Veto de Dilma inviabiliza oito hidrelétricas
Um veto presidencial inviabilizou a retomada de pelo menos oito usinas hidrelétricas licitadas há mais de dez anos, que tinham chances reais de finalmente sair do papel. As empresas, que preparavam investimentos de até R$ 10 bilhões para desengavetar esses projetos, ficaram desanimadas com a decisão e já falam agora em devolver suas concessões.
Apesar das preocupações crescentes sobre um novo racionamento, o artigo que permitia ressuscitar essas hidrelétricas foi um dos seis vetos da presidente Dilma Rousseff à Lei 12.783, publicada ontem no "Diário Oficial da União". O texto converte em lei a medida provisória, aprovada pelo Congresso em dezembro, que prorroga as concessões de energia e reduz as contas de luz.
As usinas afetadas pelo veto de Dilma podem somar quase 2 mil megawatts (MW) de capacidade ao parque gerador, o suficiente para abastecer 4 milhões de residências, e não estavam na MP original. Um bloco de emendas parlamentares foi incorporado - sem objeção do governo - para viabilizar esses projetos, que jamais haviam conseguido sair da gaveta. São hidrelétricas leiloadas sem licença ambiental, antes de 2004, quando as regras do setor foram alteradas.
Depois de inúmeras idas e vindas, algumas usinas conseguiram avançar no processo de licenciamento, como a hidrelétrica de Itaocara (RJ). Localizada no rio Paraíba do Sul e com 145 megawatts (MW) de potência, a Light - empresa que detém sua concessão - obteve licença prévia em dezembro de 2011, após a divisão do projeto original em duas barragens distintas. No entanto, dois obstáculos ainda impediam a viabilidade de Itaocara e de uma série de outras usinas.
As empresas queriam que fosse zerado o período de 35 anos de concessão, por terem gastado pelo menos uma década em discussões ambientais, sem a geração de um único megawatt. Também pediam o adiamento da cobrança da taxa de uso do bem público (UBP). No modelo anterior, ganhava os leilões de novas hidrelétricas quem oferecesse o maior valor de outorga - hoje, o critério de disputa é a menor tarifa.
A partir de junho do ano passado, uma conta de R$ 18,5 milhões por mês chegou aos detentores dessas usinas, que só conseguiram evitar a cobrança graças a uma liminar da Justiça Federal de Brasília. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já decidiu a favor das empresas, nos dois pleitos, mas nada disso tem efeito prático. Para viabilizar a construção das hidrelétricas, o Ministério de Minas e Energia e o Tesouro precisavam também dar seu aval, porque a decisão da agência reguladora tem um caráter apenas de "recomendação".
Foi aí que entraram as negociações das empresas no Congresso, durante a tramitação da MP 579, quando emendas parlamentares permitindo solucionar esse impasse foram acatada no texto final. A redação aprovada previa o início da cobrança de UBP apenas no momento em que essas usinas entrassem em operação. Também dizia que os empreendimentos teriam seus prazos de concessão contados a partir da emissão da licença prévia.
Ao justificar o veto, os ministérios de Minas e Energia e da Fazenda alegam que a medida "afetaria a modicidade tarifária" e "garante direito ao reequilíbrio econômico-financeiro de forma genérica". As explicações não convenceram o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Mário Menel, que representa uma parte dos empreendedores. "Não entendemos por que viabilizar essas usinas vai contra a modicidade tarifária."
A maioria dos investidores nessas usinas geraria energia para consumo próprio, mas o governo exigiu, nas negociações no Congresso, que fosse incluído um dispositivo para a destinação de 30% da eletricidade produzida ao mercado regulado. "Era um sinal de que iríamos finalmente resolver o problema", diz Menel.
O executivo vê poucas chances de reverter a decisão e destravar os projetos. "Agora, as esperanças ficaram muito remotas e tenho a impressão de que só resta a alternativa de devolver as concessões. É uma pena porque todo mundo estava com dinheiro na mão para investir", completa.
Além de Itaocara, fazem parte da lista usinas como Santa Isabel, no rio Araguaia (na divisa do Pará com Tocantins), com 1.087 MW de potência. Sua concessão é detida por um consórcio de cinco pesos-pesados da indústria eletrointensiva - Alcoa, BHP Billiton, Camargo Corrêa, Vale e Votorantim. A Gerdau tem a concessão de duas hidrelétricas - São João e Cachoeirinha - no Paraná.
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Venda de excedentes é autorizada.
A presidente Dilma Rousseff atendeu a um pedido antigo da indústria e autorizou a comercialização de "sobras" de energia elétrica contratada - e não usada - por consumidores livres.
Hoje, esses consumidores podem até vender seus excedentes, mas por um preço fixo: o PLD, atualizado semanalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A ideia é que possam negociar livremente essas sobras, sem nenhuma amarra.
A autorização para a "cessão de excedentes" foi incluída na redação da Medida Provisória 579, que tratava da prorrogação das concessões de energia elétrica e da redução das contas de luz, durante sua tramitação no Congresso. Ela não constava do texto originalmente enviado pelo governo. Dilma sancionou ontem a Lei 12.783, que converte a MP, e preservou essa possibilidade.
"Trata-se de um aperfeiçoamento estrutural do setor", elogiou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, associação que representa grandes consumidores industriais de energia. Ele lembrou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) precisará regulamentar a medida. "Isso aumenta o apetite dos consumidores livres por contratos de longo prazo", acrescenta Pedrosa, lembrando que, ao poder vender sobras, a empresa não precisa mais adotar uma cautela exagerada ao programar suas necessidades.
A sanção da lei também reduz, dos 0,5% para 0,4%, a taxa de fiscalização da Aneel. Ela é cobrada em todas as contas de luz.
(Daniel Rittner)