Problema antigo, defasagem no preço da gasolina vai a 25%

A defasagem do preço da gasolina na média do mês de agosto já chega a 25,3% em relação aos preços praticados na região do Golfo do México americano, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Na quarta-feira, a marca chegou a 28,2% na gasolina e 28% no diesel. A conta foi feita antes da desvalorização cambial de ontem, quando o dólar valeu R$ 2,43. Curiosamente a diferença atual é parecida com a do fim de março do ano passado, quando o dólar estava próximo de R$ 1,82 e a Petrobras vendia gasolina e diesel também com desconto de 28%. Naquela ocasião, a distorção era causada pela alta do petróleo no mercado internacional, mais do que o câmbio como é o caso de agora. O problema está afetando as contas da Petrobras, pois a alta do dólar elevou a diferença entre os preços de importação e de venda de derivados no Brasil e aumentou a pressão no caixa da companhia, que precisa atender ao aumento do consumo de combustíveis no Brasil. A demanda atual supera a capacidade de produção das refinarias instaladas no país. No Plano de Negócios da estatal, o dólar médio previsto para 2013 é de R$ 2 e a taxa de longo prazo, de R$ 1,85. Até ontem, contudo, a taxa média de câmbio de mercado deste ano já estava em R$ 2,095, ultrapassando a média estimada pela companhia. No fechamento de ontem, o dólar estava em R$ 2,4320, uma das maiores cotações desde 2008. A diferença entre os preços de importação e de venda no mercado doméstico provocam perdas mensais entre de R$ 600 milhões a R$ 700 milhões para a estatal, segundo cálculos do banco Itaú BBA, enquanto o HSBC chama a atenção para perdas de US$ 2 bilhões a cada trimestre no negócio de refino e comercialização de derivados. Já o CBIE projeta valores de até R$ 800 milhões por mês. A diferença de projeções se deve à dificuldade de calcular volumes e valores exatos dos produtos adquiridos pela companhia no exterior, assim como os custos com internação no país e utilização de estoques em várias regiões. Enquanto o preço atual de venda dos combustíveis representa perdas para o caixa da Petrobras, os consumidores pagam preços elevados nas bombas dos postos de combustíveis. Ali, cada litro de gasolina C (onde 75% são gasolina A e 25% etanol) custa em média R$ 2,834, segundo o último levantamento da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Desse valor, contudo, somente R$ 1,0089 fica com a Petrobras. Os impostos federais representam 7% desse custo, enquanto o ICMS representa, em média, 25%, segundo estimativas do Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis. Somadas, as margens de revenda (postos) e distribuição ficam com 18,5% do preço da gasolina na bomba. Ao consumidor, segundo uma comparação mundial de preços feita pela Petrobras com preços de 2012, o preço do litro da gasolina vendida no Brasil estava próximo de US$ 1,45. Nos Estados Unidos, era bem mais barato, cerca de US$ 0,90. O preço recebido pela Petrobras, contudo, era menor do que o preço recebido pelas petrolíferas americanas. Enquanto nos EUA a fabricante de combustível recebia US$ 0,76 (aproximadamente) por litro de gasolina, a estatal brasileira ficava com US$ 0,48. Além das margens menores nos Estados Unidos, a tributação incidente sobre o combustível é algo próximo a 8%, enquanto no Brasil a soma dos tributos federais e estaduais representa mais de 32% do preço final. Um levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) com preços no Brasil e Estados Unidos, praticados nos últimos cinco anos e meio, mostra que a maior defasagem aconteceu em setembro de 2008, quando a gasolina vendida no Brasil custou 27,5% menos que no mercado americano. Em abril de 2012 a defasagem média foi de 26,5% e a situação de agora é similar. Adriano Pires lembra que o único período em que o país praticou preços equiparados aos do mercado internacional foi entre julho de 1998 e dezembro de 2001. Em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras deixou de ajustar os preços do gás de cozinha (GLP). Em 2003, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o preço caiu por meio de redução da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que caiu de R$ 0,28 por litro para R$ 0,23. Até 2007 e antes da crise de 2008 a defasagem não era tão intensa. Em 2010, o governo optou por reduzir a Cide para reduzir o preço dos combustíveis sem prejudicar demais a estatal. Depois, a alíquota foi zerada em junho de 2012, não havendo mais como usar esse recurso. Sem novos reajustes, a Petrobras está enfrentando o problema de uma forma que preocupa analistas que acompanham a empresa com lupa: está vendendo ativos de produção no Brasil e exterior para "queimar" essas receitas com subsídios, ao invés de se desfazer de negócios não tão importantes como refinarias (tem Pasadena no Texas e Okinawa no Japão) e campos maduros com pequena produção que são incompatíveis com o tamanho da empresa. "A situação é dramática porque ela troca