Reajuste de combustíveis só alivia o caixa da Petrobras

Os reajustes de 6,6% e de 5,4% para os preços da gasolina e do diesel, respectivamente, aprovados ontem pela Petrobras, e que entram hoje em vigor, aliviam a situação da empresa, mas estão longe de resolver o problema da defasagem entre os preços dos combustíveis importados pela estatal e os cobrados no mercado interno. Segundo especialistas, ainda existe defasagem da ordem de 7% a 12% no preço da gasolina, e de 12% a 15% no diesel, já considerando a recente valorização do real. Segundo o analista Auro Rozenbaum, da Bradesco Corretora, com os reajustes aprovados ontem, a defasagem nos preços diminuiu de 17,3% para 11,8% no caso da gasolina, e de 16,7% para 12,2% no diesel. Rozenbaum calcula que a Petrobras perdia cerca de R$ 2 bilhões por mês com o subsídio, vendendo no Brasil mais barato que o preço de aquisição desses combustíveis no mercado internacional. Com a correção dos preços, a companhia continuará perdendo R$ 1,2 bilhão por mês. Os cálculos estão em linha com as contas do diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Segundo ele, considerando o consumo de combustíveis no Brasil em dezembro, os reajustes provocarão um aumento mensal entre R$ 600 milhões e R$ 650 milhões no caixa da petroleira. O especialista, no entanto, acredita que a defasagem era de 15% na gasolina e 24% no diesel. Para o diretor do CBIE, o governo, acionista majoritário da Petrobras, decidiu pelo reajuste neste momento não só para aproveitar a redução das tarifas de energia, mas para gerar um fato positivo para a companhia às vésperas do resultado anual da empresa, que será divulgado segunda-feira. "Estão divulgando agora o reajuste para agradar o mercado e evitar uma queda brusca no valor das ações da Petrobras, já que o resultado do quarto trimestre será ruim." Em um cálculo estimado considerando o volume de vendas dos dois combustíveis no quarto trimestre de 2012, a Bradesco Corretora estima que, com o reajuste, a Petrobras ainda perderia R$ 4,2 bilhões no último trimestre do ano passado, ante os R$ 6 bilhões projetados para o resultado considerando os preços anteriores. De qualquer modo, como o reajuste só começa a ser aplicado em fevereiro, a perda de 2012 já está consolidada. O Bradesco estima que a Petrobras perdeu cerca de R$ 25 bilhões com a venda de combustíveis a preços subsidiados em 2012. O aumento nos preços da gasolina e do diesel será repassado ao consumidor final, mas o reajuste nas bombas, nos postos, será inferior aos anunciados pela Petrobras nas refinarias, na avaliação de Alisio Vaz, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom). Ele afirmou que existem outros componentes, além da refinaria, que contam para o preço final do produto, como é o caso da mistura do álcool à gasolina e do biodiesel ao diesel. A gasolina leva 20% de álcool, que não aumentou de preço, e o diesel 5% de biodiesel, disse. Além disso, segundo Vaz, é preciso considerar as margens da distribuidora e dos postos. Ele disse que o preço na distribuição é livre, mas se o posto aumenta muito o preço da gasolina ou do diesel termina ficando "fora de mercado". O aumento dos combustíveis pode ter impacto de até 0,3 ponto percentual no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2013, a depender do reajuste nas bombas, segundo economistas consultados pelo Valor. O rejuste, no entanto, já estava nas contas de boa parte dos analistas, assim como a perspectiva de que ocorreria em conjunto com a redução da tarifa de energia. Fábio Romão, economista da LCA, não alterou sua estimativa de alta de 5,6% do IPCA em 2013, já que o reajuste ficou apenas ligeiramente abaixo do que era esperado pelo mercado, de 7% para a gasolina nas refinarias. Levando em conta os efeitos diretos e indiretos da elevação de preço dos combustíveis, a alta anulará quase metade do efeito deflacionário da redução da tarifa de energia elétrica. Para Eduardo Velho, economista-chefe da Planner Corretora, o efeito líquido será um pouco