MP 579: após um ano, ACL ensaia recuperação

Falta de isonomia continua a ser a principal reclamação do setor que começa ver um movimento de retorno à migração de empresas que pararam o processo diante das incertezas e dos preços. Na contramão dos distribuidoras, que apresentaram um nível de descontentamento menor entre os principais segmentos do setor elétrico, os comercializadores são os agentes que mais têm reclamações contra a MP 579, que completa nesta quarta-feira, 11 de setembro, um ano de publicação. No cerne de tudo está a destinação de 100% da energia velha para o mercado cativo, excluindo os grandes consumidores de energia de conseguir obter a redução na tarifa deste insumo, sendo relegados ao desconto na transmissão e nos encargos setoriais. Um ano após a publicação da MP o setor continua com a expectativa de que os grandes consumidores possam ser contemplados com uma parcela, no mínimo, equivalente á participação dessa fatia de consumidores no mercado nacional, que é de cerca de 27% da carga no Brasil. A esperança é de que as usinas que não foram renovadas antecipadamente, da Cesp, Cemig e Copel, tenham uma fatia revertida para o mercado livre assim que as concessões forem encerradas. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim defende a medida ao afirmar que as indústrias já possuem um programa de eficiência quanto ao custo do insumo por meio de contratos, fator que as coloca em um patamar diferenciado de economia por conta da economia obtida com a energia elétrica. De acordo com o diretor da Ecom Energia, Paulo Toledo, houve bastante mudanças nesses 12 meses. Em sua avaliação. o corte dos encargos como a RGR, que pesavam bastante, foi o lado bom, mas a alocação de toda a energia renovada para o regulado teve o efeito contrário. Isso fez com que a indústria não percebesse todo o potencial de redução. "O ideal para o mercado livre seria ter acesso à parcela proporcional ao seu tamanho, que é de 27% da carga", disse o executivo. Em geral, o mercado aguardava uma decisão que fosse isonômica, afinal, os grandes consumidores - antes da criação do embrião do mercado livre como conhecemos hoje, o Mercado Atacadista de Energia (MAE) - também contribuiram com a amortização dos ativos ao longo dos anos. Segundo o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos, depois dessa definição a conjuntura entre a não adesão de Cesp, Copel e Cemig e o regime hidrológico abaixo da média, que teve como consequência o uso das térmicas, trouxe problemas ao setor que culminaram com medidas como a Resolução CNPE 03. Ações que a ser ver não tiveram como foco a saúde do setor e sim um viés de política econômica. "Foram movimentos para manter a redução mesmo com um cenário de preços altos em decorrência de despachos térmicos no limite que o país dispõe. Com isso os encargos para o mercado livre ficaram em R$ 25 por MWh que o consumidor livre pagou e que está sendo financiado pelo Tesouro Nacional", criticou o executivo. "A medida foi política, não foi pensando no setor elétrico, foi para reduzir inflação e a presão tarifária", acrescentou. Ele refutou ainda a ideia de que o mercado livre seria balizado pelo cativo. Essa relação de preços, que foi apontada pelo governo federal à época da MP, pode ser válida apenas para o MCP, no longo prazo, que é o formato de contratação dos grandes consumidores essa relação não existe porque a energia tem a sua precificação como se fosse uma commodity. O diretor da Enecel Energia, Raimundo Batista disse que o fato de a economia não apresentar um grande crescimento no ano passado auxiliou a mascarar o efeito da MP nos preços da energia elétrica. Isso porque a indústria, que é a maior classe de consumo, não apresentou expansão, aliás, vem perdendo espaço para outras classes como a de serviços e de comércio na participação para a formação do PIB. Com esse cenário, se houver uma retomada por parte da demanda industrial o Brasil terá que recorrer novamente a soluções de alto custo para suprir essa demanda. O preço da energia, que vemos em um período seco como está sendo em 2012 e 2013, diz Batista, é o reflexo de um planejamento mal feito lá atrás, referindo-se aos leilões passados, pois não deveria haver térmicas tão caras e ineficientes como as que o país estava despachando