Licitação de linhas de transmissão dá espaço para quem atrasa obra

Se a intenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) era demonstrar alguma intolerância com os atrasos que afetam os projetos de linhas de transmissão do país, a agência reguladora acaba de perder uma oportunidade. No dia 10 de maio, serão licitados pelo governo 5.017 quilômetros de linhas de transmissão e subestações de energia, um pacote bilionário de obras que vai absorver investimentos de aproximadamente R$ 5,3 bilhões. A Aneel anunciou medidas que, em tese, deveriam impor restrições à participação de empresas que passaram a ostentar atrasos em seus currículos. Na prática, porém, essas medidas criaram distorções. As barreiras montadas pela agência têm como alvo empresas que se enquadram em duas condições: aquelas que estão à frente de obras de linhas de transmissão com atraso superior a seis meses "e" aquelas que receberam três ou mais multas por atraso nos últimos três anos. A controvérsia está exatamente nesse "e". Ao mirar apenas companhias que reúnem as duas situações, simultaneamente - e não apenas uma delas -, a Aneel acabou por abrandar a situação de casos alarmantes de atrasos, mantendo o leilão de portas abertas para quem quiser entrar. A agência publicou uma lista com as empresas que ganharam os últimos leilões para construção de linhas de transmissão. Nela, há nada menos que 36 companhias à frente de projetos com mais de seis meses de atraso. Entre essas empresas ou consórcios, 26 acumulam mais de dois anos de frustração em relação ao cronograma original. Praticamente nenhuma delas está excluída do próximo leilão, simplesmente porque o ritmo de adiamentos dos prazos não foi acompanhado na mesma velocidade pela aplicação de multas da Aneel. Apenas três companhias ficaram presas na malha grossa usada pela agência reguladora. A Iesul Transmissora de Energia, que tem entre seus sócios a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep), soma 724 dias de atraso e três multas. As outras duas empresas são controladas pela estatal Eletrobras: Chesf, que acumula 468 dias de atraso e 26 multas; e Furnas, com 625 dias e quatro penalidades. As regras da Aneel deixaram livres de qualquer restrição no leilão casos como o da empresa JTE, que soma 1.573 dias de atraso, mas apenas uma multa aplicada durante todo o período. No calendário da companhia TGO, já são 1.063 dias de adiamento, mas ela também poderá disputar um dos dez lotes de transmissão que serão leiloados no mês que vem, já que não sofreu nenhuma multa nos últimos três anos. Os critérios adotados também aliviam a situação para grandes nomes da transmissão de energia. As contas da agência apontam que a CEEE soma 737 dias de atraso, enquanto a Celg acumula outros 745 dias. Na Cemig, o adiamento chega a 242 dias. Na Cteep, a conta é de 214. Cada uma delas, no entanto, só foi alvo de apenas uma multa aplicada pela agência. O Valor procurou a Aneel para falar sobre o assunto. Segundo Edvaldo Alves de Santana, diretor e conselheiro da agência, as medidas tomadas para o leilão "representam uma primeira tentativa de reação" aos atrasos que prejudicam as obras de linhas de transmissão. "Eu realmente acredito que há espaço para aprimorarmos essas restrições às empresas, para tornarmos essas regras mais severas nos próximos leilões", disse. As medidas impostas pela Aneel, na realidade, não excluem nenhuma empresa do leilão que acontece em maio. Elas apenas proíbem Chesf, Furnas e Iesul de entrarem individualmente na disputa pelos lotes de transmissão, ou de terem participação em consórcios com uma cota superior a 49%, ou seja, elas poderão ser minoritárias nos contratos. No ano passado, disse o conselheiro da Aneel, as restrições da Aneel, que foram debatidas em audiência pública, previam que essa participação fosse de, no máximo, 10%, mas a regra acabou sendo flexibilizada. "Em leilões futuros, podemos rever isso. Devemos reduzir essa participação atrelada à formação de possíveis consórcios", afirmou Santana. Em relação à defasagem entre os atrasos acumulados pelas empresas e as multas dadas pela agência, Santana afirmou que, muitas vezes, o adiamento não estaria associado a um descumprimento de compromissos pelo empreendedor, mas a outras dificuldades do projeto, como a obtenção de licenciamento ambiental. "A questão ambiental é um obstáculo antigo que o setor tem enfrentado", disse o diretor da agência. O Ibama nega responsabilidade pelos atrasos nos linhões e