Medidas reforçam caixa, mas não garantem investimento

O velho Proálcool, criado em 1975 pela ditadura militar na esteira da primeira crise internacional do petróleo, acabou em meados dos anos 80. De forma melancólica, com filas de milhares donos de carros à espera do álcool nos postos, abandonados por usineiros interessados em produzir açúcar. De lá para cá, o derivado da cana ficou no ostracismo, marcado pela derrocada imposta pelo regime decrépito. Virou sinônimo de mau negócio. Quem tinha um carro à álcool, tratava de vendê-lo a qualquer preço. Demorou quase 20 anos até que, recentemente rebatizado como etanol, o biocombustível retomou o status de salvação nacional. As montadoras viram no filão dos carros "flex fuel" um valioso nicho. A independência do velho álcool seduziu novos consumidores. E a oferta abundante de etanol barato ajudou a alavancar a indústria. Os usineiros foram chamados de heróis pelo então presidente Lula e o então manda-chuva americano George W. Bush ajudou a levar a produção de etanol ao Olimpo. Mas a crise financeira mundial de 2008 atropelou os sonhos de potência energética mundial. As multinacionais, que haviam comprado dezenas de usinas, desaceleraram. As fontes de crédito externo secaram. A aversão ao risco freou os grupos nacionais, às voltas com elevados investimentos em mais de 200 projetos desde 2005. Ficaram sem capital. E as dívidas foram à estratosfera. O governo tentou pacotes de socorro, paliativos. Nada funcionou. Em 2009, os usineiros queriam renegociar R$ 3,5 bilhões em dívidas com BNDES, tradings, bancos privados, produtores e fundos de investimento. O governo recusou. A descoberta do petróleo no pré-sal, em fins de 2007, já tinha arrefecido os planos para uma "Arábia Saudita verde". Escolada no setor desde a época de ministra, a presidente Dilma Rousseff tentou, no início de sua gestão, chacoalhar os empresários ao transferir a fiscalização e o controle da área à Agência Nacional do Petróleo, esvaziando o Ministério da Agricultura, aliado tradicional dos usineiros. O aumento da interferência do governo piorou a situação. E a falta de diálogo se acentuou. De exportador, o país passou a comprador de etanol de milho dos EUA. Sem ter como contratar crédito novo, boa parte das usinas nacionais foi liquidada. Outra parte quebrou ou pediu recuperação judicial. Saíram de cena gigantes como Santelisa, NovAmérica e Vale do Rosário. Entraram os estrangeiros ADM, Louis Dreyfus, Bunge, Tereos, Abengoa, Shree Renuka. Em 2012, a dívida do setor rondava US$ 42 bilhões. O pacote ora anunciado vinha em gestação desde 2011. Deveria ter saído em 2009. Agora, avalia-se, não será a solução, mas se aposta que permitirá um rearranjo nas combalidas finanças do setor. Desonerar o etanol de PIS-Cofins em R$ 0,12 por litro vai recompor margens e reforçar o caixa de usinas, distribuidoras e postos. Mas a expansão e renovação dos canaviais, se vier, só ocorrerá em quatro ou cinco anos. O etanol será complementar à gasolina, não mais um protagonista, como na década anterior. E os investimentos só voltarão em peso se o combustível for rentável, e não pela demanda via elevação do etanol anidro na gasolina. No governo, costuma-se dizer que um carro é produzido em 12 minutos, mas um hectare de cana só fica pronto em dois anos. De 2008 a 2013, a produção de etanol total recuou de 26,6 bilhões para 25,7 bilhões de litros. As linhas de investimento podem ajudar a driblar a decadência. Mas não serão decisivas. Desde 2008 que não se cuida dos canaviais. O clima desfavorável e a multiplicação de pragas aumentou custos. A produção não decolou e a produtividade média, sem investimento, caiu de 81,5 para 73,5 toneladas por hectare. A administração pouco profissional, centrada em poucas famílias, e as sucessões mal resolvidas, complicaram as coisas. Ainda há riscos nos estoques. Grandes empresas contratam empréstimos subsidiados para comprar etanol de pequenas destilarias e vendem na entressafra, o que pode gerar mais desigualdade. Pouco desse pacote deve estimular o consumidor a voltar às filas pelo etanol. E uma interferência excessiva do governo no setor pode botar tudo a perder. (Mauro Zanatta)