Novas regras não tornam investimento em GT inviável, mas desafiam o setor

Avaliação de agentes é de que mudanças embutem risco e há dificuldades a serem superadas. O cenário atual de redução das receitas de geração e transmissão não atingiu o ponto de tornar inviável novos investimentos, mas impôs uma série de desafios presentes e futuros, na avaliação dos agentes de mercado. Entre esses desafios estão preço a ser pago pelo risco embutido nos novos empreendimentos, os avanços tecnológicos e a necessidade de readequação da matriz elétrica brasileira. “O modelo foi mudado em sua essência: antes tínhamos, em tese, o estímulo à competição na busca da modicidade tarifária. Agora temos o dirigismo governamental para que se atinja a modicidade tarifária, a qualquer custo e com recursos do contribuinte, para o consumidor cativo”, avalia o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, Mário Menel. Apesar das críticas à falta de isonomia no tratamento dado a consumidores livres e cativos, na definição das condições para a renovação das concessões com vencimento até 2017, Menel é otimista e lembra que o grande número de projetos habilitados para participar dos leilões do mercado regulado mostra que o setor ainda é atrativo. “No entanto, desafios socioambientais dificultam o licenciamento e, consequentemente, a disponibilidade de bons projetos hidrelétricos de grande porte para compor uma matriz ótima de expansão do suprimento. Além disso, algumas fontes, como, por exemplo, PCH, passam, neste momento, por sérias dificuldades para viabilizar seus empreendimentos”, completa. Para o executivo da Abiape, o governo dá sinais de que pretende adequar as regras dos leilões, para considerar os benefícios de cada fonte alternativa. “Esses ajustes certamente contribuirão para aprimorar o ambiente de negócios, de modo que os investidores terão maior interesse em participar da ampliação do sistema de oferta de energia”. O diretor-executivo da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica, Cesar de Barros Pinto, observa que a transmissão ainda é um bom negócio, apesar de ter sido bastante afetada pelo corte de receita com a renovação dos contratos de concessão que venceriam nos próximos anos. “Tem problemas? Sim”, responde, antes de citar o atraso em obras, provocado tanto por problemas das empresas quanto por dificuldades na obtenção do licenciamento ambiental. César de Barros lembra que recentemente o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Romeu Rufino, manifestou preocupação com a necessidade de ampliação do prazo de entrega dos empreendimentos, que hoje varia de 16 meses a 36 meses. “Um dos aspectos do atraso é a demora no licenciamento”, afirma o executivo. Barros acredita quer a solução ideal seria a licitação de empreendimentos com a licença prévia, como acontece nas concessões de geração. “Mas ninguém, por incrível que pareça, fala nisso”, diz. A expansão do sistema já tem no presente um grande desafio, que é atender os empreendimentos eólicos, área nova e diferente para as empresas de transmissão. Em termos tecnológicos, as transmissoras terão ainda pela frente a tarefa de se preparar para trabalhar em breve com redes de ultra alta tensão, no momento em que a queda na receita as obriga dispensar profissionais bem preparados e a terceirização torna-se inevitável com a redução de quadros. “Os problemas de falhas nos sistemas de proteção é um reflexo disso”, afirma o executivo, em referência às ocorrências de desligamentos registradas em instalações da Rede Básica do Sistema Interligado, a partir do segundo semestre do ano passado. Ele observa que esse é um problema a mais para resolver, mas a solução é possível. Menel, da Abiape, afirma que a perda da oportunidade da construir usinas com reservatórios adequados vai conduzir o país na direção de uma matriz futura diversificada, com participação significativa de energias renováveis, como eólica e biomassa, complementada por energia térmica de fontes fósseis, como gás natural e carvão. O representante dos autoprodutores vê como uma incógnita a participação de usinas termonucleares, mas aposta no crescimento da energia solar térmica e fotovoltaica. “É uma pena que o melhor aproveitamento dessas fontes não esteja suportado por um maior volume de armazenamento de água, fato que facilitaria a gestão dos potenciais energéticos existentes no país”, lamenta. O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica, Flávio Neiva, observa que a mudanças de regra aprovadas recentemente para o setor elétrico impactam em diferentes graus as usinas que tiveram as concessões prorrogadas pelos critérios da Lei 12.783; as concessões anteriores à lei 10.848, que trabalham em regime de preços; e os novos empreendimentos resultantes dos leilões de energia nova. Neiva acredita que alguns pontos das normas atuais podem ser aprimorados, mas destaca que ainda assim “o modelo mostrou-se capaz de atrair os investimentos necessários, seja através de recursos provenientes de empresas públicas ou privadas”, por adotar fontes de financiamento com regras específicas, que têm possibilitado os investimentos. O executivo destaca, no entanto que a imposição de custos adicionais aos geradores, que passaram a assumir parte dos gastos com a geração termelétrica fora da ordem de mérito, podem encarecer o preço da energia vendida hoje nos leilões. A inclusão do segmento no rateio desses custos está prevista na Resolução nº 3, do Conselho Nacional de Política Energética. “Até a nova regulamentação e seus efeitos serem assimilados, os investidores poderão ter sua percepção de risco alterada, demandando uma maior taxa de retorno dos investimentos, de modo a contemplar esse novo cenário”, avalia. Flávio Neiva vislumbra uma configuração do sistema ainda apoiado nas hidrelétricas, mas complementada por fontes relevantes como a térmica e as fontes alternativas. Todas, em sua visão, tem papel importante na matriz. Neiva revela a expectativa de que a expansão do sistema aconteça de acordo com as previsões do Plano Decenal de Energia e contribua para eliminar gargalos e melhorar as condições de operação, “sem que se negligencie nenhuma das fontes primárias disponíveis no Brasil.” Para o presidente do conselho de administração da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Luiz Fernando Vianna, o modelo do setor elétrico mudou em vários aspectos, com a publicação da Medida Provisória 579 em setembro do ano passado. Vianna diz que houve excesso de otimismo, e a frustração da expectativa de adesão total das empresas às regras de renovação das concessões levou o governo a editar uma série de normas posteriores para garantir o desconto na tarifa de energia, que trouxeram apreensão e insegurança aos investidores. “Lamentável foi o fato de a mudança não ter sido conduzida, como em 2004, quando a presidente Dilma era ministra de Minas e Energia, e a implantação do novo modelo foi precedida de amplo debate com o setor, por intermédio de suas associações”, afirma o executivo. Segundo Vianna, “a área de geração foi duramente atingida pelas recentes mudanças.” A despeito disso, o presidente da Apine garante que os produtores independentes acreditam e pretendem continuar investindo, mas é necessário evitar medidas pontuais para corrigir problemas no setor e propor ajustes estruturais necessários ao modelo setorial. A definição de regras adequadas para os leilões também é fundamental na decisão de investimento dos geradores. “As condições gerais de participação e taxas de retorno atrativas são fundamentais para que o país possa dispor dos investimentos necessários na área de geração, para fazer frente ao continuo crescimento da sua carga. A baixa atratividade do último leilão de transmissão foi um alerta”, adverte. O dirigente da Apine diz que o sistema elétrico brasileiro também mudou. Destaca também que o país tem um sistema hidrotérmico ea tendência para o futuro é de que as termelétricas tenham participação ainda mais forte no suprimento da carga. As questões relevantes das atividades de geração e transmissão de energia elétrica serão discutidas durante o 10º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), copromovido pelo Grupo CanalEnergia e 16 associações representativas do setor, que acontece nos próximos dias 21 e 22 de maio, no Rio de Janeiro. (Sueli Montenegro)