Investimento no setor chega a R$ 1 trilhão

Cadeia de petróleo e gás vai absorver 65% deste valor, mas participação na matriz de fontes renováveis Até o início da próxima década, o setor de energia deverá ser o carro-chefe da economia nacional, com investimentos previstos de R$ 1 trilhão, sendo que certa de 65% deste valor será direcionado à cadeia de óleo e gás. A exploração do pré-sal deve dobrar, em dez anos, a produção nacional para pouco mais de quatro milhões de barris por dia, volume que posiciona o país como um dos maiores exportadores do produto no mundo. Em energia elétrica, nos próximos cinco anos, o governo acena com RS 150 bilhões em leilões de transmissão e geração, sendo que serão contratados cerca de 10 mil MW em hidrelétricas e outros 10 mil MW em projetos de eólicas, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e biomas-sa. No setor sucroalcooleiro, as primeiras usinas de etanol de segunda geração começam a sair do papel, o que poderá abrir um novo ciclo para o segmento. O conjunto de oportunidades coincide com uma série de desafios. Detentor de uma das matrizes mais limpas do mundo, com cerca de 45% de energia oriunda de fontes renováveis, o país precisará conciliar crescimento econômico com preservação ambiental, caso da expansão do setor elétrico, hoje calcada nas hidrelétricas, cujo maior potencial está na região amazônica. Ainda será preciso destravar um ciclo de investimentos que propicie a abertura de mais de cem usinas de açúcar e álcool no Brasil, dando competitividade ao segmento sucroalcooleiro, afetado pela atual política de preços dos derivados de petróleo, que, por sua vez, também impacta o caixa da Petrobras, cujo desafio é investir na exploração da camada pré-sal. Em óleo e gás, o aumento de produção virá acompanhado de perguntas: o país será um grande exportador de petróleo ou utilizará as reservas de óleo e de gás do pré-sal para agregar valor ao petróleo nacional e alavancar a produção do setor petroquímico e outros setores? "O mercado de energia no Brasil é um dos mais promissores do mundo, o que poderá abrir um ciclo virtuoso para fornecedores de equipamentos e empresas do setor de energia, mas há uma série de desafios a serem superados", frisa o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. No setor de petróleo, o Brasil se prepara para realizar, em outubro, a primeira rodada de licitação do pré-sal, que vai leiloar poços do campo de Libra, na bacia de Santos. O volume de barris recuperáveis é estimado entre 8 bilhões e 12 bilhões, o que poderá colocar a licitação como uma das maiores já realizadas no mundo. Prevê-se que o valor de bônus possa superar R$ 15 bilhões. A concorrência será a primeira que terá contrato regido pelo regime de partilha, em que a Petrobras será operadora dos blocos na camada pré-sal com participação mínima de 30%. "Muitas empresas da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia estão nos procurando interessadas. Deve ser um grande sucesso", diz o secretário de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia, Marco Antônio Martins Almeida, que acredita que a Petrobras possa buscar uma fatia superior aos 30% mínimos estipulados pela legislação. Para fazer frente ao programa de investimentos de US$ 236 bilhões em cinco anos e a necessidade de explorar o pré-sal, a Petrobras trabalha em um programa de vendas de ativos considerados não estratégicos, maior eficiência operacional, aumento da produção e investimentos em refino. A alavancagem ficou em 34% ao final do segundo trimestre, próximo ao limite de 35% estipulados pela companhia. "O que coloca pressão sobre a política de preços dos combustíveis, hoje controlada pelo governo, para atenuar a inflação", diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Em suas contas, diesel e gasolina respondem por 60% do caixa da estatal. A empresa trabalha intensamente para alinhar os preços domésticos aos internacionais. A defasagem, que no início de agosto estava em 26%, reduz sua capacidade de investimento, além de colocar um ponto de interrogação sobre o setor sucroalcooleiro, já que, sem reajuste, a gasolina ganha competitividade em relação ao