Muitos projetos ainda não saíram do papel

De R$ 1,26 trilhão de recursos previstos, falta viabilizar cerca de R$ 600 bilhões. Cinco mil quilômetros de estradas duplicadas do Centro-Oeste ao Sul, dez mil quilômetros de ferrovias permitindo velocidades superiores a 80 quilômetros por hora, linhas de transmissão escoando a energia produzida por grandes hidrelétricas, plataformas de petróleo construídas para dar vazão ao pré-sal, trens e metrôs transportando milhões de passageiros por dia nas grandes cidades. Uma série de projetos em infra-estrutura nesta década poderá abrir espaço para o país crescer acima de 4% ao ano e ampliar sua competitividade no cenário internacional. A equação passa pelo aumento dos investimentos públicos e pela maior atração do capital privado, que terá seu apetite testado nos próximos meses com o maior programa de concessões realizado pelo governo federal, que pretende, a partir de setembro, licitar R$ 242 bilhões em rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. Tirar esses projetos do papel, contudo, exigirá a superação de uma série de obstáculos: além de questões de rentabilidade e de financiamento das obras, existem novos desafios regulatórios e ambientais. Levantamento da Associação Brasileira de Tecnologia para Equipamentos e Manutenção (Sobratema) aponta que, até 2017, o país tem projetos de R$ 1,26 trilhão, dos quais R$ 668 bilhões se referem a obras em andamento e RS 592 bilhões em empreendimentos no papel. O carro-chefe é o setor de óleo e gás, com R$ 511 bilhões, seguido por transportes, com R$ 336 bilhões, energia, com R$ 167 bilhões, e indústria com R$ 133 bilhões. Em valores, regionalmente, as obras estão concentradas no Sudeste, que reúne boa parte da camada pré-sal e conta com R$ 456 bilhões em obras em andamento e R$ 263 bilhões em projetos, sendo um dos principais o Trem de Alta Velocidade (TAV), que interligará São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. O setor de óleo e gás poderá aumentar o número de projetos nos próximos anos. Em leilão realizado em maio, as empresas desembolsaram R$ 2,8 bilhões por 142 blocos licitados, o maior volume arrecadado pelo governo. A movimentação não irá parar por aí. Está prevista para novembro a realização pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) da primeira rodada de licitações de concessão de blocos exploratórios sob o regime de partilha de produção, em que a Petrobras será operadora dos blocos na camada pré-sal com participação mínima de 30%. "A perspectiva é que na rodada seja leiloada área com potencial equivalente a campo de exploração de grande porte, o que deve ter efeito positivo nos negócios da indústria nacional de bens e serviços voltados ao setor de óleo e gás", diz Antônio Müller, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi). Em energia elétrica, serão contratados na iniciativa privada R$ 148 bilhões em projetos entre este ano e 2017, com destaque para a licitação de parte do complexo hidrelétrico no rio Tapajós, no Pará, que poderá somar cinco usinas com capacidade total de 15 mil MW, um pouco acima da hidrelétrica de Itaipu. Apenas a usina de São Luiz dos Tapajós, tem potência estimada em 6.133 MW. "Entre este ano e 2017, iremos licitar RS 148 bilhões, sendo que RS 120 bilhões se referem a projetos de geração de energia elétrica, com prioridade para fontes renováveis", diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE). Negócios também surgirão nos ares. Em 2012, o Brasil cresceu modesto 0,9%, mas a circulação de pessoas em Guarulhos, maior aeroporto do país, cresceu 9%. O número de passageiros embarcados em aviões triplicou de cerca de 35 milhões para pouco mais de cem milhões em dez anos. "Há ainda muito potencial", afirma o diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Marcelo Guaranys. O brasileiro faz 0,6 viagem por ano, enquanto cada australiano, por exemplo, viaja cinco vezes em um avião por ano. O governo pretende licitar, com cobrança de outorga onerosa, as concessões dos aeroportos de Confins (MG) e Galeão (RJ). Nas regiões metropolitanas, a pressão por mais infraestmtura é crescente. Em São Paulo, em dez anos, a frota sobre rodas dobrou para 20,5 milhões de veículos no Estado. O governo paulista está trabalhando no projeto de trens regionais, que poderá contemplar R$ 18,5 bilhões em investimentos na construção de uma malha que conectará a capital paulista às regiões de Santos, Sorocaba e Jundiaí. "Queremos atrairá iniciativa privada nos projetos de trens regionais, que têm complementaridade com o TAV", diz o secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Jurandir Fernandes. Os estudos técnicos deverão ser entregues em 26 de julho. Novas soluções urbanas têm sido criadas. Na região portuária do Rio de Janeiro, uma parceria público-privada (PPP) foi a resposta encontrada pela prefeitura para recuperar a área central da cidade. Hoje, quatro mil funcionários da concessionária Porto Novo (consórcio formado por Odebre-cht, OAS e Carioca) trabalham em diversos quilômetros de ruas da zona portuária, remodernizando a malha hidráulica e elétrica. Os fios de eletricidade