e que são chamadas de usinas movidas a Channel 5, comparando o preço do combustível ao perfume francês. "Houve um impacto positivo da MP, mas que foi totalmente desfigurado pelos aspectos negativos, agravados ainda pela má operação do sistema", ressaltou. "Como resultado prático, tivemos uma redução de 7% a 8% no custo total da energia que seria de 18%, mas com as térmicas, esse beenefício foi corroído", acrescentou. Com todo esse cenário, o segmento viveu um ano apenas de manutenção com a interrupção das migrações. De acordo com Toledo, da Ecom, a a tarifa cativa voltará a subir em função da característica dos contratos das distribuidoras, que devem repassar a inflação, custo de contratação de Itaipu que vem subindo com o dólar e os repasses da CDE que deverão ser devolvidos à União. Além disso, a expectativa por um período normal de chuvas pode levar os preços do ACL novamente a um patamar considerado normal que é de R$ 120 a R$ 130 por MWh. No ano, os consumidores ficaram esperando para ver o que acontecia. A alocação das cotas atrapalhou bastante o segmento e a relação de R$ 20 por MWh no preço da energia no ACL e ACR foi prejudicada. De acordo com o executivo da Comerc, a migração nesses 12 meses ocorreu somente com aqueles que estavam com o processo adiantado. Depois da MP, teve redução de migração em função das incertezas. "Até mesmo nós, quando temos uma consulta de potencial cliente sobre a migração, falamos que não é o momento, que é melhor esperar um pouco", revelou ele. Contudo, esse momento pode estar próximo na avalição da Ecom, que acredita em uma melhora ainda neste semestre com o mercado livre voltando a ser atrativo. Batista, da Enecel, diz que a diminuição foi clara já que as tarifas do mercado regulado tiveram redução e a vantagem de migração ficou menor. Outro ponto que a MP 579 impactou, mas de forma mais branda, foi o de geração parao mercado livre. O aumento da vantagem entre o ACR e o ACL, associado às incertezas que levaram à redução da migração dos potenciais consumidores livres, foi sentido também no setor de geração eólica. De acordo com a presidente executiva da ABEEólica, Élbia Melo, essa insegurança e interrupção das migrações esvaziou o mercado livre, um segmento no qual os investidores estavam trabalhando fortemente para viabilizar no país. Esse impacto, relatou ela, postergou as expectativas dos agentes no ambiente livre, mas aos poucos o ritmo foi sendo retomado a partir do momento em que os agentes perceberam que o efeito seria passageiro e o movimento de migração seria retomado com o tempo. A avaliação de que faltou isonomia no tratamento entre os dois ambientes não é apenas dos investidores. Na análise de João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia, esse é realmente um grande problema e que não gerou o efeito benéfico prometido no ano passado. "Não se pensou nas cotas da geração para o mercado livre. Realmente o setor teve o benefício da redução da tarifa com a transmissão e os encargos, mas a energia mais barata, propriamente dita, não chegou aos grandes consumidores. Ainda pode-se reverter essa situação", afirmou ele. Em sua análise, o baixo índice de crescimento da indústria e a não adesão das três estatais estaduais ajudou a far um respiro ao mercado livre, pelo menos até o final dos atuais contratos. Eduardo José Bernini, presidente da Tempo Giusto, lembrou ainda que as tarifas reguladas tiveram realmente um amortecimento, contudo o mercado livre não foi alcançado pelo pacote. Ele reforça o fato apontado pelo presidente da Comerc, e que também foi alvo de críticas pela Abrace, de que a competitividade para a indústria não foi alcançada como o pretendido. Isso porque os grandes consumidores já estão no mercado livre. "O quadro não mudou e há um novo fator agravante que foi a criação desse ambiente de incertezas, de dúvidas, quanto a expansão dos investimentos. O investimento novo, depois da MP, está refreado e isso faz com que exista estrangulamento de oferta pra o mercado livre", apontou o executivo, que já ocupou a presidência da maior distribuidora do país, a AES Eletropaulo. "A crise de preços só não foi maior porque houve um certo desaquecimento da economia e isso reduziu a pressão compradora do mercado livre", alertou. (Maurício Godoi)