Produção de gás de xisto ainda demora, dizem especialistas

As condições objetivas, incluindo tecnologia, infraestrutura de transporte, mercado consumidor e impactos ambientais, para a exploração e consumo de gás de xisto, ou gás não convencional no Brasil, recomendam cautela aos mais eufóricos com a nova fonte que vem transformando o mercado norte-americano de energéticos nos últimos anos, dizem os especialistas. O geólogo Olavo Colela Junior, assessor da diretoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP), disse ao Valor que estima em dez anos o prazo necessário para que o país venha a ter alguma produção do gás se forem confirmadas perspectivas favoráveis em alguma das cinco bacias sedimentares mais promissoras. O primeiro leilão de áreas voltadas para a nova tecnologia será feito nos dias 30 e 31 de outubro. No mesmo sentido, um estudo de 55 páginas elaborado por cinco técnicos do Departamento de Gás, Petróleo e Bens de Capital sob Encomenda do BNDES, liderados pela chefe do departamento, Priscila Branquinho das Dores, alerta que o "boom" verificado nos Estados Unidos resulta de pesquisas que vêm desde a década de 1970. No Brasil é necessário investir em tecnologias, pesquisa e desenvolvimento, dadas as peculiaridades das bacias sedimentares domésticas e a carência de estudos sísmicos. Eles recomendam também a necessidade de saber da disponibilidade no mercado dos equipamentos específicos para a exploração e produção de gás de xisto. E sugerem também que regras, como a de conteúdo nacional, podem ser diferentes nas licitações para áreas de gás não convencional. O BNDES também recomenda que o país desenvolva polos industriais nas proximidades das reservas para que o aproveitamento do gás estimule investimentos em gasodutos. Hélder Queiróz, diretor da ANP, acha prematuro falar em polos industriais antes de se conhecer os volumes de gás que serão descobertos, frisando que a agência quer começar essa exploração para aumentar inclusive o conhecimento geológico sobre as bacias. "O importante é que o país precisa reduzir sua dependência. Se fala muito em autosuficiência do petróleo, mas importamos gás da Bolívia e Gás Natural Liquefeito (GNL) e existe demanda reprimida nos setores industrial, petroquímico e para as térmicas, já que o perfil da matriz energética está mudando", afirma Queiróz. O desconhecimento no Brasil dessa alternativa de reservatórios desse gás é tamanha que até a estimativa de reservas recuperáveis mencionadas pela própria ANP e pelo BNDES foi feita pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos e pela Agência Internacional de Energia. Segundo essa estimativa, o Brasil teria 6,4 trilhões de metros cúbicos de reservas recuperáveis de gás de xisto, o que o colocaria em décimo lugar no mundo em uma estatística liderada pela China, com 36,1 trilhões, seguida pelos Estados Unidos (24,4 trilhões), Argentina (21,9 trilhões) e México (19,3 trilhões). As bacias sedimentares brasileiras mais promissoras são as do Recôncavo Baiano, do Parnaíba (abrange áreas do Maranhão, Piauí, Tocantins, Bahia e Ceará), Parecis (Mato Grosso), São Francisco (Minas Gerais e Bahia) e Paraná. Embora no São Francisco já haja várias empresas como a Petra, a Cemig, a Imetame, a Shell, a Orteng, a Delp pesquisando gás em 39 blocos exploratórios - adquiridos para procurar gás convencional- Colela, da ANP, avalia que se o Brasil vier a produzir gás de xisto vai começar pelo Recôncavo baiano, a área com melhor infraestrutura de petróleo e onde já existe refinaria, polo petroquímico e planta de fertilizantes, ou seja, condições de produção e demanda. Além disso, ele ressalta que os EUA começaram sua produção do gás em áreas maduras de produção de petróleo, situação semelhante, em tese, à baiana. O fato de já haver poços verticais perfurados poderia ser uma condição de barateamento da perfuração na Bahia. A questão é saber se no Recôncavo, como nas demais áreas promissoras do Brasil, a geologia favorece o uso da tecnologia necessária à produção do gás de xisto. Lincoln Quardado, presidente da maior produtora privada