás natural em junho chegou a 94 milhões de m³ por dia, dos quais cerca de metade do volume é de gás nacional, 32% de gás vindo da Bolívia por meio do gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol) e 18% da regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL). As térmicas consomem pouco mais de 42 milhões de m3 diários - em fevereiro de 2012, esse volume estava em pouco mais de seis milhões de m3 -, enquanto o consumo industrial está em 28 milhões de m3, sendo que 14 milhões estão nas mãos de grandes consumidores e outros 14 milhões em contratos de pequenos compradores. Hoje falta disponibilidade para acréscimo da oferta, razão pela qual a expansão tem sido feita pela contratação de GNL e com a abertura de participação de usinas térmicas a carvão nos leilões de contratação de energia elétrica. Mas esse cenário tende a mudar. Há estimativas de que o mercado de gás possa dobrar e atingir 180 milhões de m3 /dia no início da próxima década, por conta da expansão do pré-sal. Na Bacia de Campos, nos melhores casos, são produzidos 80 m³ de gás para cada m³de petróleo. Já no pré-sal da Bacia de Santos, a média é de 220 m³ de gás por cada m3 de petróleo. Portaria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) determina que, a partir de 2015, a queima de gás terá de ser apenas de 3% nos campos de petróleo. Isso se combina ao cenário do pré-sal, em que há gás associado ao óleo, e às promissoras perspectivas de jazidas de gás não convencional, como o de xisto. Um consultor que trabalha com uma empresa de química fina interessada em investir no Brasil diz que seu cliente tem entre suas principais preocupações a existência de oferta firme de gás nos próximos dez anos e o preço do insumo nesse período no Brasil. "Além da dúvida em relação ao preço, o gás ganhou uma importância grande na geração de energia elétrica, o que faz com o setor elétrico possa ter prioridade para ter parte da oferta", destaca o consultor. Estudo da FGV Projetos aponta que o gás natural, responsável por 5% da geração de energia, poderá ver sua presença elevada para 17% a 23% até 2040. "O gás terá de ser mais usado, mas existem incógnitas, como o custo de transporte e a eventual adoção de novas regras ambientais, já que a emissão de dióxido de carbono poderá ser precificada nas fontes em algum momento do futuro", diz Otavio Mielnik, coordenador do estudo. Com o gás tendo maior participação na matriz começa a ganhar voz a ideia de construir termelétricas "na boca" dos poços que forem abertos, sendo que aí a energia é levada aos consumidores pelas linhas de transmissão convencionais e já existentes. Um dos potenciais locais que poderão receber fortes investimentos nessa área seria o Rio São Francisco, na região Nordeste, em que se acredita há grande potencial de gás não convencional e em que há dificuldade de construção de novas hidrelétricas por escassez de recursos hídricos. Estima-se que a primeira oferta de gás não convencional na região chegue em dois anos. Empresários estimam que o preço deverá chegar a US$ 7 o milhão do BTU. Mas esse conceito traz preocupações para o setor industrial. "A solução de térmica na boca do poço olha apenas a geração de eletricidade e traz preocupação porque os investimentos poderão se concentrar na interligação elétrica e não na maior ampliação da malha de gasodutos, o que traria uma série de benefícios para vários Estados do Brasil. Além disso, é preciso ver quais são os meios mais eficientes de se usar o gás", observa o presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa. (Roberto Rockmann)