Interligação do sistema exige reforço

Racionamento está descartado, mas as térmicas continuarão operando até o fim de 2013. Apesar de os reservatórios terem atingido no período úmido o menor nível desde 2001, o que fez a geração de termelétricas movidas a gás natural bater recorde nos últimos meses, o risco de escassez para este ano e 2014 é descartado, mas novamente ressurge o debate sobre como planejar e reforçar o sistema interligado ao longo desta década. O risco de racionamento é descartado por especialistas. "Não vejo risco com o acréscimo da oferta de energia e com uma demanda que deve ficar entre quatro mil e cinco mil MW, vislumbrando uma recuperação da economia não muito forte", diz Fernando Camargo, diretor da LCA Consultores. Para o presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), Maurício Tol-masquim, o risco de racionamento de energia em 2014 é zero. "Haverá um acréscimo de 8,5 mil MW de capacidade neste ano, com destaque para o aumento da geração da usina hidrelétrica do rio Madeira, e haverá também um aumento da interligação do sistema, com a linha de transmissão do Madeira até o Sudeste, que entrará em operação em breve", diz. Entre 2001 e este ano, a capacidade de escoamento de energia entre o Sudeste e o Nordeste aumentou duas vezes e meia, destaca Tolmasquim. Mesmo com o risco de escassez baixo, o sistema deverá contar com as térmicas operando a plena carga até o fim de 2013, segundo consultores. Além das eleições, 2014 ainda terá a Copa do Mundo de Futebol. "Deveremos ter boa parte das térmicas até dezembro deste ano para dar segurança aos reservatórios e atravessar o próximo ano com maior folga", diz o presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello. Em maio, quando se encerrou o período úmido, o governo anunciou o desligamento de quatro térmicas a diesel, que respondem por 2% da geração térmica e eram as mais caras: o custo de geração chegava a R$ 1.166 o MWh, quase dez vezes o preço de uma hidrelétrica. A fragilidade do sistema e o avanço da energia térmica estão ligados a uma particularidade recente: a queda da energia armazenada nos projetos das grandes usinas hidrelétricas em construção na região amazônica, que reúne 70% do potencial hidrelétrico brasileiro. For conta de pressões ambientais, estes empreendimentos têm incorporado o conceito das usinas a fio d'água, que, por aproveitarem a vazão do rio, dispensam a construção de grandes reservatórios como feitos antigamente, reduzindo-se assim a área alagada. O que ocorre é que, ao se dispensarem grandes reservatórios, diminui-se a energia armazenada, porque no período de chuvas os reservatórios acumulam água para geração posterior. "Como não se vislumbra uma mudança nesta visão de construção das hidrelétricas no curto p^azo, pela polêmica ambiental, precisaremos expandir a base térmica, seja com gás natural, seja com carvão, para ter uma segurança maior do sistema, além de voltar a investir em usinas de biomassa de cana e nas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), que perderam espaço para as eólicas", diz o presidente da Associação Brasileira da lnfraestru-tura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. "O Brasil poderia reforçar os investimentos em energia de biomassa de cana, que é renovável e tem complementaridade com as hidrelétricas, porque a geração pode ocorrer no período seco. Mais de cinco mil MW poderiam ser colocados no sistema ao longo dos próximos anos, uma carga ainda próxima dos consumidores da região Centro-Sudeste", afirma o presidente da Cosan, Marcos Lutz. Diante deste cenário, fabricantes de bens de capital traçam suas estratégias. "O uso das termelétricas no Brasil não é novo e o investimento cresceu após 2001. Em média, estas usinas funcionam 39% do tempo. Agora, a idéia é de que as térmicas mais competitivas passem a operar 100% do tempo. Para isto, o governo terá o desafio de viabilizar a contratação de termelétricas que tenham custo de combustível baixo. A tendência é que a geração hidráulica continue respondendo pela maior fatia a ser contratada nos próximos anos, mas com crescimento das gerações eólica e térmica na matriz", diz o presidente da Alstom, Marcos Costa. O diretor de energia da Siemens, Ricardo Lamenza, afirma eme até 2020 a geração térmica por gás natural deve saltar de 10% para 14% na matriz de energia do país, e o carvão também deve ampliar sua presença. "O planejamento do governo é hidrotérmico, e o carvão é uma forma de diversificar a matriz, mas neste caso a eficiência e os equipamentos menos poluentes farão diferença, porque devem ser olhados no leilão", diz. A ampliação da base térmica coincide com a expectativa de que o Brasil comece a explorar gradualmente reservas de gás não convencional, como gás de xisto (shale gas), gás de folhelho e "tight", outro tipo de rocha. "Com o desenvolvimento dessa fronteira, poderemos ter preços