Um ano depois, "pacote de maldades" do governo ainda não chegou ao fim

A executiva de uma grande empresa do setor elétrico dizia, há um mês, durante reunião com analistas e investidores em São Paulo, que esperava que o "pacote de maldades" do governo federal tivesse chegado ao fim. Ela referia-se à série de decisões adotadas desde a publicação da Medida Provisória (MP) 579, no dia 11 de setembro de 2012. A expressão traduz como as empresas e o mercado financeiro passaram a perceber as ordens vindas de Brasília. Um ano depois do terremoto que abalou o setor, a executiva ainda procurava afastar os receios dos investidores, convencendo-os de que todas as más notícias já foram anunciadas. Mas o governo demonstrou que ainda pode surpreender. Conforme antecipou o Valor, a Receita Federal confirmou que vai cobrar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das indenizações pagas às companhias do setor elétrico. A cobrança, que morderia 34% das indenizações, é polêmica e deve ser contestada pelas empresas, afirma o advogado Dalton de Miranda, do escritório Trench, Rossi e Watanabe. Segundo ele, não será uma disputa fácil na Justiça, que já se manifestou, em outras situações, ser contrária à tributação de indenizações. Convertida na Lei 12.783 em janeiro de 2013, a MP 579 regulamentou a renovação das concessões de geração e transmissão de energia que expiravam até 2015. O governo obrigou que as empresas assinassem os novos contratos em dezembro de 2012, renunciando, assim, a dois anos de faturamento, ao qual teriam ainda direito. As tarifas dos novos contratos sofreram em média um corte de 70% e, em troca, a União renovou as concessões por mais 30 anos. Todo esse esforço foi feito para reduzir a conta de luz ainda neste ano, como prometeu a presidente Dilma Rousseff em seu discurso no dia 6 de setembro de 2012. Mesmo sem saber se as empresas iriam aderir à proposta de renovação antecipada das concessões, Dilma anunciou que reduziria em 16,2% a conta de luz dos consumidores residenciais e em até 28% a tarifa dos consumidores industriais. Finalmente, no dia 24 de janeiro deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou as novas tarifas das 63 distribuidoras de energia do país, que foram reduzidas em 20% em média - fato que contribuiu para conter a inflação em fevereiro. No entanto, os grandes consumidores industriais de energia, que haviam aplaudido a iniciativa do governo no início, também passaram a criticá-la, já que toda a energia barata foi destinada ao mercado regulado. O mercado livre, no qual as indústrias compram energia, não recebeu nenhum megawatt das usinas cujas concessões foram renovadas. Um dos momentos mais críticos do processo ocorreu no fim do ano passado, quando as três estatais estaduais, Cemig (MG), Cesp (SP) e Copel (PR), de governos que fazem oposição ao PT, não aceitaram os termos para renovar as concessões de suas hidrelétricas, optando por manter seus contratos até o fim. A rejeição fez com que a questão ganhasse um caráter partidário. "Populista", "autoritário" e "pouco transparente" eram as acusações comumente feitas ao governo federal. Aqueles que defendiam o corte das tarifas, porém, acusavam as empresas, os investidores e o mercado financeiro de tentar tumultuar o processo para preservar seus interesses. Na visão de Brasília, todos sabiam que as concessões terminariam e não era nenhum segredo que o governo buscaria a modicidade tarifária. A política de redução das tarifas vem sendo adotada desde 2003 pelo Partido dos Trabalhadores, desde a época em que Dilma Rousseff ocupava o Ministério de Minas e Energia. Desde então, as tarifas das distribuidoras passam por ciclos de revisões tarifárias a cada quatro anos. Qual era a surpresa, então? Segundo um analista, o governo errou ao tomar decisões que quebraram expectativas. Ele cita o caso das hidrelétricas que nunca haviam passado por um primeiro processo de renovação. Esse é o caso de três hidrelétricas da Cemig e da usina de Três Irmãos, da Cesp. Várias vezes, mesmo durante a gestão de Lula e de Dilma, o governo do PT renovou automaticamente a concessão de hidrelétricas cujas concessões expiravam pela primeira vez, o que criou a expectativa de que isso continuaria sendo feito. A mudança foi uma surpresa. Ainda existe o risco de que o governo volte novamente a surpreender, agora em relação às indenizações. Ao tributar os valores que serão reembolsados, a Receita viu uma possibilidade de engordar os cofres públicos e decidiu aproveitá-la, afirma o advogado Dalton de Miranda. No fim dos contratos de concessão, as empresas são ressarcidas pelos investimentos que fizeram nos ativos, pelos quais ainda não foram remuneradas. No caso das companhias do setor elétrico, a União terá de pagar, pelo menos, R$ 20 bilhões em indenizações, dos quais R$ 7,1 bilhões para investimentos feitos em hidrelétricas e R$ 13 bilhões em linhas de transmissão. Terão direito a receber esses reembolsos não só as empresas que aceitaram renovar os contratos, como a Eletrobras, que deve ser indenizada em R$ 14 bilhões, mas também as companhias que recusaram os termos propostos pelo governo. Mas essas últimas só vão receber as indenizações quando devolverem os ativos à União, na data prevista nos contratos. Mas os valores são questionados pelas empresas, como a Cesp, que alega ter direito a receber uma indenização bem maior que a que foi calculada pelos técnicos em Brasília. As empresas de transmissão também ainda serão reembolsadas pelas linhas mais antigas, construídas há mais de 13 anos, mas esses valores não foram definidos pelo governo. Em sua proposta inicial, o governo não pretendia pagar nenhum centavo por essas linhas, por considerar que esses já são ativos amortizados. Mas teve de voltar atrás ao perceber que as empresas de transmissão rejeitariam a proposta para renovar as concessões, o que poderia fazer com que o pacote fosse um fiasco. (Cláudia Facchini)