Sul não terá ajuda de outras regiões para pagar conta da térmica de Uruguaiana

A região Sul está pagando sozinha a conta da geração de energia elétrica da termelétrica Uruguaiana, instalada na fronteira com a Argentina. Não bastou a justificativa de ajuda na recuperação do nível dos reservatórios das hidrelétricas para que seu custo fosse dividido com os consumidores das demais regiões. Isso ocorre porque o Operador Nacional do Sistema (ONS), na hora de autorizar o despacho da usina, considerou apenas a contribuição da usina para contornar a situação de vulnerabilidade do sistema elétrico da região Sul. Então, todo o ônus da energia mais cara produzida pela térmica ficou com Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A operação da usina foi encerrada no fim de março, por ter esgotado seu estoque de gás. O governo ainda busca uma solução, que envolve a Argentina, para retomar a geração em caráter provisório ou definitivo. Segundo a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), o custo da energia elétrica para a indústria da região Sul, que compra o insumo no mercado de curto prazo (spot), foi até 8% mais cara em fevereiro. Para as liquidações de março, que serão realizadas em meados de maio, esse custo deve ser menor, porque a usina atingiu níveis mais eficientes de operação naquele mês. Os consumidores atendidos pelas distribuidoras - Copel, Celesc e CEEE - também arcarão com a despesa da usina. No entanto, o pagamento será diluído ao longo dos 12 meses de vigência dos próximos reajustes. A fragilidade do sistema de fornecimento de energia na região Sul existe, principalmente, durante o verão, segundo nota técnica do ONS, à qual o Valor teve acesso. O interior do Rio Grande do Sul tem sido afetado nos últimos anos pela súbita demanda por energia dos sistemas de irrigação da safra de arroz. O chamado "levante hidráulico", que ocorre entre novembro e março, é responsável pelo aumento de até três vezes da carga, em comparação aos volumes verificados nos demais períodos do ano. No âmbito regional, o Sul tem "importado" cargas de outras regiões do país durante o verão. A alta temperatura, associada à demora na implantação de reforços na rede de energia, tem submetido os Estados ao risco de cortes de carga durante o verão. A energia de Uruguaiana, no entanto, tende a amenizar o problema, tanto pela perspectiva local quanto regional. "Com a indisponibilidade dessa usina, os recursos disponíveis não serão suficientes para assegurar o atendimento aos critérios de desempenho elétrico do sistema", relatou o ONS em nota técnica redigida no fim de 2012, em defesa da geração de energia por Uruguaiana. O documento traça um panorama das condições de abastecimento da região Sul, inclusive a importância da usina para o sistema nacional. Porém, não faz qualquer menção ao rateio do custo de geração, o que foi explicitado apenas nos relatórios emitidos durante o período em que esteve em operação (fevereiro e março). Enquanto gerou energia, Uruguaiana recebeu o carimbo da "restrição elétrica". Normalmente, as térmicas acionadas operam pelo critério de "segurança energética", em complementação à geração das hidrelétricas. Isso garante o rateio de custo com todos os consumidores do país. No caso da térmica gaúcha, foi diferente. Pesaram mais as alegações sobre a vulnerabilidade do subsistema Sul do que a preocupação com o nível dos reservatórios, o que fez com que o governo recorresse a todas termelétricas disponíveis. O diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, disse ao Valor que Uruguaiana deve continuar operando sob o caráter de restrição elétrica no verão, devido às limitações da rede local. No entanto, considera que o rateio de custo nas demais épocas do ano poderá ser diferente. "A usina permite diminuir o intercâmbio de energia com outras regiões e reduzir o carregamento das linhas, mas fora do verão a carga é menor e seu despacho ficar com uma influência muito mais energética do que elétrica", afirmou. A decisão final será tomada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). A nota técnica do ONS prevê que as medidas para reverter a situação da restrição elétrica na região Sul devem produzir resultados em meados de 2014, com a conclusão de obras de reforço na rede básica. Relatório produzido pela fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em meados de abril, registrou que a execução de parte das obras está atrasada. Nos dados de acompanhamento das obras de transmissão, a agência reconhece que os reforços nas subestações de Maçambará e São Borja está atrasada. Para ampliar a capacidade da rede básica da região, o ONS aponta como fundamental a duplicação das linhas de transmissão de Itá-Nova Santa Rita e Salto de Santiago-Itá. Embora estejam dentro do prazo, as obras nos 405 quilômetros de linhas que conectam os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná devem ser concluídas somente em maio de 2014. (Rafael Bitencourt) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Governo ainda fecha cálculo dos custos da usina. Ao sair do estado de hibernação, a termelétrica de Uruguaiana registrou um salto no custo de operação. A usina gerou apenas com gás natural, sem aproveitar o vapor produzido pela queima do combustível, com custo equiparado ao de usinas a óleo diesel. A AES Uruguaiana ainda será ressarcida em R$ 17 milhões pela retirada do maquinário do almoxarifado e testes iniciais. O gás foi garantido pela Petrobras, que teve a missão de comprar a carga de gás natural liquefeito (GNL). A demanda internacional estava superaquecida, no inverno do Hemisfério Norte. A carga de GNL saiu a US$ 20 por milhão BTU (unidades térmicas britânicas), comprada dos franceses GDF Suez, que enviaria a carga à usina William Arjona (MS), da Tractebel. Até a usina gaúcha, o insumo precisou pagar "pedágio" na Argentina onde foram incluídos custos com desembarque nos portos Bahia Blanca e Escobar, passando pela regaseificação, transporte do gás, tributos aduaneiros e até garantias financeiras para fechar os contratos. A Aneel, inclusive, encontrou dificuldades para auditar os custos na cadeia do gás. Parte dessas despesas precisa ser reconhecida para que as empresas sejam ressarcidas pelo setor elétrico. O ponto de entrega de gás mais perto do Brasil é no polo petroquímico de Porto Alegre, a 500 km. Mesmo nas condições atuais, o governo negocia uma forma de viabilizar o uso de Uruguaiana, ainda que em caráter emergencial, por mais 60 dias. "Nunca deixamos de considerar a necessidade de voltar a operar, não abrindo mão também de viabilizar sua operação permanente", disse o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp. (RP)