MP 579: geradoras têm sofrido no mercado de capitais

Valor de mercado das empresas caiu nos últimos 12 meses após a medida provisória, sendo a Eletrobras a mais castigada pelos investidores. O resultado da renovação das concessões de geração levou para o setor elétrico a politização de um assunto que é puramente econômico. Isso porque de um total de pouco mais de 24 GW em capacidade instalada que foram enquadradas pela MP 579, 64% viraram cotas e são formadas, majoritariamente, por usinas sob o controle estatal federal, da Eletrobras. Os demais 36% que não aceitaram os termos foram liderados pela negativa das estaduais Cesp, Copel e Cemig, governados pelo partido da oposição. A despeito de todos os impactos citados que são vistos mais no médio e longo prazo sobre a operação dessas empresas, nos últimos 12 meses as concessionárias já vem sentindo outra pressão, a do mercado de capitais. A reação negativa sobre os valores das ações de empresas do setor em geral foi verificada. As ações de empresas mais afetadas pela medida simplesmente despencaram com o anúncio dos termos da MP e depois com o valor da indenização. Nestes 12 meses as ações ordinárias da Eletrobras, (ELET3), que em 4 de setembro do ano passado estavam cotadas a R$ 13,09 encerraram o mesmo dia desse ano ao valor de R$ 5,26, já os papeis preferenciais (ELET6) variaram de R$ 18,63 para R$ 9,55, um recuo de 48,74%. A estatal federal era a companhia com o maior número de ativos que seriam enquadrados pela MP. O cenário de mercado para as companhias que aceitaram parcialmente a prorrogação das concessões, como a Copel e Cemig também tiveram redução no valor de seus papeis, 17,48% e 47,22%, respectivamente. A Cesp, que não aceitou os termos da MP, perdeu cerca de 30% de valor de suas ações preferenciais. Christopher Vlavianos, presidente da Comerc, avaliou a decisão como econômica e que não passa pela questão política. O exemplo está na aceitação, por exemplo, das mesmas estatais estaduais (Copel e Cemig) optaram por manter seus ativos em transmissão. No caso das duas elétricas de São Paulo, a Emae e a Cesp, a decisão foi pela aceitação na primeira que tem 947 MW de capacidade instalada e nao renovação na segunda, que soma 5,8 GW em três hidrelétricas, justamente pelos valores de indenizações propostos. Aliás, o secretário de Energia do Estado de São Paulo, José Aníbal, sempre enfatiza que o valor proposto pela UHE Três Irmãos (SP - 807,5 MW), de quase R$ 1,8 bilhão está bem aquém dos cerca de R$ 6 bilhões que o governo pretende e que entende ser o correto para a reversão desse ativo ao poder concedente. Ele disse que não é somente a barragem que deve ser considerada, mas outras obras realizadas que viabilizaram a usina como o canal de Pereira Barreto. Por sua vez a Cemig procurou a Justiça para manter as três usinas que optou por não renovar a concessão, a UHE Jaguara (MG - 424 MW) a UHE Miranda (MG - 408 MW) e a UHE São Simão (MG/GO - 1.710 MW) a maior da empresa. Já a Copel afirma ter feito as contas e afirmou que pode obter mais receita com a manutenção das usinas que não renovou e que por ter conhecimento da operação e do nível de custos, será possível recuperar a concessão à época que for relicitada pela Aneel. Esse foi o posicionamento das empresas que não aceitaram o acordo do governo. Por sua vez, na Eletrobras a aceitação levou a uma redução do quadro de funcionários por meio de um PDV que, somando à área de transmissão chegou a quase 4,4 mil empregados e que está em andamento na estatal. Esse é um dos pilares do plano que a companhia passou a desenvolver e que é chamado de Plano Diretor de Negócios e Gestão e visa levar a companhia a um patamar mais eficiente, inclusive, com a possibilidade de venda de ativos de distribuição, que vem acumulando seguidos prejuízos. Apesar desse esforço da estatal, a impressão do mercado é de que a Eletrobras, que tem apresentado papel relevante nos grandes empreendimentos de expansão de oferta em geração, foi enfraquecida. De acordo com o diretor da Enecel Energia, Raimundo Batista, a MP tirou a força da Eletrobras que teve sua receita rebaixada e que por isso perdeu capacidade de financiamento. Como consequência, alerta ele, essa ação pode reverter em risco ao país porque com o aumento da percepção de risco regulatório que esses 12 meses trouxeram ao Brasil, o investidor privado vai querer precificar a sua participação nos leilões. Um dos motivos que reforçam essa percepção é externada por Vlavianos da Comerc e atende pelo nome de CNPE 03. Isso, explicou ele, deve-se ao fato de o governo querer dividir a conta de geração termelétrica entre todos os agentes. A criação de uma cobrança adicional elevará o preço da energia em função do conservadorismo do setor que precificará algo que não se sabe de quanto será. "A consequência é que teremos uma cobrança mais elevada porque o investidor quer proteger o seu retorno", explicou ele para quem a medida levou à atual judicialização no setor elétrico e criou uma instabilidade classificada como muito grande. A impressão de Batista é corroborada na análise do fundador da Consultoria Tempo Giusto, Eduardo José Bernini, que é ex-presidente da AES Eletropaulo. O impacto financeiro para as empresas é o fator mais perverso, pois