etanol. No setor elétrico, o desafio será conciliar preservação ambiental e expansão do sistema. Carlos Assis, sócio da consultoria E&Y, aponta que um obstáculo crescente será a maior volatilidade de preços e maior dificuldade para se planejar o sistema em um momento em que as usinas hidrelétricas têm sido construídas sem grandes reservatórios. "As usinas a fio d'água não permitem que sejam estocadas grandes reservas de energia." Desde a década de 1990, por conta de pressões ambientais, o Brasil tem privilegiado investimentos na construção de usinas hidrelétricas a fio d'água, ou seja, sem grandes reservatórios de armazenagem. Nos anos 1970, a capacidade dos reservatórios possibilitava o armazenamento de energia em até três anos. "Hoje é de apenas cinco meses. Chegaremos em 2021 com capacidade de regularização de pouco mais de cem dias. Essa condição levará, inevitavelmente, ao aumento ainda maior no uso de termelétricas", aponta o diretor de infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti. Ambientalistas veem com preocupação essa visão. "As hidrelétricas com reservatório já existentes têm sua importância para o país. Mas, antes de construir novas, o Brasil pode e deve investir em caminhos que gerem menos impactos socio-ambientais e que, ao mesmo tempo, tragam ganhos para o consumidor", analisa Ricardo Baitelo, da campanha de clima e energia do Greenpeace. O governo acompanha de perto a discussão. "Uma hidrelétrica é feita para durar centenas de anos, enquanto uma térmica pode levar alguns anos e ainda ter de ser substituída. Municípios ao redor de empreendimentos hídricos têm índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais alto do que os que não passaram por transformações. Para ser ampla, a visão sobre o tema tem de observar impactos ambientais, sociais, emissõesdepoluentes.ganhos de preservação ambiental sobre cada fonte", destaca o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Há outro obstáculo para avançar com as hidrelétricas na região Norte: a questão indígena. "Há pontos sobre as áreas indígenas que ainda não foram regulamentados e hoje há grandes restrições para empreendimentos nessas áreas." No ano passado, o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, apresentou um projeto a vários ministérios sugerindo que os índios pudessem receber royalties de empreendimentos que os afetassem diretamente. Em vez de irem para o orçamento da Funai, os recursos seriam gerenciados por um comitê tripartite, formado por comunidade, investidores e Funai. Outra experiência diferenciada é a do Canadá, em que algumas tribos passam a ter participação em usinas. "A participação é bem pequena, mas eles compartilham os resultados do empreendimento." Será preciso também planejar melhor. Nas usinas do rio Madeira, os sistemas de supervisão e controle dos equipamentos das usinas e do complexo de transmissão não são compatíveis. Dos 3.030 MW de potência instalada até dezembro nas duas usinas, conforme a previsão inicial, apenas 1.100 MW poderão ser efetivamente destinados ao abastecimento. Caso haja tentativas de escoar mais energia do que esse limite operacional, as turbinas das hidrelétricas correm o risco de queimar. Hoje, as hidrelétricas respondem por 80% da energia consumida no país, mas este percentual deverá ser reduzido ao longo das próximas décadas. Cerca de 35% do potencial hidrelétrico nacional já foi aproveitado, enquanto os 65% restantes estão na região amazônica. "Começámos a viver uma transição na matriz de energia elétrica, o custo marginal de expansão hidrelétrica será crescente e a fronteira de expansão, no cerrado e na Amazônia, trará uma grande sensibilidade ambiental. Portanto, deveremos ver mais limites à expansão da hidreletricidade e uma diversificação maior de fontes", afirma Otávio Mielnik, da FGV Projetos. Estudo sobre o futuro da matriz energética nacional, com base em três cenários e em projeções de crescimento da demanda até 2040, a participação das hidrelétricas, hoje em cerca de 80%, poderá cair para 57% a 46%. No caso das usinas nucleares, cuja presença na matriz elétrica está em 3%, a participação, dependendo dos três cenários