serão aterrados. Haverá pontos de integração entre metrô, VLTs e corredores expressos de ônibus. No contrato da PPP, além dos serviços de coleta de lixo e iluminação pública, está a construção do Museu do Amanhã. A idéia é que a remodernização influencie a revitalização do centro do Rio de Janeiro, crie espaço para o desenvolvimento imobiliário residencial e corporativo. "O projeto está baseado no desenvolvimento urbano sustentável e temos sido procurados por outras cidades, como Niterói, Recife e Salvador", afirma José Renato Ponte, presidente da concessionária. Grande parte das obras deverá ser entregue até 2016, antes dos Jogos Olímpicos. Construtoras estão olhando projetos residenciais e comerciais na área. A PPP tem duração de 15 anos, podendo ser proiTogada por outros 15. "E um contrato inédito no Brasil e que tem muito potencial, envolve de obras viárias à modernização de estruturas hidráulicas e elétricas, além de serviços públicos", afirma Ponte. Há negócios também para os fabricantes de equipamentos de telefonia. A Copa de 2014 será o primeiro evento de porte mundial a ter a tecnologia 4G para os celulares. "Acredito que a meta de quatro milhões de usuários que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estimou para a tecnologia até o fim do ano será superada", diz o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Até o fim de 2013, as 12 cidades que receberão jogos da Copa do Mundo contarão com a tecnologia 4G. "O volume de investimentos das operadoras deve continuar girando ao redor de R$ 25 bilhões por ano diante da demanda crescente", diz Rogério Ronan, diretor da Deloitte e especialista na indústria de mídia e telecom da consultoria. As oportunidades animam 1 as construtoras. Em 2012, a carteira de pedidos de engenharia e construção da Construtora Camargo Corrêa chegou a R$ 17 bilhões, com 90% atrelados a projetos no Brasil. O setor de energia lidera os pedidos com cerca de 30%, enquanto a área de infraestrutura, que reúne obras de transportes e saneamento, responde por 17%, percentual que pode subir com as concessões previstas pelo governo. "Acreditamos em crescimento neste ano, com a indicação do governo de ampliar os investimentos em infraestrutura", diz o presidente da Construtora Camargo Corrêa, Dalton dos Santos Avancini. As oportunidades chamam a atenção de empresas que têm diversificado suas operações. Nos últimos anos, a Cosan vem ampliando sua atuação além do setor de etanol. No fim de 2012, adquiriu participação majoritária na Comgás, maior distribuidora de gás do país, e está de olho nas licitações que serão feitas nas áreas de portos e de ferrovias. "As concessões são uma oportunidade de investimento e acreditamos que as ferrovias mais ágeis precisarão de portos mais eficientes. Estamos olhando dos terminais portuários ao material rodante e via permanente das ferrovias", diz o presidente da empresa, Marcos Lutz. O ingresso na Comgás, que atua em cerca de 170 municípios paulistas e adiciona cerca de 120 mil residências por ano à malha, está ligado ao aumento que o gás natural deverá ter na matriz do país. "O óleo do pré-sal terá gás associado a ele, o que deverá aumentar a oferta do insumo e traz oportunidades. No longo prazo, o uso de gás será mais intenso e ele poderá ser usado em máquinas de secar, e empresas poderão usá-lo em processos e fórmulas químicas." As oportunidades em infraes-trutura poderão elevar a taxa de investimento da economia brasileira. O desafio é fazer com que o Brasil invista 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura para superar os atuais gargalos. Nos últimos anos, a aplicação de recursos tem ficado em cerca de 3% no Brasil e na América Latina, com dois terços vindos do setor público e um terço dos empresários. "O crescimento sustentável depende disso", diz Alexandre Rosa, gerente de infraestrutura e meio ambiente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). "O conjunto de obras é grande e tem potencial para impulsionar a economia brasileira, mas há desafios enormes, por isso, ainda estamos cautelosos em relação ao desenvolvimento dessas obras, porque existem dificuldades em transformar projetos em obras. Por exemplo, em alguns casos, o Tribunal de Contas da União (TCU), cuja função é fiscalização, acaba interferindo no andamento das obras, nas fases de execução", afirma Mário Humberto Marques, vice-presidente da Sobratema. Um exemplo pode ser visto no setor aeroportuário. No Galeão(RJ), só pouco mais de 5% de algumas obras foram executadas, enquanto em Fortaleza o avanço foi um pouco maior: chegou a 12%. Uma parte do problema ocorre pela falta de projetos de engenharia, que não estão adequados à realidade. Para reduzir os gargalos, o governo anunciou um programa de R$ 242 bilhões em concessões no setor de transportes, de olho na redução de custos logísticos nos próximos cinco a sete anos. "O Brasil tem um déficit de 30 anos na área de transportes, o que deve somar cerca de R$ 500 bilhões a R$ 600 bilhões em gargalos logísticos, por isso queremos um choque na área com a atração de capital privado para reduzir os custos nos próximos anos", diz