Redução da conta de luz pode custar R$ 6,7 bilhões para o contribuinte

Parte dos recursos de fundo criado pelo governo para reembolsar empresas do setor cobriu outras despesas. O governo federal não tem mais recursos em fundos setoriais para as indenizações que terá de pagar às empresas do setor elétrico. Essas empresas aderiram ao pacote de renovação antecipada das concessões, que bancou o desconto médio de 20% na conta de luz para os consumidores. A redução foi anunciada por Dilma Rousseff em cadeia nacional de rádio e televisão. Com saldo insuficiente para essa despesa, caberá ao Tesouro Nacional e, em última instância, ao contribuinte, desembolsar pelo menos R$ 6,7 bilhões nos próximos quatro anos para reembolsar as companhias. Parte do dinheiro do fundo que foi criado para indenizar as concessionárias foi transferido para bancar outra despesa. Em maio, R$ 2,5 bilhões saíram da Reserva Global de Reversão (RGR) para outro fundo, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que financia o gasto com as usinas térmicas, programas para a população de baixa renda, Luz para Todos e alguns subsídios. Essa operação, descoberta pelo Estado, vem sendo mantida sob sigilo pelo governo. O motivo da transferência é que a CDE não tinha saldo suficiente para pagar as despesas com as térmicas e com subsídios que tiveram de ser elevados porque Cesp, Cemig e Copel não quiseram renovar suas concessões.Com a operação, o saldo da RGR baixou para algo em torno de R$ 2,4 bilhões. Conforme dados da movimentação financeira do fundo, o governo pagou R$ 7,9 bilhões em janeiro para as empresas que optaram por receber o dinheiro à vista. Restavam R$ 12,1 bilhões, a ser pagos em parcelas mensais nos próximos quatro anos. Três parcelas foram pagas, em fevereiro, março e abril, totalizando R$ 1,5 bilhão. Como os dados de maio, junho e julho não foram disponibilizados, estima-se que outros R$ 1,5 bilhão tenham sido pagos nesse período. Faltariam, portanto, R$ 9,1 bilhões em indenizações. Como o saldo do fundo está em R$ 2,4 bilhões, faltam recursos para pagar, pelo menos, R$ 6,7 bilhões em números de hoje. Esses valores serão atualizados pelo IPCA e acrescidos de remuneração de 5,59% ao ano. Como a RGR foi praticamente extinta, a entrada de recursos no fundo é insuficiente para pagar essa conta. Ainda com base na média mensal de indenizações, de cerca de R$ 500 milhões, até o fim do ano o saldo da RGR terá chegado a zero, sem que o total das indenizações tenha sido pago. Para se ter ideia do tamanho da conta, no início do ano, o fundo contava com um saldo de R$ 15,258 bilhões. Não se sabe como o governo vai cobrir esse buraco. Fontes confirmam que a equipe econômica também não sabe ainda como repor as perdas. A ideia do governo era usar dinheiro a receber da usina de Itaipu, mas, na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, descartou essa hipótese e confirmou que serão despesas primárias. Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) informou que a transferência de recursos da RGR à CDE é permitida por lei. Conforme o ministério, a legislação também autoriza repasses da CDE à RGR, até mesmo para o pagamento de indenizações. "É natural da gestão dos fundos que haja transferência de recursos entre a RGR e a CDE, e vice-versa", afirma o MME. Por fim, o ministério afirma que a gestão dos fundos setoriais é delegada por lei à Eletrobrás e que o Ministério da Fazenda é o órgão responsável por autorizar aportes do Tesouro à CDE. O Ministério da Fazenda e a Eletrobrás foram procuradas, mas não se pronunciaram até o fechamento desta edição. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Repasse entre fundos do setor elétrico não resolve problema. Saldo da Conta de Desenvolvimento Energético no início de maio era insuficiente para bancar média de gastos. Os gastos para manter o desconto médio de 20% no valor da energia já teriam se tornado despesas primárias em junho, seis meses após a queda das tarifas, não fosse o repasse de R$ 2,5 bilhões feito pelo governo do fundo Reserva Global de Reversão (RGR) para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). No início de maio, o saldo da CDE estava em R$ 223,3 milhões, volume insuficiente para bancar uma média mensal de gastos de R$ 300 milhões. Pelo menos duas transferências bilionárias foram feitas em maio, com recursos da CDE, para concessionárias de distribuição de energia, que totalizam R$ 4,8 bilhões. Não se sabe de onde o governo tirou recursos para bancar essa conta. No início de maio, o governo depositou R$ 2 bilhões para as distribuidoras de energia, referente aos gastos com usinas térmicas em fevereiro e março. Em abril, outro R$ 1,2 bilhão havia sido pago pelo uso de termoelétricas em janeiro. A energia gerada por essas usinas é mais cara que a das hidrelétricas, por isso, só é utilizada em períodos de escassez de chuvas. Esse custo era integralmente repassado ao consumidor, na época do reajuste de cada distribuidora. O impacto seria de 11% nas tarifas, conforme a Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee). Em março, para evitar que parte do desconto de 20% fosse comprometido, o governo anunciou que esse custo seria bancado pela CDE. No fim de maio, o governo sofreu novo baque. Alegando desrespeito aos ritos da Casa, o Senado não aceitou votar a Medida Provisória 605, que ampliava os subsídios para o setor elétrico e era essencial para bancar a redução da conta de luz. Essa MP foi publicada porque Cesp, Cemig e Copel não aceitaram a proposta do governo para renovar antecipadamente suas concessões. O governo decidiu, então, ampliar os gastos com outros subsídios, via CDE. Os repasses mensais seriam de R$ 400 milhões, e seriam autorizados pela MP 605. Com a queda da MP 605, a conta de energia do brasileiro poderia aumentar, em média, 4,6%, e, em alguns Estados, até 15%. Por isso, a presidente Dilma Rousseff editou um decreto e transferiu, no início de junho, de uma só vez, R$ 2,8 bilhões às distribuidoras, referentes aos subsídios de junho a dezembro. Na semana passada, no anúncio do corte do Orçamento, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo desistiu de financiar a CDE via antecipação de recebíveis de Itaipu e que esse custo seria coberto por despesas primárias. Segundo ele, a razão era tornar a operação mais transparente. Em junho, em duas operações publicadas no Diário Oficial da União, o Ministério da Fazenda autorizou a venda de créditos que totalizavam R$ 1,9 bilhão pela União para o BNDES. Esse aporte, somado aos R$ 2,5 bilhões da RGR para a CDE, é inferior ao gasto já executado. De janeiro a julho, a CDE desembolsou R$ 9,249 bilhões, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Tudo indica que os gastos para manter o desconto de 20% na conta de luz já se tornaram despesa primária há mais tempo do que o governo quer admitir. (Anne Warth e João Villaverde)