Revisão da Cemig assusta mercado

A cesta de ações das elétricas negociadas na Bovespa, o IEE, recuou ontem 3,46%. Essa foi a terceira maior queda do índice desde o dia 31 de agosto de 2012, quando as regras para a renovação das concessões fizeram com que os investidores batessem em retirada do setor elétrico. Desta vez, o tombo foi provocado pela redução de 24%, ou de R$ 1,6 bilhão, na base líquida de ativos remunerados da Cemig em sua área de distribuição de energia. A estatal mineira passará em abril por sua terceira revisão tarifária. O corte na base de ativos divulgado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apavorou investidores e analistas, que foram surpreendidos pela medida. As ações preferenciais da estatal mineira encerraram o pregão em baixa de 14%, cotados a R$ 22,20. Com a fuga de investimentos, o giro da ação foi de R$ 526 milhões, o maior da história. O recuo no preço das ações da empresa foi o maior desde 12 de setembro, quando caíram 19,71%, após o anúncio da Medida Provisória 579, que estabeleceu as cláusulas para renovação antecipada das concessões que venceriam em 2015. A Cemig não aceitou a proposta do governo federal. Na terça-feira, a Aneel divulgou que a base líquida de ativos da distribuidora da estatal mineira foi reajustada para R$ 5,1 bilhões. O valor é muito menor que os R$ 6,7 bilhões expressos na proposta de revisão tarifária e que havia sido levada à audiência pública no início do mês. A mudança repentina e a magnitute do corte desagradaram os investidores e causaram ruído ontem no mercado. Chegou-se a dizer que a Cemig estaria sendo vítima de perseguição política, por não ter aderido à renovação das concessões. O diretor da Aneel, Edvaldo Santana, relator da revisão tarifária da distribuidora mineira, demonstrou surpresa com a reação negativa do mercado e rechaçou a possibilidade de represália. "Isso não faz o menor sentido", disse Santana ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. Na verdade, a Aneel acatou uma reivindicação da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), que encontrou divergências nos números apresentados pela Cemig para sua base de ativos. A entidade levou seus argumentos à agência reguladora durante a audiência pública e elogiou a decisão da Aneel. "É um resultado a ser comemorado, mas só estaremos satisfeitos quando a revisão tarifária estiver concluída", disse Fernando Umbria, porta-voz da Abrace. Segundo ele, o valor de R$ 5,1 bilhão para a base líquida de ativos da Cemig publicada pela Aneel assemelha-se aos R$ 5,7 bilhões calculados pela Abrace. A redução na base de ativos, disse Umbria, vai diminuir em 3,7 pontos percentuais o índice de reposicionamento tarifário da distribuidora mineira. Mas ainda não é possível saber quais serão as suas tarifas para cada classe de consumidores. Apesar de contestar os números da Cemig, Umbria afirma que esse embate é "natural" em todos os setores regulados. A Cemig, segundo ele, não poderia ser acusada de má fé. É esperado, diz Umbria, que as concessionárias apresentem números aos órgãos reguladores que lhes favoreçam nos processo de revisão tarifária. O Credit Suisse estima que a mudança no cálculo pode implicar uma perda de 24% na geração de caixa da Cemig Distribuição medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). Já o Citi projeta recuo de 18% no indicador e prevê que a perda para a Cemig como um todo - incluindo as áreas de geração e transmissão - seria da ordem de 4%. Em teleconferência com analistas, o diretor de relações com investidores da Cemig, Luiz Fernando Rolla, procurou tranquilizá-los. O executivo respondeu que a empresa vai recorrer da decisão, mas enfatizou que essa redução na base de ativos já era esperada e negou veementemente a hipótese de uma perseguição política por parte da Aneel. "Me recuso a acreditar em outras razões que não sejam técnicas", afirmou Rolla. Os analistas, porém, não esconderam sua irritação. "O que aconteceu não foi pequeno", afirmou um analista. Segundo ele, a diferença de R$ 1,6 bilhão equivaleria a uma cidade, que desapareceu da base de ativos da distribuidora. A redução representa quase a metade dos R$ 3,5 bilhões investidos pela distribuidora mineira nos últimos cinco anos. "Não é normal um não reconhecimento de investimentos de 50%. É tudo menos normal", disse o analista. Segundo Rolla, a área de atuação da distribuidora é muito extensa, o que poderia justificar a diferença tão expressiva. O executivo também disse esperar que as agências de rating mantenham a classificação de risco de crédito duplo A dada para a sua distribuidora. Santana, da Aneel, admitiu que o corte de 24% na base de remuneração da Cemig "chama a atenção", mas ressaltou que "todas as distribuidoras contestam" os valores. Ele ressaltou justamente esse ponto: o diagnóstico foi feito pela superintendência de fiscalização econômico-financeira da agência e ainda não tem respaldo da diretoria colegiada da agência. "Eu garanto: isso não é uma retaliação (à Cemig). Até porque quem vai aprovar ou rejeitar é a diretoria da Aneel. Ainda não é um valor definitivo. Muito provavelmente a Cemig vai entrar com recurso e isso será apreciado pela diretoria colegiada", afirmou.