Repasse de custo do uso de térmicas vai mudar

O governo prepara mudanças na forma de repasse do custo de acionamento das usinas térmicas para não onerar demais as contas de luz - principalmente residenciais - em 2014. "Estamos trabalhando em um mecanismo para mitigar isso", disse o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, que participou ontem do "road show" sobre oportunidades de investimento no Brasil para investidores estrangeiros em Nova York, em evento organizado pelo Valor. Hoje, a maior parte dos custos é arcada pelos consumidores, por meio de encargos. As distribuidoras de energia bancam o gasto adicional, em um primeiro momento, mas depois são autorizadas a repassar essa despesa, nos reajustes anuais de tarifas. No mercado, já se fala em impacto de pelo menos 7% nas contas de luz, caso as térmicas - a óleo, gás e carvão - permaneçam ligadas a plena carga, durante todo o ano, como agora, a fim de economizar água dos reservatórios. O repasse integral às tarifas residenciais só ocorreria em 2014, minando boa parte da redução anunciada em janeiro. Tolmasquim admite que o assunto está sendo monitorado pelo governo. Uma ideia é jogar parte maior do custo pelo acionamento das térmicas a consumidores livres, que estão descobertos por contratos de longo prazo e recorrem com frequência ao mercado spot (à vista). "Mas não vamos jogar só para o mercado de curto prazo." Também deverão assumir parcela mais salgada as usinas geradoras com obras em atraso. Elas precisam ir ao mercado para repor o lastro da energia que haviam se comprometido a produzir. As medidas estão sendo pensadas, disse Tolmasquim, para atenuar a pressão dos reajustes das contas de luz pelo uso das térmicas. "Estamos atentos a isso. O custo existe. A questão é saber como repartir e entre quem", afirmou. O mecanismo citado por Tolmasquim não tem relação direta com o drama atual das distribuidoras de energia. Até conseguirem repassar as despesas com o acionamento das térmicas, muitas distribuidoras estão com fluxo de caixa negativo e por isso pedem socorro oficial. O Valor apurou que o BNDES reluta em criar uma linha de crédito emergencial às empresas do setor. Há disposição do banco em ajudar as distribuidoras e resolver o problema, mas também uma avaliação de que isso é como "enxugar gelo", se não houver mudanças. Para o banco, com a tendência de maior acionamento das térmicas daqui para frente, haverá sempre pressão de custos sobre as distribuidoras. Por isso, o BNDES se dispõe a emprestar dinheiro, mas com a perspectiva de que se abra uma solução "estrutural". Apesar de o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já ter deixado clara a intenção de continuar com as térmicas - pelo menos a gás e a carvão - ligadas durante o período seco (de maio a outubro), Tolmasquim adota postura mais cautelosa. Para ele, é melhor aguardar o fim do período de chuvas para ver quanto os reservatórios conseguem se recompor. "Vamos ter certeza no fim de abril." De acordo com o presidente da EPE, o país precisará encarar com mais naturalidade o acionamento das térmicas. "Se um europeu ou um americano chega no Brasil, ele se assusta, porque isso não é um evento. As térmicas fazem parte do nosso sistema e necessariamente vão operar mais em alguns anos", disse Tolmasquim. Em Nova York, durante apresentação a investidores estrangeiros para divulgar oportunidades no setor elétrico, o executivo fez uma pausa na tentar tranquilizar a plateia sobre o risco de novo racionamento, e explicou as circunstâncias da queda do nível de armazenamento dos reservatórios. Após dizer que o período chuvoso demorou mais que o previsto, com baixo volume de precipitações em dezembro e no início de janeiro, afirmou que a oferta aumentou na última década - hoje, o parque térmico instalado no país chega a 14 mil megawatts. "Temos uma situação estruturalmente tranquila. Isso nos permite atravessar períodos conjunturais de hidrologia ruim." Ao apresentar as oportunidades de investimentos no setor, Tolmasquim disse que a EPE prevê a contratação de mais 32,9 mil MW de novas usinas entre 2013 e 2017, o que exigirá investimentos de US$ 60 bilhões. São 21,4 mil MW de hidrelétricas, 10 mil MW de fontes renováveis (especialmente eólicas e biomassa) e 1,5 mil MW de térmicas a gás natural. Apesar da baixa demanda no leilão A-5 de energia, em dezembro de 2012, Tolmasquim avaliou que a disputa foi um sinal concreto de que o interesse de investidores pelo setor não diminuiu após a MP 579, que reduziu as contas de luz e permitiu prorrogar as concessões do setor. Ele destacou a presença de 277 projetos no leilão. "Dos 15 investidores que apareceram, tínhamos quatro fundos de equity", afirmou. Para Tolmasquim os grupos privados entenderam que o processo de renovação das concessões "não tinha nada a ver com investimentos novos". (Daniel Rittner e Sergio Lamucci) ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Governo discute pedido das distribuidoras. O governo estuda medidas para ajudar as distribuidoras de energia elétrica a enfrentar o descasamento no fluxo de caixa devido ao aumento de custos provocado pelo maior uso de usinas térmicas neste começo de ano. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que "o governo está analisando o pleito das distribuidoras, mas não tem uma solução fechada". "Não tenho nada a anunciar. Apenas digo que o Tesouro tem condição, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético, de ser a variável de ajuste", disse o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. As empresas do setor sofrem um descasamento de caixa porque estão pagando mais caro pela energia, mas somente poderão repassar o aumento de custos no decorrer do ano, quando sua tarifa de energia for reajustada. As empresas pediram ao governo algum tipo de financiamento para esse período. Segundo o secretário do Tesouro, que também não descartou ajudar o setor, há variáveis de ajuste no sistema elétrico e os aportes do Tesouro poderão ser do tamanho necessário. "Não acredito que isso caminhe para ficar com o Tesouro. É um problema do setor elétrico, que tem que ser resolvido pelo setor", disse o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, ao sair da reunião da diretoria da agência. Segundo Hubner, o problema de caixa das distribuidoras tem que ser enfrentado por meio de "medida regulatória", que resolva a questão do ponto de vista "estrutural". O diretor considera que há ainda distorções no ambiente regulatório das distribuidoras que precisam ser resolvidos, como o pagamento da geração térmicas com encargo setorial. Hubner reconhece, no entanto, que a injeção de recursos pelo Tesouro na CDE poderia resolver o "passivo" deste ano. Ele considera que "há espaço na legislação" para que haja essa tomada de decisão, mas que caberia aos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia. "Isso depende de um ato político, e não da agência", afirmou. O diretor da Aneel disse que o órgão regulador tem participado das discussões com o governo sobre a dificuldade das distribuidoras, apresentado propostas e sugestões. (Thiago Resende, Eduardo Campos, Edna Simão e Rafael Bitencourt)