os bancos analisam a capacidade de endividamento das empresas com base na receita operacional, justamente onde foi cortado pela MP 579 para as concessionárias que aceitaram os termos. "Olhando pelo lado dos geradores, esses agentes passaram a ter uma conta a mais a ser paga e que criou um efeito monumental sobre seus resultados. Os seus contratos de venda não previam esse ônus e, consequentemente, a transferência de responsabilidade pelo pagamento não ser repassado aos clientes. Acaba recaindo sim sobre os lucros. Por isso a reação extremada de ir à Justiça", analisou Bernini. "Hoje, da forma que está, teremos sempre um impacto semelhante e recorrente toda vez que o clima for adverso", acrescentou. Por sua vez, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, defendeu a medida ao afirmar que o Brasil, apesar de ter um parque hidrelétrico em sua maior parte, apresentava uma das tarifas mais caras do mundo. Para ele, isso é um paradoxo porque as UHEs são fonte de geração de energia competitiva. "Uma UHE tem um custo de investimento inicial alto e o de operação é muito baixo. Depois de amortizada o preço da energia poderia ser mais baixo (...). Tínhamos uma situação onde as concessões tinham sido prorrogadas e toda concessionária se apropriava de uma renda extra entre o preço da energia e seu custo. Apesar desse custo ser muito baixo vendia acima de R$ 100 por MWh quando o custo mesmo era de R$ 25 por MWh", explicou Tolmasquim, que não vê problema de financiamento de novos projetos uma vez que os bancos aceitam os PPAs na análise e concessão de crédito e que o funding para esses aportes é uma questão bem resolvida. Essa posição sobre o funding, inclusive, é a mesma posição defendida pelo presidente da Abrage, Flávio Neiva. Segundo o executivo, a MP 579 não trouxe problemas para o negócio de geração de energia no Brasil. "Os novos investimentos em geração possuem um funding específico já consolidado e os leilões estão sendo realizados regularmente visando compatibilizar as necessidades de expansão da oferta de energia elétrica do país utilizando as várias fontes disponíveis, atraindo os investimentos necessários, quer seja através de recursos provenientes de empresas públicas ou privadas", afirmou ele. Contudo, ainda há, para os demais agentes, pendências e se referem à realização de ampliações, reformas e modernizações nas usinas existentes, em especial naquelas usinas prorrogadas. As empresas geradoras estão aguardando a regulamentação do processo de ressarcimento desses investimentos pelo MME e Aneel. Para ele, tão logo essa questão seja resolvida, os investimentos deverão ser retomados. "A questão passa pela forma de aprovação e de ressarcimento dos projetos envolvidos, necessários à preservação dos ativos e à continuidade dos serviços", acrescentou. Entre os aspectos que mais impactaram o setor, disse Neiva, está a queda significativa nas suas receitas, fazendo com que essas empresas venham compensar esse impacto através da redução de seus custos, melhoria de processos e participação em novos investimentos. E ainda, diz que a Receita Anual de Geração (RAG), que é a tarifa fixada pelo governo para os geradores prorrogados, é uma questão bastante complexa que precisa ser melhor estudada, a fim de verificar se realmente contempla todos os custos envolvidos no processo de gestão de uma concessão. Neiva alerta ainda que com recursos limitados da RAG, a geradoras que tiveram suas concessões prorrogadas terão que enfrentar desafios como a manutenção da qualidade exigida pela Aneel e realizar a conservação dos ativos, incluindo o que se chama de “administração da obsolescência” dos equipamentos principais e auxiliares de geração. Outro ponto é a manutenção de equipes especializadas para atuar em eventos como recomposição de grandes distúrbios no sistema elétrico, análise de ocorrências, eventos hidrológicos extremos, situações de responsabilidade objetiva, entre outros. E lembra também de que além disso tem que encontrar equilíbrio econômico-financeiro da concessão, considerando a redução das receitas, os compromissos de investimentos e o fato de a Revisão Tarifária ser somente a cada 5 anos. De outro lado, a fonte eólica, que vinha participando ativamente da expansão da oferta de geração nos leilões diz que sentiu os efeitos da medida, mas em menor grau. Segundo a presidente da ABEEólica, Élbia Melo, a maior pressão que o setor sentiu foi em 2012, quando o mercado freou a contratação por conta das indefinições acerca da demanda ante as cotas que foram revertidas ao mercado regulado de forma compulsória. O problema, relatou ela, foi que em reflexo ao direcionamento das cotas ao ACR, a contratação no único leilão de expansão de 2012 foi muito baixa. "As distribuidoras foram conservadoras na declaração por não saber o volume de cotas e como há o limite imposto por lei de sobrecontratação tivemos baixa demanda no certame de dezembro do ano passado", afirmou ela. Contudo, diz a executiva, os leilões de Energia de Reserva e a entrada da eólica no A-5 de dezembro de 2013 prometem colocar a demanda por eólica novamente no trilho da expansão vista nos últimos anos. "O ano de 2012 não foi bom e o de 2013 se mostra bastante promissor", resumiu Elbia. (Maurício Godoi)