Mecanização avança, mas cana perde produtividade

A tradicional figura do cortador de cana, sujo e sofrido, está praticamente extinta no Centro-Sul. A colheita recém-iniciada na região será pelo menos 85% mecanizada, em uma área de 7 milhões de hectares. No início da década passada, a colheita manual chegou a demandar 750 mil pessoas em todo o país, sendo 500 mil no Centro-Sul, estima o professor do Departamento de Economia Rural da Unesp de Jaboticabal, José Giacomo Baccarin. Na safra passada, o número de cortadores empregados era de apenas 189 mil pessoas. No Nordeste, que responde por 10% da produção brasileira de cana, a mecanização ainda é ínfima e demanda 330 mil cortadores. Ao contrário do que se esperava, o processo de substituição do homem pela máquina - que coincidiu com um momento de crescimento do emprego na economia brasileira - não provocou até agora nenhuma catástrofe social. A maior parte da mão de obra liberada pelo setor, não qualificada, foi absorvida pela construção civil, observa Baccarin. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa as usinas do Centro-Sul, estima que 22,7 mil dos 80 mil cortadores que suas 190 associadas empregavam em 2007 foram qualificados para novas tarefas, principalmente na própria indústria da cana, como operadores de máquinas, mecânicos etc. Nos últimos cinco anos, as usinas e fornecedores de cana investiram R$ 14 bilhões para mecanizar a colheita. Essa modernização, porém, trouxe um problema inesperado - a redução da produtividade dos canaviais. João Guilherme Iglézias, diretor da Agroterenas, uma das maiores fornecedoras de cana para usinas, diz que a produtividade nos últimos três a quatro anos caiu de 85 toneladas por hectare para 70 toneladas, sendo 8 a 10 toneladas em razão da mecanização - a diferença foi efeito do clima. "Tivemos que reescrever os manuais de manejo". Só agora surgem variedades mais adaptadas às máquinas, como por exemplo as que "ficam mais em pé" e brotam melhor sob a palha. O setor testa ainda técnicas para reduzir a compactação do solo provocada pelas máquinas e reduzir as impurezas trazidas pela colheitadeira para dentro da usina. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Cortador de cana sobrevive à mecanização. Franzino e com forte sotaque nordestino, Antônio Francisco Soares conta que quando se mudou de Alagoas para São Paulo, em 2004, já tinha mais de 15 anos de experiência em colher cana-de-açúcar. Na época, a grande "ameaça" que enfrentava para se estabelecer na atividade no campo paulista era a concorrência com os migrantes de Minas Gerais. Ao sinal de qualquer protesto da massa de cortadores, lembra, o fiscal da fazenda dizia: "Olha que a gente busca 400 mineiros para fazer o serviço e manda todos vocês embora". Os mineiros vinham com tudo, afirma Soares. "Deixavam o couro e levavam o dinheiro. Trabalhavam como doidos, mais até do que o exigido pela usina". Mas as mudanças que tomaram forma nos canaviais nos anos seguintes tiraram do páreo mesmo esses concorrentes, vindos sobretudo do norte mineiro. E a mecanização criou outra lógica nas relações de trabalho nos canaviais. No ano 2000, quando a produção de cana ocupou 3,8 milhões de hectares na região Centro-Sul do país, as máquinas responderam por 28% da colheita total. Na safra recém-encerrada (2012/13), que ocupou mais de 7 milhões de hectares, o percentual chegou a 85%, de acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). E, diferentemente do que se imaginava quando a substituição do homem pela máquina se acelerou, não houve uma catástrofe social, ainda que centenas de milhares de pessoas tenham sido afetadas e que a qualificação e a recolocação dos cortadores sejam desafios permanentes e, muitas vezes, frustrantes. José Giacomo Baccarin, professor do departamento de Economia Rural da Unesp de Jaboticabal, no