maior, em torno de 0,5 ponto, porque em seus cálculos a queda das tarifas de energia elétrica, de 18% no caso das residências e de até 32% para o segmento industrial, deve "tirar" 0,75 ponto do IPCA de fevereiro. No caso da gasolina, considerando que o reajuste nas bombas será de 5,5%, um pouco menor do que o aumento nas refinarias, o impacto seria de cerca de 0,25 ponto, já considerado o efeito indireto do aumento do diesel. A inflação, assim, poderia cair de cerca de 0,9% em janeiro para alta de 0,4% no próximo mês. Luiz Roberto Cunha, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, diz que a decisão do governo foi correta. "Aproveitou o espaço ganho na inflação com a redução da energia para aumentar a gasolina", afirmou. (Cláudia Schüffner, Rodrigo Polito e Francisco Góes. Colaboraram Marta Watanabe, Tainara Machado e Paola de Moura) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Medida ajuda, mas desafios persistem. Apesar de bem-vindo, o reajuste dos combustíveis não resolve o descompasso que existe entre o caixa da Petrobras e sua necessidade de investimentos. A estatal é uma das empresas com maior volume de novas descobertas de petróleo entre seus pares internacionais e tem reservas suficientes para sustentar o consumo do Brasil por 18 anos. Mas isso não tem sido suficiente para enfrentar os colossais desafios que se apresentam. As perdas da área de refino com o subsídio dos preços da gasolina e do diesel devem ser maiores que o lucro de 2012 - são estimadas em cerca de R$ 25 bilhões. A companhia deve divulgar na segunda-feira uma queda de 2% na produção de petróleo em 2012 provocada pela impossibilidade de produzir em seus campos gigantes da bacia de Campos ao mesmo tempo em que precisava garantir as áreas do pré-sal da bacia de Santos. Uma nova fonte de preocupação é o leilão de áreas sob o regime de partilha de produção, o primeiro do país, marcado para os dias 28 e 29 de novembro. Se um campo do porte de Libra, que ainda é da União, for oferecido para a partilha de produção, a Petrobras, e quaisquer que sejam seus sócios, poderão ter que desembolsar até US$ 10 bilhões. Nesse novo regime, a companhia terá que ser operadora da área com um mínimo de 30%. Por fim, a própria política de preços da companhia segue como um desafio. A Petrobras reiterou ontem que seguirá a prática "que busca alinhar o preço dos derivados aos valores praticados no mercado internacional em uma perspectiva de médio e longo prazo". A lógica dessa política é que a Petrobras pode praticar preços mais baixos que os internacionais durante um tempo, como faz agora, mas que isso é compensados por preços superiores aos de mercado num outro período - como ocorreu no auge da crise internacional, em 2009. No longo prazo, o ágio e o deságio ante a cotação internacional deveriam se ajustar. Ocorre que a Petrobras passou a ter prejuízos seguidos e bilionários na área de abastecimento no segundo trimestre de 2011, depois que Brent passou da linha de US$ 100 por barril, de onde nunca mais saiu. E a situação foi agravada pela alta do dólar. Para que a política de longo prazo da empresa esteja correta, esses prejuízos precisam ser compensados em algum momento. Mas alternativas para isso fogem ao controle da companhia. A primeira é reajustar ainda mais os preços, para níveis acima dos cobrados internacionalmente, para recuperar as perdas. Isso é praticamente impossível, diante do impacto que as elevações teriam na inflação. Outra opção é "torcer" para que o petróleo caia substancialmente no mercado internacional - algo que pode ser desejável no curto prazo, mas que parece contrassenso para uma petrolífera. Por fim, uma queda do dólar, como a baixa de 2,12% que ocorreu nos últimos dias após movimento do Banco Central, também beneficia a companhia, já que diminui o preço dos derivados em reais, reduzindo a defasagem em relação aos preços internacionais. Sobre esse ponto, resta saber em quanto o governo quer apreciar o real. (Cláudia Schüffner, Rodrigo Polito e Francisco Góes)