Preço do gás prejudica a intenção de investimento

A revolução do gás de xisto nos Estados Unidos, onde os preços do insumo energético chegam a custar entre US$ 2 a US$ 3 o milhão de BTU, um quinto do apurado no Brasil, cria uma incógnita sobre o futuro de curto e médio prazo do gás natural para grandes consumidores do insumo, como petroquímicas, fabricantes de cerâmica e vidro. "A China tem as maiores reservas do mundo de xisto. Se conseguir gás barato para a sua indústria como os americanos fizeram, o Brasil perderá de vez a condição de competir, porque hoje temos gás caro e com baixa disponibilidade", afirma Lucien Belmonte, superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro). Além do preço alto, os industriais enfrentam outro problema: dificuldade em fechar acordos firmes de longo prazo, em razão da baixa disponibilidade de gás natural para fins industriais e da cada vez maior dependência do setor elétrico em aumentar sua segurança pelo uso mais intenso das usinas termelétricas na base do sistema. Para ampliar a oferta, o governo irá realizar em novembro um leilão não convencional de jazidas, o que deve reforçar a exploração de gás de xisto no Brasil. Mas, mesmo se bem-sucedida a licitação, esse gás irá levar tempo para ingressar na matriz energética. "Isso demora de cinco a sete anos. E o que acontecerá nesse meio tempo em que os Estados Unidos poderão se tornar exportadores de shale gas, que então poderá se tornar uma commoditie?", questiona Belmonte. Um consultor que tem trabalhado com uma empresa estrangeira de química fina interessada em investir no Brasil diz que seu cliente tem entre suas principais preocupações a existência de oferta firme de gás nos próximos dez anos e o preço do insumo nesse período no Brasil. Além das jazidas de xisto, o pré-sal poderá representar mais oferta de gás, mas o preço desse gás é um mistério. Os poços do pré-sal têm óleo associado ao gás, mas os custos de transporte serão elevados, porque os poços estão até 300 quilômetros da costa. "As perspectivas maior acréscimo na oferta no fim da década são positivas, mas, além da dúvida em relação ao preço, o gás ganhou uma importância grande na geração de energia elétrica, o que faz com o setor elétrico possa ter prioridade para ter parte da oferta", destaca o consultor. Nesse cenário, a empresa ainda quer estudar com mais profundidade o tema antes de aplicar seus recursos na construção de uma unidade no Brasil. Por conta dessas preocupações, empresários têm começado a defender maior concorrência imediata no setor de gás, o que significa a redução do poder da Petrobras no segmento, que hoje participa de vários elos da cadeia, da exploração ao transporte e distribuição do insumo. "A decisão da Petrobras de vender ativos para se capitalizar pode ser uma excelente oportunidade para um mercado que sempre foi tratado de forma secundária pela empresa: o gás natural. Isso poderia incluir a venda de todos os ativos de transporte e distribuição de gás natural do mercado doméstico para a iniciativa privada, daria maior competitividade e favoreceria a expansão do mercado do gás natural no Brasil", afirma o diretor de infraestrutura da Fiesp, Carlos Cavalcanti. Há três semanas, deputados e empresários de setores eletrointensivos foram a Brasília conversar com o ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, expor essas preocupações e defender maior concorrência no setor de gás. A desverticalização poderia ser uma saída mais imediata, caso a União, controladora da estatal, decidisse por esse caminho. A malha de gasoduto de transportes da Petrobras estaria avaliada entre R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões, segundo um consultor. Outra distorção tem alimentado preocupações. No Brasil, hoje há dois tipos de gás: o insumo produzido nas jazidas nacionais e o importado da Bolívia. Há também dois preços diferentes para cada um deles, sendo que o importado da Bolívia chega a custar US$ 1 a mais por milhão de BTU que o nacional. Empresas de São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Santa Catarina seriam as mais afetadas. O assunto preocupa governos estaduais e empresários. "Isso realmente é uma distorção e precisaria ser sanado", diz o secretário de Energia do Estado de São Paulo, José Aníbal. O contrato de renegociação do Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol), que expira em 2019, também é objeto de preocupação. "O Brasil precisaria ter condições de renegociá-lo para que os preços pudessem cair", diz Marco Tavares, da Gas Energy. Com as reservas do pré-sal e a expectativa positiva em relação ao leilão de gás não convencional, o governo espera ter um acréscimo relevante da oferta do insumo nos próximo cinco a sete anos, o que daria musculatura para o governo brasileiro reduzir o preço do gás importado da Bolívia. O Gasbol tem capacidade de 30 milhões de metros cúbicos dia. (Roberto Rockmann)