o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo. As primeiras licitações deverão ocorrer em setembro. Avançar com as concessões será uma tarefa árdua. Analisar seus eventuais entraves é uma maneira de olhar os obstáculos que o país terá para transformar os projetos em realidade, diz Marques, da Sobratema. Um dos principais é a rentabilidade dos projetos. "O que está em jogo é uma fixação da taxa interna de retomo sustentável que possa trazer investidores comprometidos com bons projetos", afirma o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. Com exceção dos aeroportos, em que é cobrada outorga, o governo tem concedido os empreendimentos às empresas que oferecem os menores valores de tarifa, com base em uma meta calculada pelo governo. O problema é que esse valor base tem sido cada vez menor, o que gera incertezas. Um caso é o do leilão de transmissão de energia, realizado no fim de maio, em que foi Fixada uma taxa de capital próprio e de terceiros de 4,66%, a menor da história. Grandes empresas não participaram. "O número ficou muito abaixo", diz um empresário. Resultado: quatro linhas de transmissão das dez licitadas não tiveram vencedores, por falta de ofertas. O deságio ficou em cerca de 12%, o menor da história. "A inexistência de ofertantes para quatro linhas de transmissão revela que o governo claramente avaliou de maneira equivocada as necessidades dos investidores em sua tentativa de definir um retorno justo para cada tipo de projeto de infraestrutura", escreveu, em relatório aos investidores, o analista Marcos Severine, do Itaú BBA. De um lado, as condições macroeconômicas melhoraram, mas os custos das empresas e os riscos de atraso dos projetos persistem no horizonte. Em canteiros de grandes obras intensivas em mão de obra, o custo trabalhista, que há 15 anos girava entre 20% e 30%, subiu para 60%. De outro lado, há os riscos ambientais e jurídicos de levar adiante os projetos. Nos nove lotes a serem concedidos, o governo pretende que sejam duplicados 5,8 mil quilômetros de rodovias, sendo que o maior trecho, de 1,4 mil quilômetros, compreende o lote das BR-163, BR-267 e BR-262, que terá investimentos de R$ 8,7 bilhões. "Estamos interessados nas rodovias, nos aeroportos, e olhando o modal ferroviário, que é novo. No caso das rodovias, é preciso estudar com muito cuidado, porque a concentração de investimentos nos primeiros cinco anos traz grandes desafios até pela duplicação dos trechos, que dependem de questões às vezes alheias aos empreendedores. Pode haver um risco de aumento de custo por conta das obras saindo ao mesmo tempo. A análise é bem complexa", diz o diretor de desenvolvimento de negócios da Triunfo Participações e Investimentos, Dorival Pagani. Outra questão a ser equacionada é em relação ao financiamento dos projetos. Hoje, cerca de dois terços do crédito de longo prazo estão nas mãos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que não terá recursos para apoiar todos os projetos em andamento. "Para este tamanho de investimentos, será preciso ter várias fontes de financiamento, novos atores financeiros, mais instrumentos de renda variável e mais avanços em project finance", diz o diretor de infraestrutura e estruturação de projetos do banco, Roberto Zurli Machado. Os project finances ainda não existem de fato no Brasil, porque, para captar financiamento, as empresas são obrigadas a dar garantias corporativas, e não os rece-bíveis do projeto. "Precisamos melhorar essa questão", diz Avancini, da Camargo Corrêa. A produtividade do setor também tem caído nos últimos anos, apesar da expansão dos investimentos e das novas obras. De um lado, a concepção dos projetos poderia ser melhorada. De outro, a demanda maior esbarrou nos gargalos de mão de obra, o que trouxe pessoas menos preparadas para os canteiros. Nas grandes obras, por conta de ganhos sociais das comunidades, precisa-se de mais gente para tocar um empreendimento. Nas barragens, os funcionários recebem "baixada" (período de folga prolongada) a cada 70 dias. Isso cria desafios, ainda mais em um momento em que o governo pretende licitar muitos empreendimentos, o que pode criar pressões de custos no curto prazo. A Camargo Corrêa criou recentemente uma área de inovação, que está ligada diretamente à presidência. A idéia é criar soluções para melhorar a competitividade. Ainda se trabalha nos principais pontos do programa e em quais serão as metas. "Os custos têm subido muito, aumentar a produtividade é essencial para a sobrevivência e para termos melhores condições de participar dos projetos impulsionados pelas concessões", diz Avancini. O programa de concessões traz novidades que poderão criar um novo paradigma no setor. Na área de rodovias, buscou-se criar contratos que premiam a boa gestão por meio de incentivos. A antecipação de obras pode gerar acréscimo de tarifa. A redução de acidentes com vítimas, quando comparada com outras rodovias, poderá render um acréscimo de até 3% por ano na tarifa. "Isso busca incentivar a gestão", diz o gerente de regulação e outorga da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Erico Guzen. (Roberto Rockmann)