de demanda e de custo nivelado de energia, poderá pular para 5% a 15% até 2040. Já a energia eólica, hoje com 1%, deverá saltar para 3% a 7%. O gás natural, responsável por 5% da geração, poderá ver sua presença elevada para 17%j\ 23%. Portaria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) determina que, a partir de 2015, a queima de gás terá de ser apenas de 3% nos campos de petróleo. Isso se combina ao cenário do pré-sal, em que há gás associado ao óleo, e às promissoras perspectivas de jazidas de gás não convencional, como o de xisto, energético do qual o Brasil pode ter uma das maiores reservas do mundo. Hoje, não há grande disponibilidade de gás para atender às termelétricas e ao setor produtivo. A expectativa, porém, é de que o quadro se altere drasticamente em cinco ou sete anos, quando as jazidas de gás não convencional e os poços do pré-sal produzam a plena carga. "Conseguir hoje um contrato não interruptível é muito difícil e só se consegue se não for um volume muito grande. O cenário pode mudar nos próximos anos, mas será que a indústria brasileira aguentará todo esse período?", questiona I.ucien Belmonte, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro). A escassez do insumo se combina a outro obstáculo: o preço. Enquanto nos Estados Unidos o gás de xisto chega aos consumidores entre US$ 2 e US$ 3 por milhão de BTU, no Brasil o insumo custa entre US$ 13 e US$ 14 o milhão de BTU. Este quadro, que combina custo elevado e oferta maior em apenas cinco a sete anos, está fazendo grandes consumidores discutirem alternativas para mudar o cenário. Uma das opções seria a redução do poder da Petrobras, hoje presente da exploração e produção ao transporte e distribuição em alguns Estados. "Promover a desverticalizaçào do setor, incluindo a venda de todos os ativos de transporte e distribuição de gás natural do mercado doméstico para a iniciativa privada, daria maior competitividade e favoreceria a expansão do mercado do gás natural no Brasil", afirma Cavalcanti, da Fiesp. A desverticalização poderia ser um caminho mais imediato, caso a União, controladora da estatal, decidisse por esse caminho. A malha de gasoduto de transportes da Petrobras estaria avaliada entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. Indústrias grandes consumidoras de gás têm discutido, nos bastidores, que uma das saídas seria um aporte do Tesouro à Petrobras para ressarci-la pela construção e operação dos gasodutos. Após esse aporte, os ativos seriam licitados pela União para investidores segundo o modelo de menor tarifa. "Como o Tesouro está fazendo muitos outros aportes, essa ideia não deve vingar, porém estamos estudando outras", diz um consultor. Outro desafio será destravar o setor sucroalcooleiro, que responde por 16% da energia nacional, principalmente por conta do etanol que abastece grande parte da frota de carros e caminhões. O congelamento dos preços dos derivados de petróleo por parte do governo, para atenuar os efeitos da inflação, tem sido o grande vilão. Até o início da próxima década, o consumo de combustíveis poderá pular dos atuais 50 bilhões de litros para 75 bilhões de litros. No ano passado, o consumo de etanol chegou a 22 bilhões de litros, sendo que o país registrou um déficit de 4,6 bilhões de litros no etanol hidratado. "Como será suprida essa lacuna até 2021 ? Importação de gasolina? Etanol? Derivados fabricados aqui no Brasil?", questiona Alfred Schwarcz, consultor da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única). Apesar dos percalços, o Brasil tem avançado na fabricação do etanol celulósico, cujo processo de produção está baseado em enzimas e no uso de bagaço e palha para produção de combustível. "O etanol de segunda geração será essencial para atender à demanda", frisa Bernardo Gradin, presidente da GranBio. A empresa está construindo uma planta, em Alagoas, voltada à segunda geração do combustível, com capacidade para produzir 82 milhões de litros eque deverá ent raiem operação no primeiro semestre de 2014. A expectativa é de que o etanol celulósico possa aumentar em 30% a 35% a produtividade sem aumento da área plantada. (Roberto Rockmann)