menores para abastecer térmicas e indústrias", diz o secretário de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia, Marco Antônio Martins Almeida. Essa exploração exige o fraturamento das rochas no subsolo e pode provocar danos ambientais irreversíveis. Para evitar problemas, o governo estuda impor exigências regulatórias e ambientais maiores para as empresas que decidirem investir no segmento. Nos Estados Unidos, problemas no início da exploração do gás de xisto causaram prejuízos para a indústria e quase levaram ao fracasso da tecnologia, hoje a maior responsável pelo gás naquele país ser oferecido a US$ 3 o milhão de BTU para indústrias. Além da energia térmica, os projetos hidrelétricos devem voltar à tona. O governo estuda colocar em leilão, em cinco anos, os empreendimentos de São Luiz dos Tapajós (2014 e 6.133 MW de potência), Jatobá (previsão de ser licitado em 2015 e com 2,3 mil MW de potência), Bem Querer (estimado para ser licitado em 201G e com 700 MW de capacidade) e Si-mão Alto (previsto para ser leiloado em 2017 e com potência de 3,5 mil MW). Todos estão localizados na região Norte e, juntos, devem demandar mais de RS 20 bilhões. Em fontes alternativas, também em cinco anos, pretende-se contratar 5,6 mil MW de projetos, com investimentos de RS 23 bilhões. Em PCHs, estima-se licitar 1,1 mil MW. Lm térmicas a gás, a estimativa é de 1,5 mil MW, o que demandaria investimentos de RS 2,9 bilhões. Há expectativa de que os estudos ambientais das grandes hidrelétricas possam ser acelerados. Construtoras e fabricantes de projetos de geração estão trabalhando em pedidos conquistados nos últimos anos, como o da Hidrelétrica de Belo Monte e os das usinas dos rios Madeira e Teles Pires, mas atrasos nos empreendimentos projetados para serem licitados nos próximos cinco anos poderão trazer queda no nível de atividade e fragilidade ao sistema. "Esperamos que as aprovações dos estudos ambientais desses projetos sejam agilizadas para evitar o comprometimento das metas de crescimento de suprimento de energia com a importante contribuição da geração hídrica. A MP 579 impactou os investimentos em modernização de usinas cujas concessões não foram renovadas", diz Costa. "É fundamental que esses projetos estruturantes saiam. Será preciso um grande esforço para que a usina de São Luiz dos Tapajós tenha o leilão em 2014, porque a campanha dos estudos ambientais ainda não foi concluída", diz o presidente da Construtora Camargo Corrêa, Dalton Avancini. Na área de transmissão, há outros obstáculos. "O modelo licita vários trechos em diferentes regiões com várias empresas com níveis de qualidade diferentes de serviços", afirma José Luiz Alqué-res, ex-presidente da Alstom e da Eletrobras. Há outro problema que poderia ser aperfeiçoado: os projetos de transmissão não têm entrado em operação simultânea com os de geração, o que cria um gargalo. Empresas têm investido em soluções caseiras para escoar sua energia e ficarem blindadas de atrasos em projetos de transmissão. A Bioenergy, com pouco mais de 40 projetos eólicos em desenvolvimento no Estado do Maranhão que poderão acrescentar 1,5 mil MW de capacidade, trabalha para colocar de pé a primeira etapa dos projetos, que envolve 24 parques de 30 MW de capacidade cada um. O início da geração gradual dos projetos está previsto para março de 2014. Serão investidos R$ 2 bilhões. Para antecipar a geração dos projetos em média em dois anos e meio, a empresa está investindo R$ 110 milhões na construção de uma linha de transmissão própria, prevista para entrar em operação em fevereiro. "Decidimos fazer nós mesmos, para que não houvesse atrasos, porque no setor eólico há projetos que já poderiam estar gerando, mas, por problemas nas linhas de transmissão, estão parados. Assumindo esse custo, posso antecipar a energia e vendê-la ao mercado livre", diz o presidente da empresa', Sérgio Marques. A antecipação permitirá que a empresa destine a energia no mercado livre em contratos de 6,12 e 24 meses. Anunciada pelo governo federal em fevereiro, a redução das tarifas de energia elétrica teve um impacto limitado nos grandes consumidores. No mercado cativo (em que residências e pequeno comércio e indústria compram de distribuidoras regionais), a redução chegou até 28%, enquanto, para os consumidores livres (grandes indústrias e shoppings), que compram livremente de comercializadoras e geradoras, o impacto foi muito menor. "No máximo, chegou a 10%, mas a alta dos custos pelo acionamento das térmicas a gás poderá limitar ainda mais essa queda", afirma Adjarma Azevedo, presidente da Associação Brasileira do Alumínio (Abai). Essa queda melhorou um pouco a situação em que se encontra o segmento: o preço da energia para a indústria do alumínio caiu de US$ 80 o MWh no Brasil para US$ 72, mantendo-se ainda quase o dobro dos USS 40 o MWh registrados na média mundial da área. (Roberto Rockmann)