Governo socorre elétricas e fará novo rateio da conta das térmicas

Consumidores deixarão de pagar diretamente por termelétricas e custo vai para mercado livre. Até implantação de novo sistema, haverá repasse mensal às distribuidoras do custo da energia mais cara. O governo lançou ontem um socorro financeiro para ajudar as 65 distribuidoras de eletricidade do país a bancar o alto custo da geração térmica neste período de escassez da geração nas hidrelétricas. As autoridades do setor elétrico também anunciaram que farão nova divisão da conta das termelétricas -algumas com custo superior a R$ 1.000 por megawatt-hora, enquanto o das hidrelétricas não chega a R$ 100 por megawatt-hora. Hoje, consumidores residenciais, comerciais e industriais pagam diretamente a ESS (Encargo de Serviço do Sistema) nas contas de luz. O plano do governo é transferir essa conta para os chamados agentes que operam no mercado livre, formado por companhias de distribuição, de geração, as agências de comercialização de energia e os consumidores livres (grandes indústrias, que compram diretamente das usinas geradoras). Para fazer essa mudança, o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica criará uma nova metodologia para incluir o custo do uso de termelétricas no preço que baliza todos os contratos de energia do mercado livre, chamado Preço de Liquidação das Diferenças, ou PLD. "O que ocorre é que o PLD não refletia o custo real da energia no país. A nova metodologia terá aplicação dolorosa, mas será importante, porque o preço que baliza vários contratos enfim refletirá o custo de segurança do sistema", afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres). Como o PLD refletirá o custo das térmicas, o seu valor fatalmente será maior do que o atual. A previsão do mercado é que a incorporação do custo de geração térmica, necessário à segurança do abastecimento do país, elevará o PLD em R$ 130 ou R$ 230 o MWh. Se a nova regra fosse aplicada hoje, o PLD passaria dos atuais R$ 344 para R$ 474 ou R$ 574 por MWh. Essa nova metodologia deverá provocar uma profunda mudança na forma de contratação de energia no mercado livre (leia texto ao lado). SOCORRO FINANCEIRO Até a implantação da nova metodologia, o governo vai socorrer as distribuidoras. Os recursos virão de duas fontes: repasses feitos por Itaipu à União e a chamada CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), espécie de fundo que banca gastos extras do sistema elétrico. Até agora, o gasto das concessionárias com a aquisição de energia térmica varia de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões, mas pode aumentar se a geração termelétrica continuar ao longo do ano. Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, esses duas fontes somam hoje R$ 15 bilhões, e Itaipu prevê repassar anualmente R$ 4 bilhões a partir do ano que vem. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- COMPENSAÇÃO: O QUE MUDA. Como era Quando as hidrelétricas não conseguem gerar toda a energia, compram das térmelétricas, a um custo entre 4 e 5 vezes maior. As distribuidoras arcam com o custo maior e, no reajuste anual, apresentam a conta à Aneel, que inclui o percentual no reajuste Com o reajuste, o consumidor pagava a conta O que vinha acontecendo Desde o segundo semestre, o governo liberou as geradoras para comprar energia de térmicas. A estimativa do mercado é que esse gasto tenha passado de R$ 800 milhões ao mês para até R$ 5 bilhões. As distribuidoras precisam pagar essa diferença todo mês, mas só vão ser compesadas no reajuste anual. Sem caixa para arcar com a diferença, pediram socorro O que o governo mudou 1) Compensação: não será mais no reajuste tarifário anual. A cada mês, a concessionária vai pegar dinheiro do sistema para pagar a conta extraordinária. 2) Recursos: o governo disse que vai usar recursos do chamado CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), uma espécie de fundo do sistema elétrico. Esse fundo hoje tem R$ 15 bilhões e anualmente será abastecido com R$ 4 bilhões de recursos pagos por Itaipu Binacional ao país. 3) Nova regra: o governo pretende que a conta pelo chamado despacho térmico passe a fazer parte do reajuste ordinário da tarifa. Um modelo matemático vai avaliar quanto custará a energia anual e ele será incutido na tarifa. A ideia é punir empresas que atrasem obras, cobrando delas o custo extra. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Medida pode desestimular manobras arriscadas. A intervenção do governo no setor elétrico vai provocar uma profunda mudança na forma de contratação de energia no chamado mercado livre -segmento formado por grandes consumidores que escolhem o próprio fornecedor de eletricidade. A previsão é a de que os contratos tenham prazos mais longos. Hoje, o setor elétrico estima que 25% da demanda de energia elétrica transacionada no mercado livre seja negociada em contratos de curto prazo, o que atrapalha o planejamento de expansão do setor elétrico. Como o Preço de Liquidação das Diferenças, principal balizador desses contratos, passará a incorporar o custo de segurança para o abastecimento do país (por meio das térmicas), há uma expectativa de que contratos mais longos, com preços mais estáveis, sejam valorizados. Da forma como o mercado está organizado atualmente, muitos agentes que compram ou vendem energia preferem não se comprometer com contratos longos. Aproveitam-se de sobras geradas pelo sistema de geração hidrelétrica, que é custeado, em grande parte, pelos consumidores comuns, atendidos pelas distribuidoras. Isso permite uma manobra financeira com contratos de curto prazo que permite ganhos expressivos. Não sem risco. Não são raros os casos de comercializadores e de consumidores livres que geram inadimplência por operações malsucedidas. Em geral, o agente vende energia a um preço e cobre o contrato (ou lastreia, no jargão do setor) com energia adquirida a um preço menor. Essa arbitragem funciona bem e gera milhões em lucros para os agentes, mas impõe riscos a todos os que operam no mercado, principalmente quando o preço do PLD -base da negociação- dispara. Quando isso ocorre, o preço da energia no mercado de curto prazo fica maior do que o valor negociado no contrato de venda. O agente teria que arcar com o prejuízo, mas nem sempre isso ocorre. A inadimplência dessa operação, então, é dividida por todos os agentes do mercado. Há pouco, a Petrobras se insurgiu contra a ordem de pagar por operações das quais não tinha nenhuma responsabilidade. Perdeu. (Agnaldo Brito)