investimento por custo. A Petrobras está vendendo ativos de produção para pagar pela importação de combustíveis, porque não gera receita por meio do negócio", lamenta o economista Adriano Pires, que participou da criação da ANP e hoje é sócio do CBIE. (Cláudia Schüffner) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Governo tem espaço para dar reajuste e cumprir meta. O último reajuste de preços da gasolina entrou em vigor no dia 30 de janeiro e foi de 6,6% para o preço na refinaria. De lá até março, os preços ao consumidor (nos postos) acumularam aumento de 4,48%. Desde então, todos os meses, a concorrência e a influência do preço do etanol na gasolina ajudaram a baixar esse percentual. Depois de quatro meses seguidos de queda no preço do combustível, quando acumulou uma deflação de 2,1%, a inflação da gasolina chegou a julho em 2,32%. Olhando apenas para a gasolina e a inflação, o governo ainda teria espaço para acomodar um reajuste de até 10% na gasolina este ano, sem estourar o teto superior da meta de inflação, de 6,5%. O problema, dizem os economistas, é que do lado da Petrobras, esse reajuste dará um ajuda pequena e o aumento pode ser rapidamente corroído pelo câmbio; e do lado da inflação, a conta do dólar pode ficar maior que o esperado. A concorrência entre os postos de combustíveis, o frete e o comportamento do preço do etanol tornam difícil cravar qual o impacto que um reajuste de preços dos combustíveis tem na inflação ao consumidor e especialmente no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que baliza o sistema de metas de inflação. De acordo com objetivo informal do governo, o IPCA deveria ficar este ano abaixo dos 5,84% do ano passado. O peso atual da gasolina no IPCA é de 3,85 pontos percentuais. Em uma conta simples, se a gasolina subisse 10% e todo preço chegasse ao consumidor, ele provocaria uma alta de cerca de 0,38 ponto percentual no IPCA após 30 dias. Considerando a estimativa do mercado, de alta de 5,74% do indicador no fim de 2013, pelo boletim Focus, o impacto não levaria o índice a superar os 6,5% no ano. Um cálculo da LCA Consultores mostra como seria custoso diminuir ou acabar com a diferença entre os preços nacional e internacional da gasolina. Um reajuste expressivo de 14,2% nas refinarias reduziria em apenas 50% a defasagem entre os preços de realização da Petrobras e aqueles praticados no Golfo do México, usados como referência para a cotação externa do combustível. No monitor de inflação da LCA desta semana, Francisco Pessoa, sócio-diretor da consultoria, avalia que um reajuste que compense integralmente a defasagem dos preços domésticos e externos da gasolina é pouco provável porque o impacto seria muito significativo na inflação. A consultoria espera alta de 8% na gasolina, apenas, o que teria impacto de 0,32% no IPCA. A LCA também considera que o governo não vai utilizar desonerações tributárias para mitigar o aumento por causa da dificuldade que o Executivo enfrenta para cumprir as metas fiscais deste ano, e também como tentativa de recuperar a credibilidade nas contas públicas. Apenas a gasolina terá aumento de preços, nos cálculos da LCA, porque apesar do peso pequeno do diesel (0,1 ponto percentual) no IPCA, o aumento deste combustível tem uma série de efeitos indiretos sobre a inflação, dos fretes ao alugueis, pelo peso que tem no IGP-M. A LCA elevou sua previsão para o IPCA deste ano de 5,7% para 6%. Após elevar a projeção para a alta do IPCA de 5,9% para 6,1% em 2013 em função da disparada do dólar, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, afirmou ontem que considera incorporar um reajuste da gasolina em seu cenário inflacionário neste e no próximo ano. "Estou pensando seriamente nisso", disse Goldfajn durante apresentação das projeções econômicas do banco referentes ao terceiro trimestre. Com a valorização da moeda americana, que eleva a defasagem entre os preços nacional e internacional dos combustíveis e prejudica o caixa da Petrobras, o economista afirmou que a probabilidade de um novo aumento da gasolina "está aumentando todo dia". Caso haja um reajuste, Goldfajn avalia que a correção será de um dígito. "A defasagem é maior do que isso, mas o espaço de manobra diminuiu, porque ele está lutando para a inflação cair e, ao mesmo tempo, precisa reajustar a gasolina para a defasagem não aumentar", disse o economista do Itaú. Não fosse a recente desvalorização cambial, o Banco Central poderia conseguir cumprir seu objetivo de entregar este ano um IPCA menor do que os 5,84% registrados no ano passado, na opinião de Goldfajn. Nos cálculos do Itaú, cada 10% de depreciação do real adiciona 0,75 ponto percentual ao IPCA num horizonte de 12 meses. Com dólar em R$ 2,45 ao fim do ano nas estimativas do banco, a descompressão da inflação deve durar somente até agosto, quando o IPCA deve subir 0,25%, previu ele. A partir daí, os preços vão incorporar o repasse do dólar mais caro. (Denise Neumann, Tainara Machado e Arícia Martins)