argumenta que, na maioria das vezes, a demora é consequência direta da baixa qualidade dos estudos apresentados pelas empresas. No ano passado, o instituto liberou autorizações para 4,2 mil km de linhas de transmissão, dos quais 1,7 mil km referem-se a licenças de operação. O maior trecho liberado em 2012 foi a linha de mil quilômetros, que liga Jauru, no Mato Grosso, a Porto Velho, em Rondônia. Os atrasos enfrentados nas obras das linhas de transmissão tornaram-se ícone das dificuldades de planejamento e de execução de projetos do setor elétrico. Desde o ano passado, usinas eólicas instaladas na Bahia e no Rio Grande do Norte geram energia e são remuneradas por isso, mas nenhum consumidor foi beneficiado por essa geração até agora, porque não há linha pronta para distribuir a energia. O próximo leilão de transmissão, marcado para maio, prevê um prazo entre 22 e 36 meses para conclusão das obras, dependendo do lote. Os contratos de concessão são de 30 anos. Serão licitadas 17 linhas de transmissão e quatro subestações localizadas em 11 Estados: Ceará, Goiás, Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, São Paulo e Tocantins. Vencerá o leilão a empresa que se dispuser a receber a menor receita anual permitida (RAP) para construir o empreendimento. O valor máximo proposto pela Aneel é de R$ 586 milhões. As obras deverão gerar mais de 18 mil empregos diretos. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Chesf decide não entrar em leilão, mas Furnas vai disputar projetos. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), empresa que lidera as multas por atrasos dadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), não vai participar do leilão de transmissão que acontece em maio, quando serão licitados mais de 5 mil km de redes. A Chesf tem sido uma das companhias mais ativas nos leilões de transmissão, respondendo por boa parte dos lotes arrematados e dos deságios alcançados pelo governo. Em nota encaminhada ao Valor, a empresa informou que se trata de "uma decisão estratégica". "No momento, a decisão da empresa é priorizar o programa de obras que já está em andamento", sustentou a Chesf, que prevê investimento da ordem de R$ 2 bilhões em 2013, com adição de seis novas subestações e 1.086 km de linhas. Questionada sobre os atrasos, a Chesf informou que "a companhia tem adotado uma série de ações internas visando minimizá-los: por meio da adequação de procedimentos, de melhorias nas estruturas de gestão e controle, da adoção de novas tecnologias, como o laser na elaboração do traçado de linha de transmissão, e da intensificação nas interações com os governos estaduais, órgãos ambientais e do patrimônio histórico-arqueológico". Além da Chesf, Furnas (Eletrobras) e Iesul (Cteep) estão na relação de empresas com restrições impostas pela Aneel para participar do leilão. Em nota, a Cteep informou que a Iesul é uma sociedade de propósito específico (SPE) criada em 2008, para construir, operar e manter subestações e linhas de transmissão na região Sul. "A SPE não foi criada com o objetivo de participar em novos projetos de expansão. Dessa forma, a última decisão da Aneel não afeta os planos da empresa", informou a Cteep. Sobre seus atrasos e multas, alegou que, "entre as principais dificuldades encontradas na implantação das obras, estão as de cunho ambiental, sendo que todas as solicitações foram devidamente atendidas pela Interligação Elétrica Sul dentro das especificidades e dos prazos solicitados pelos órgãos ambientais requerentes". A empresa informou que tem projetos em operações desde 2010 e que tem dialogado "com todos os envolvidos para garantir o adequado andamento das obras e atender as necessidades de consumo da região Sul do país." Furnas é a única companhia das três que, mesmo com as restrições da Aneel, vai participar do leilão. "É objetivo estratégico de Furnas crescer mantendo o market share atual que é 9% da geração e 19% da transmissão nacional", informou a empresa. Sobre atrasos, disse que "as principais causas de alteração no cronograma de alguns desses projetos são a demora na obtenção de licenças ambientais, problemas fundiários e atrasos na publicação do decreto de utilidade pública das áreas". Furnas está questionando s multas nas esferas administrativa e judicial. A empresa informou que, em 2011 e 2012, foram concluídos e energizados 44 empreendimentos de reforços e melhorias de suas instalações em 20 Subestações e cinco linhas de transmissão. (André Borges)