Para advogados, regras afastam estrangeiros de leilão do campo

As empresas de petróleo continuam dizendo que precisam de tempo para analisar o edital, mas advogados ainda vêm dificuldades para o leilão ser atraente para um número grande de empresas internacionais de capital aberto. Entre os pontos ainda criticados estão a inexistência da possibilidade de recuperar investimentos iniciais no curto prazo. Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), se for considerada inflação de 6% ao ano - um pouco abaixo do teto da meta de inflação do governo - ao longo de quatro anos, 30% do investimento inicial para começar a produção de petróleo na área não será corrigido. Isso porque o governo permitirá recuperação apenas de 50% nos dois primeiros anos, e de 30% dos custos nos anos seguintes. O fato preocupa as empresas estrangeiras. A estimativa da indústria é que para colocar Libra produzindo uma média de 1,2 milhão de barris/dia, a partir de 2030, serão necessários entre US$ 72 bilhões e US$ 84 bilhões para 12 sistemas completos, e de US$ 90 bilhões a US$ 105 bilhões, para 15 sistemas. A conta considera que cada sistema completo (incluindo uma plataforma FPSO, poços perfurados e sistemas submarinos) custará entre US$ 6 bilhões e US$ 7 bilhões. Giovani Loss, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho,Marrey Jr e Quiroga Advogados, acha o contrato restritivo. Ele chama a atenção para o fato de serem cobrados R$ 2 milhões pelo pacote de dados, quando o valor cobrado pelos dados de todas as bacias oferecidas na 11ª rodada foi de R$ 1,2 milhão. Isso já é restritivo, para o cliente estrangeiro pensar em participar, diz Loss. O advogado estranha a ausência de uma versão em inglês do edital e da minuta do contrato, quando o prazo para comentários é de dez dias. Alguns clientes pediram tradução das mais de 200 páginas, o que começou ontem. Loss também criticou o critério técnico, que exige, para qualificação financeira dos interessados no leilão, patrimônio líquido no Brasil de R$ 544 milhões - no caso de empresas qualificadas como operador A - e de R$ 277 milhões - para empresas qualificadas como B. Segundo Loss, esse critério tira do páreo muitas empresas brasileiras e até as gigantes japonesas Mitsui, Sumitomo e Mitsubishi, nenhuma delas qualificada como operador na 11ª rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em maio. "Não faz sentido ter um critério operacional alto, com exigências que vão restringir a participação no consórcio de empresas que não são petroleiras, quando o objetivo é atrair capital e o operador será sempre a Petrobras ", diz o advogado. "Exigir uma empresa nível A até entendo, pois permite a troca de conhecimento técnico. Mas não vejo sentido na exigência de alta qualificação para todas as empresas do consórcio", disse. Leonardo Miranda, do escritório Machado Meyer, vê problemas na forma como a minuta do contrato trata a cessão de direitos ("farm in" e "farm out", que significam venda de participação, ou o todo, em uma área). "Há um direito de preferência na cessão, sendo que a definição de cessão está bastante ampla, alcançando reorganizações societárias etc. O direito de preferência deverá recair somente sobre participações", diz ele, que sugere esclarecimentos. Newton Monteiro, ex-diretor da ANP, vê uma "duplicação de tarefas" entre a agência reguladora e a Pré-Sal Petróleo (PPSA) considerando que a ANP não participará da composição do comitê operacional do consórcio. Pela lei da partilha (12.351/2010), o comitê operacional será composto por representantes da PPSA e dos demais consorciados, sendo que a empresa pública indicará a metade dos integrantes (inclusive o presidente) e o restante fica a cargo dos demais sócios. No geral, o ex-diretor da ANP acha que o contrato é muito bom para a Petrobras, que será a operadora de todas as áreas de partilha. "Não creio que esses parâmetros seriam aceitos por um outro país onde o operador não fosse a companhia petrolífera estatal", diz o especialista. Monteiro também observa que pelo tamanho (8 bilhões a 12 bilhões de barris recuperáveis de petróleo), Libra será produtivo bem depois de encerrado o contrato de 35 anos. "Considerando o histórico de desenvolvimento e operação de campos com esse volume de reservas, agravado pelas condição geográficas onde se encontra Libra, provavelmente ele terá um período de produção econômica de no mínimo 80 anos. O consórcio portanto terá que se contentar em usufruir somente cerca de 40% dessa reserva e provavelmente o operador (Petrobras) será beneficiado com os restantes 60% já livre dos pesados investimentos em construção de facilidades de produção, perfuração de poços e logística de escoamento", observa Monteiro. (Cláudia Schüffner)