interior paulista, estima que, no início da década passada, a colheita manual de cana chegou a demandar, no auge das safras, 750 mil pessoas em todo o país, 500 mil no Centro-Sul. No Nordeste, onde os canaviais estão em áreas mais montanhosas, a mecanização é ínfima e o quadro não mudou muito. Responsável por 10% da produção brasileira, a região ainda conta com cerca de 330 mil trabalhadores na atividade, conforme o Sindaçúcar de Pernambuco. Mas, no Centro-Sul, os postos de trabalho para os cortadores foram minguando conforme a mecanização avançou, movida, principalmente, por novas exigências sócio-ambientais. Em 2007, quando se intensificou o movimento, Baccarin calcula, com base no Caged/IBGE, que o número de cortadores na região já havia recuado para 284 mil. "Muitos eram migrantes e, provavelmente, viraram agricultores familiares. A maior parte deve ter ido para a construção civil ou para outros setores de menor exigência de mão de obra qualificada", afirma. E a tendência não mudou. Em 2012, estima o especialista, eram 189 mil. Uma pequena parte da "catástrofe" esperada foi evitada pelo aumento do número de vagas para outras funções nas usinas. Em 2007, segundo os números de Baccarin, o número de cortadores foi equivalente a 56% do número total de trabalhadores empregados na indústria sucroalcooleira. Em 2012, foram 42%. Mas apenas uma pequena parte. "O problema é que os cortadores têm escolaridade baixa e, portanto, mais dificuldade de adaptação a outras funções nas usinas e em outros setores. A exceção são as áreas que exigem menor qualificação, como a construção civil, que absorveu muito dessa mão de obra". Ainda assim, deixar um trabalho exaustivo como cortar cana para trás pode ser também uma vantagem social, desde que a opção não seja o desemprego. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa as usinas do Centro-Sul, estima que, dos 80 mil cortadores que suas 190 associadas empregavam em 2007, pelo menos 22,7 mil foram qualificados para novas demandas da indústria, como mecânico e operador de máquinas. E 80% desse total está empregado no próprio segmento, segundo Maria Luiza Barbosa, gerente de sustentabilidade da Unica. Para Jaelson Ferreira do Nascimento, a safra 2013/14, recém-iniciada, será a primeira como operador de colheitadeira de cana. Mineiro de Montezuma, ele chegou a Valparaíso, no oeste paulista, em 2009, aos 20 anos, e por três safras cortou cana na usina Univalem, da Raízen. Chegava a ganhar até R$ 1,9 mil com o corte da cana, acima do salário de R$ 1,2 mil que embolsará como operador iniciante de colheitadeira. Mas está animado. "Agora eu posso crescer. Quero fazer o curso de mecânico de colheitadeira", planeja. Não é fácil. Uma máquina de colher cana pesa cerca de 20 toneladas e custa, em média, R$ 900 mil. Quando quebra, o prejuízo à usina é enorme, já que, por dia, serão 500 toneladas de cana que deixarão de ser colhidas. O mesmo acontece com outras máquinas da operação agrícola. Por essas e outras, ainda hoje o corte da cana pode ser a única solução. Nascido em Lavínia, a 70 quilômetros de Araçatuba, Aparecido Silva, 52 anos, sempre trabalhou em fazendas de gado naquela área do oeste paulista. Com a chegada da cana, o gado migrou e, para Aparecido, não restou alternativa ao facão. Há 15 anos é o que ele faz. Na usina onde trabalha (Univalem), todos os anos são abertas turmas de qualificação para operador. Mas Aparecido ficará na operação manual até ela acabar. "Tenho curso de mecânica, fui motorista e tratorista. Mas a cobrança é grande. Se a máquina quebra, a empresa acha que você é o culpado". Ademais, acrescenta ele, o ganho mensal de um cortador (R$ 1,2 mil, em média) equivale ao de um operador iniciante de máquina. Para Maria Luiza Barbosa, uma das surpresas dessa gigantesca troca de braços por engrenagens é justamente