Pré-sal terá outorga fixa e 1º leilão pode superar R$ 10 bi

O valor do bônus de assinatura no leilão de Libra, o maior reservatório de petróleo já oferecido para partilha de produção no mundo, será fixo e não será um diferencial nas propostas. A possibilidade de o bônus compor a regra que vai definir o vencedor da disputa era uma das dúvidas que companhias e advogados levantaram sobre os detalhes do contrato para a Primeira Rodada de Licitações do Pré-sal, marcada para outubro. Magda Chambriard, diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), explicou ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, que a minuta do contrato deve ser finalizada na próxima semana, já que faltam pequenos ajustes. Ela adiantou que o contrato deve estabelecer um bônus único, um Programa Exploratório Mínimo (PEM) único e percentual de conteúdo local fixo, ou seja, não vai haver disputa nesses três quesitos. A oferta vencedora será aquela que oferecer a maior parte do lucro em óleo ou excedente em óleo, como menciona a Lei 12.351. Ou seja, uma oferta de 82% do lucro, deduzidos custos e royalties, ganhará daquela que oferecer 78%, por exemplo. São esperados valores bilionários para a licença de exploração por 35 anos de um reservatório já descoberto com estimativa de ter entre 8 bilhões a 12 bilhões de barris de petróleo recuperáveis. O leilão também deve ter impacto sobre o orçamento de investimentos da Petrobras, já que ela terá, por lei, que participar com um percentual mínimo de 30%. A estatal reservou US$ 24,3 bilhões para investir em exploração (o que inclui bônus de assinatura nos leilões) em seu plano de negócios para 2013-2017, uma média anual de US$ 4,86 bilhões. Recentemente o banco Itaú BBA projetou em um relatório que o governo deve fixar o bônus entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões. Para se ter uma comparação, a arrecadação da 11ª Rodada, realizada em maio, com bônus de assinatura foi de R$ 2,8 bilhões. "A motivação do governo brasileiro em antecipar a rodada do pré-sal para outubro é melhorar o superávit primário", afirmam os analistas Paula Kovarsky e Diego Mendes, que assinam o relatório. O governo central prevê obter um superávit de R$ 108 bilhões em 2013. O Ministério de Minas e Energia não confirma valores para o bônus. Em resposta a pedido do Valor, a assessoria lembrou que ele será definido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e que "qualquer discussão prévia é prematura". Independentemente do valor, a Petrobras vai arcar com uma parte. Se quiser, a estatal poderá disputar sozinha ou com parceiros os 70% restantes. No caso de Libra, a própria companhia já disse que se ele fosse oferecido, ela poderá ter mais do que o percentual mínimo. Por isso, não será surpresa se a Petrobras concorrer em consórcio ou sozinha para disputar os 70% da área que não são reservados a ela com exclusividade. Considerando-se os valores mencionados pelo Itaú BBA, a estatal gastaria entre R$ 3 bilhões e R$ 6 bilhões considerando-se apenas sua participação mínima legal, ante os R$ 537,9 milhões gastos na 11ª Rodada. Ao oferecer Libra, o governo brasileiro sabe que está oferecendo um ativo único. Um reservatório dessas dimensões, já descoberto e sem risco exploratório está chamando a atenção das empresas de petróleo de várias nacionalidades. Como lembra Magda, considerando-se o volume intermediário de 10 bilhões de barris, o Brasil oferecerá para exploração e produção uma reserva equivalente a dois terços das reservas de petróleo que o país demorou 60 anos para acumular. Hoje o Brasil tem reservas provadas de 14,5 bilhões de barris de petróleo, sem contar o gás. Executivos da indústria procurados pelo Valor admitem que o Libra é excepcional, mas pedem pressa nas regras. "O diabo mora nos detalhes", lembrou um deles. O ministério informa que a "meta" é que todos os documentos sejam divulgados em torno de 4 meses antes da realização do leilão, que será em outubro mas ainda não tem data. Faltam definições a respeito de, por exemplo, sobre que procedimentos contábeis as despesas poderão ser lançadas como custo recuperável ou não - podendo assim ser deduzidas. São questões importantes para que as empresas saibam que gastos podem ser contabilizados como "cost oil" (custo em óleo). Esses valores, assim como os royalties de 15%, serão deduzidos da receita que será paga ao governo como "profit oil" (excedente em óleo). A ANP entregou em abril do ano passado um modelo de contrato que já foi analisado pelos ministérios de Minas e Energia, Planejamento, Fazenda e Casa Civil. Além do desconhecimento sobre o contrato, também sobram dúvidas sobre a Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA). Apesar de ter uma participação fundamental no consórcio que ganhar a concessão, essa empresa ainda não foi criada pelo governo. Não se sabe em que níveis se dará a interferência da PPSA no consórcio, que riscos ela vai compartilhar, nem quem serão seus dirigentes. Essa empresa pública não investirá no consórcio mas tem poder de veto e voto qualificado, sendo também responsável pela fiscalização do contrato. "É urgente a necessidade de a ANP divulgar de uma vez a sua minuta, para que seja conhecida, debatida, questionada, comentada e, onde for necessário, melhorada, tudo isso a tempo da primeira rodada do pré-sal. Todos os agentes, de lado a lado, sabem que os questionamentos estarão essencialmente nos poderes ou privilégios concedidos à Petrobras e à empresa pública gestora , que de certa forma controla os órgãos de governança", afirma o advogado Leonardo Miranda, sócio do escritório Machado Meyer Sendacz Opice. Um dos maiores especialistas em legislação de óleo e gás no Brasil, o advogado Giovani Loss, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, destaca o fato de não estar claro como vai funcionar a responsabilidade das partes no consórcio no caso de um desastre ambiental, por exemplo. "Pelo direito brasileiro se aplicaria responsabilidade objetiva. Por outro lado, o modelo de partilha tenta retirar qualquer tipo de risco da PPSA. Portanto, não está claro como se afastaria a responsabilidade ambiental dessa empresa, já que ela participa das decisões e dos benefícios", afirma Loss, chamando a atenção para o tipo de interferência dessa companhia. Carlos Maurício Maia Ribeiro, do escritório Vieira Rezende, lembra que a atratividade do leilão vai depender dos parâmetros técnicos e econômicos que ainda não são conhecidos. Mas, mesmo diante de tanta incerteza, o advogado acha que a recompensa com Libra será enorme, mas ainda não está claro para ele se o leilão vai atrair as grandes companhias do setor. "Tenho dúvida quanto aos grandes operadores. Vejo muito interesse de financiar por parte de investidores financeiros", afirma Ribeiro. Ele também se diz curioso para ver, no contrato, se o presidente da PPSA terá "poderes imperiais" sobre questões muito técnicas. "Isso seria um problema", observa. (Cláudia Schüffner)