Limite para os biocombustíveis na UE

O Parlamento Europeu aprovou, em votação realizada ontem, um limite para o uso de biocombustíveis na União Europeia. A medida faz parte de uma série de possíveis alterações nas políticas do bloco relacionadas às mudanças climáticas - que, conforme investidores, estão gerando incertezas e reprimindo aportes no setor de energia. O Parlamento aprovou a proposta de, até 2020, limitar a quota de biocombustíveis originados de culturas agrícolas a 6 % do consumo total de combustíveis por carros e caminhões. Isso significa que, para cumprir a meta de ter, até lá, 10% dos combustíveis de transportes da Europa vindo de fontes renováveis, a UE teria de contar com uma expansão muito mais rápida de carros elétricos e de biocombustíveis feitos a partir de produtos não alimentícios, cuja viabilidade comercial ainda não foi comprovada. A decisão, que ainda precisa ser ratificada pelos governos da UE antes de entrar em vigor, representaria um distanciamento das regras definidas há quatro anos para incentivar o uso de biocombustíveis, um termo geral para substitutos da gasolina e do diesel derivados de matéria-prima vegetal. Esses combustíveis são cada vez mais considerados pelos especialistas, inclusive na Comissão Europeia, como responsáveis por desviar parte da produção agrícola e abrir espaço para altas nos preços dos alimentos. O debate sobre os biocombustíveis ocorre em um momento em que a fragilidade da economia europeia superou o aquecimento global como preocupação principal dos legisladores, criando um cenário de incerteza que os investidores dizem que os têm deixado hesitantes em investir em projetos de longo prazo. "Precisamos de uma estrutura política energética clara e estável ou então os investimento no setor de energia vão secar", afirmou Craig Mackenzie, diretor de investimento e chefe de sustentabilidade da empresa britânica de seguros e previdência Scottish Widows Investment Partners. No principal programa da UE ligado a mudanças climáticas - o Sistema de Negociações de Emissões (ETS, na sigla em inglês), mercado em que as companhias da Europa negociam direitos de produzir dióxido de carbono -, os preços despencaram nos últimos anos, criando poucos incentivos para que os poluidores adotem iniciativas custosas para reduzir as emissões. Espera-se que a Comissão Europeia, braço executivo da UE, proponha ainda este ano que o bloco reduza significativamente suas ambições na área de mudanças climáticas. A política atual para 2020 inclui compromissos para reduzir as emissões de dióxido de carbono para níveis 20% inferiores aos de 1990. As metas estabelecidas para 2050 visam emissões de CO 2 ao menos 80% menores do que os níveis de 1990, assim como praticamente eliminar as emissões do setor de energia elétrica. A Comissão vai apresentar planos de como a Europa deve atingir essas metas, estabelecendo objetivos de redução de gases do efeito estufa para 2030, aumentando o uso de energia renovável e reduzindo o consumo total de energia. Essas propostas podem ter grande influência sobre a forma como a Europa vai gerar sua energia durante os próximos dez anos. Mas uma grande questão será se os alvos para 2030 serão obrigatórios ou meramente recomendações. Günther Oettinger, comissário de Energia da UE, tem afirmado que já não existe o mesmo consenso político no combate às mudanças climáticas como havia em 2007, quando a legislação para 2020 foi aprovada. A política energética da UE mudou oficialmente em maio, para levar mais em conta as considerações econômicas. Os líderes da UE aprovaram propostas que visam manter as empresas europeias competitivas ao abordar os altos preços da energia, com algumas empresas tendo afirmado que poderiam ser forçadas a se mudar para outros países. A Agência Internacional de Energia, com sede em Paris, declarou em junho que a incerteza quanto às políticas de energia renovável da Europa eram o "inimigo público número 1" dos investidores. Também se espera que uma nova proposta surja nos próximos meses para tentar ajustar o mercado de negociação de carbono, que começou em 2005. Um excesso de licenças limitou a utilidade do mercado e fez os preços para emitir uma tonelada de carbono despencar de mais de € 30 (US$ 40), em 2008, para € 5. O debate sobre biocombustíveis foi "muito difícil", disse a parlamentar Corinne Lepage, acrescentando que, devido à votação ter sido muito apertada, o setor ainda não tem "certeza sobre seus investimentos". O Conselho Europeu de Biocombustíveis, que representa os produtores, informou que a indústria não pode ser punida com base em "uma ciência inconclusiva". O lugar atual para os biocombustíveis na política da UE permanece incerto. A decisão pode estimular o desenvolvimento dos chamados biocombustíveis de segunda geração, que não estão relacionados à agricultura de alimentos. O Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento defendeu em março o uso de combustíveis feitos de resíduos agrícolas, como palha e esterco. Plantas não alimentícias, como grama e algas, também são uma possibilidade. As negociações com os governos dos países da UE sobre o teto dos biocombustíveis devem vir a seguir. Caso não haja consenso, o tema voltará ao Parlamento. As propostas da UE sobre mudanças climáticas são oficialmente uma responsabilidade dos departamentos de energia e mudanças climáticas da Comissão Europeia, cujos integrantes nem sempre se reúnem pessoalmente. Mas, com a fraqueza economia, tem crescido a influência exercida por Olli Rehn, comissário de Economia, e Joaquín Almunia, que lidera o órgão antitruste do bloco. Ambos têm argumentado que as propostas da Comissão não devem reduzir a competitividade econômica da região, segundo autoridades da UE. Alguns grupos, incluindo indústrias de consumo intensivo de energia, argumentam que metas climáticas rígidas para 2030 iriam aumentar os custos de energia e se tornar um entrave ao crescimento. Grupos ambientalistas afirmam que a falta de metas vinculativas permitem que combustíveis fósseis se mantenham como fonte dominante de energia e tornam mais difícil o cumprimento das metas da UE para 2050. Nem todos os setores se opõem à regulação climática. Algumas empresas defendem tendem a se beneficiar dela. A indústria de isolamento térmico, por exemplo, afirma que metas mais rígidas de eficiência podem ajudar a atingir as metas climáticas da UE, promovendo ao mesmo tempo a criação de empregos e a produção econômica. Para Barry Lynham, diretor do grupo de estratégia e comunicação da fabricante de materiais isolantes Knauf Insulation, as leis da UE que exigem melhoria contínua podem "fundamentalmente mudar a nossa perspectiva" e podem levar a empresa a construir fábricas na região. "O isolamento é muito guiado pelos ambientes regulatórios", disse Lynham. A Knauf está presente em 35 países e sua maior empresa de isolamento está na UE. (Art Patnaude e Cassie Werber | The Wall Street Journal)