o fato de o trabalho rural, mesmo nas usinas totalmente mecanizadas, não ter acabado. Na unidade onde Aparecido Silva e outros 180 trabalhadores braçais estão empregados, colheita e plantio são 100% mecanizados. Mas há atividades de campo que justificam a manutenção desse quadro de pessoal. Eles carpem o mato, limpam a terra e abrem os primeiros metros das fileiras de cana madura que serão colhidas em seguida pelas máquinas. Colhem também cana plantada nas curvas onde a máquina não alcança - que estão em desuso com o avanço do plantio mecanizado. Além disso, ainda há usinas e fornecedores de cana que não assinaram o protocolo agroambiental que antecipa o fim das queimadas para 2014. Portanto, ainda ateiam fogo nos canaviais, contratam mais cortadores e, por lei, têm até 2017 para eliminar essa prática nas áreas mecanizáveis (declive de até 12%). Baccarin acredita que a mecanização está chegando ao limite no Centro-Sul, e que daqui para frente os impactos no mercado de trabalho tendem a diminuir. "Acredito que será possível mecanizar 90% da área, não mais que isso". ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Com máquinas, diminui rendimento de canaviais. Uma colheitadeira de cana substitui os braços de 80 a 100 trabalhadores, dependendo da produtividade do cortador. Nos últimos cinco anos, as usinas e fornecedores de cana investiram cerca de R$ 14 bilhões para alavancar a substituição do homem pela máquina, mas, até agora, o resultado não agradou. A razão é que a mecanização mudou o patamar de produtividade dos canaviais, provocando um declínio sistêmico de rendimento. Produtores com décadas de experiência no setor estão tendo que "reaprender" o manejo da cultura. E, quatro anos depois, o setor está apenas no meio de uma reação, afirma João Guilherme Iglézias, diretor de operações agrícolas da Agroterenas. A empresa é uma sexagenária em produção cana-de-açúcar e uma das maiores fornecedores da matéria-prima para usinas do país, com 70 mil hectares cultivados. Iglézias conta que a produtividade nos últimos três a quatro anos caiu de 85 toneladas por hectare para 70, sendo que de 8 a 10 toneladas da perda é diretamente atribuída à mecanização. O restante foi efeito do clima. "Tivemos que esquecer tudo o que sabíamos sobre cana e reescrever os manuais de manejo". Só agora, detalha o executivo, começam a surgir variedades de cana mais adaptadas às máquinas - plantas que "ficam mais em pé" e brotam melhor sob a palha, por exemplo. O setor testa ainda técnicas para mitigar a compactação do solo e reduzir o volume de impurezas trazido pela colheitadeira para dentro da usina. A falta de mão de obra qualificada para operar as máquinas também é um gargalo. No ciclo 2013/14, que acabou de começar, a empresa espera produzir 75 toneladas por hectare, ainda distante das 85 do passado. Iglézias espera retomar os níveis históricos em apenas três anos. Mas a resistência em "rasgar a cartilha" e começar de novo ainda é grande entre os fornecedores de menor porte, também descapitalizados para investir nas máquinas. O produtor Luiz Carlos Tasso Júnior é diretor da Canaoeste, uma associação que representa 2,8 mil fornecedores da matéria-prima espalhados em 80 municípios, entre eles os tradicionais Sertãozinho e Ribeirão Preto (SP). Ele conta que a concentração de açúcar na cana (o chamado ATR) caiu nos últimos anos na região, conhecida por reunir as melhores condições de clima e solo para a cultura. Historicamente, o desempenho médio do ATR na região era de 145 quilos por tonelada, com picos que já superaram os 160 quilos. "Na safra 2012/13, a concentração de ATR caiu a 138 quilos, número que deve se repetir em 2013/14. Não acredito que será possível retomar os níveis históricos, a não ser que haja um avanço significativo na genética da planta", afirma Tasso. (Fabiana Batista)