de gás do Brasil com 6,6 milhões de metros cúbicos por dia no campo de Manati (BA), a Queiroz Galvão Exploração e Produção (QGEP), diz que a empresa, assim como toda a indústria, está atenta à 12ª Rodada da ANP. Mas acha importante que governo, consumidores e exploradores consigam gerenciar expectativas. "O gás de xisto no Brasil ainda é uma solução regional, não é ainda, no curto prazo, uma solução de país. No início vai faltar um pouco de infraestrutura, um pouco de regulação, e também uma legislação aplicável que permita ter essa flexibilidade", diz Guardado. O executivo continua alertando que não existem gasodutos hoje capazes de escoar gás da bacia do Parnaíba para São Paulo. "Mas será razoável exportar energia, por exemplo, para Minas que tem a bacia do São Francisco. É esse prisma que se dá para que a gente comece com essa indústria", diz. Entre as dificuldades, ele menciona obter água para perfurar poços usando tecnologia de fraturamento hidráulico. "Imagina no Piauí, no alto sertão, onde vamos arrumar 1 milhão de litros de água para fraturamento? Serão necessários 60 a 70 caminhões de água para cada poço", observa. Do lado dos consumidores, o superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, torce pela entrada de novos ofertantes de gás no mercado brasileiro e que as bacias com potencial para gás de xisto consigam se tornar produtivas em um curto período de tempo. "Mas tenho dúvidas de que se consiga repetir no Brasil o sucesso americano. Não temos gasodutos, não temos perfuratrizes e não vai resolver colocar térmicas na cabeça dos poços. Acho que o sucesso americano não é replicável", diz. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Exploração envolve riscos ambientais. Ao longo de quase três décadas os Estados Unidos concederam incentivos fiscais e estímulos a pesquisas que resultaram no desenvolvimento da tecnologia básica para a produção de gás de xisto de forma rápida e eficiente. O resto ficou por conta da elevação do preço do petróleo a níveis superiores a US$ 100 por barril, que estimulou o uso da nova tecnologia para a produção de gás em larga escala. O principal incentivo americano para a exploração e produção de gás convencional, US$ 0,50 por metro cúbico produzido, foi criado em 1980 e só foi retirado em 2002, quando a empresa Mitchell Energy produziu pela primeira vez gás em escala comercial no campo de Barnett. A informação consta de estudo do Departamento de Petróleo e Gás do BNDES. A tecnologia que vem sendo classificada como revolucionária consiste na perfuração de poços horizontais, a partir de poços verticais (de cada poço vertical derivam vários horizontais, em diversas direções), e no fracionamento da rocha sedimentar por meio de explosões controladas, seguido de injeção de uma mistura de água, areia e produtos químicos. A extração do gás de xisto, diz o geólogo Olavo Colela Junior, da Agência Nacional de Petróleo (ANP), é feita diretamente da chamada rocha fonte (ou rocha mãe, ou rocha geradora), a formação geológica básica para que haja hidrocarboneto no subsolo de uma região. "Resta saber se no Brasil ela tem condições de fracionamento", diz Colela. Ele explica que essas condições são definidas pela profundidade em que a rocha fonte está localizada. No Rio Grande do Norte, por exemplo, onde há campos maduros que em tese poderiam produzir o gás, a rocha fonte tem localização muito profunda. Segundo especialistas, no Paraná, onde a Petrobras produz pequena quantidade de óleo e gás há várias décadas a partir de reservas de xisto betuminoso, a rocha fonte também é muito profunda. O gás de xisto foi inicialmente saudado pelos ambientalistas americanos como uma alternativa de energia limpa ao carvão, usado para geração elétrica. Hoje se debate nos Estados Unidos e no mundo os problemas ambientais decorrente da sua produção - risco de contaminação do lençol freático por produtos químicos, o uso intensivo de água e até a ocorrência de pequenos abalos sísmicos nas áreas exploradas. A França proibiu a tecnologia do fracionamento hidráulico. (Chico Santos e Claudia Schüffner)