Xisto nos EUA causa racha na Opep

O boom do setor petrolífero dos Estados Unidos está aprofundando as divisões dentro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e ameaça criar um racha entre os membros africanos e árabes, num momento em que a entidade lida com uma revolução no comércio global de petróleo. Os membros da Opep, que se reúnem na sexta-feira em Viena, enfrentarão um desacordo sobre o impacto do aumento da produção de petróleo de xisto nos EUA, com os países mais vulneráveis argumentando que o grupo deve se preparar para fazer cortes na produção para sustentar preços se eles continuarem caindo. "Estamos diante de alguns problemas", disse um representante do Golfo Pérsico na organização. Membros africanos da Opep, como Argélia e Nigéria, que produzem petróleo de qualidade semelhante ao do de xisto, estão sofrendo os piores efeitos do boom do petróleo americano. A ministra do Petróleo da Nigéria, Diezani Alison-Madueke, considera o petróleo de xisto dos EUA uma "grave preocupação". Países do Golfo, principalmente a Arábia Saudita, estão relativamente incólumes ao novo cenário - e são os únicos membros da Opep com a flexibilidade necessária para cortar produção. Mas eles provavelmente não permitirão que isso aconteça na reunião de sexta-feira, segundo vários delegados da Opep. Essa postura aprofundaria os conflitos de poder que dominaram a organização nos últimos anos. Irã, Venezuela e Argélia, que precisam de preços altos do petróleo para cobrir gastos domésticos e compensar a produção em trajetória descendente, regularmente entram em choque com países do Golfo, liderados pela Arábia Saudita, que têm capacidade financeira para suportar preços mais baixos. A Opep foi capaz de superar essas rivalidades no passado para combater uma ameaça externa, principalmente em 2008, quando concordou com um corte na produção de mais de quatro milhões de barris diários para conter a queda de preços durante a crise financeira. Mas o impacto desigual do aumento de oferta na América do Norte torna uma resposta coletiva, como cortes coordenados de produção para sustentar preços, mais difícil, disseram delegados de ambos os lados do conflito. Os EUA e o Canadá devem produzir cerca de 21% mais petróleo em 2018 do que o previsto para este ano, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia. Isso marca uma inversão histórica e, em grande parte, inesperada. A produção de petróleo nos EUA atingiu um pico em 1970 e encolheu continuamente por mais de 20 anos, até quando o petróleo de xisto começou a fluir, a partir de 2008. A produção americana subiu para o nível mais alto em 21 anos à medida que o fraturamento hidráulico, conhecido como "fracking", e outras tecnologias possibilitaram acesso a grandes reservas de petróleo anteriormente presas em depósitos de xisto na Dakota do Norte e no Texas. Depósitos de xisto em outras áreas, como a Pensilvânia, estão produzindo principalmente gás natural. A Opep, fonte de cerca de um terço do petróleo do mundo, claramente foi pega de surpresa pela mudança na produção dos EUA. Em 2010, a organização previu que EUA e Canadá produziriam 11,8 milhões de barris por dia em 2014. Apenas dois anos depois, essa previsão foi reajustada para 14,5 milhões de barris por dia. Essa recuperação da produção americana era inimaginável cinco anos atrás, porque para ser viável a produção de petróleo de xisto requer um preço do petróleo que historicamente é pouco sustentável, de US$ 70 o barril ou mais. Mas os preços da commodity se mantiveram muito acima desse nível nos últimos dois anos, graças em parte a tensões geopolíticas persistentes em países produtores da Opep, como a guerra civil da Líbia e as tensões do golfo Pérsico. À medida que a produção americana cresce, as exportações para os EUA de três membros africanos da Opep, Nigéria, Argélia e Angola, já caíram para seus níveis mais baixos em décadas, recuando 41% em 2012 em relação ao ano anterior, principalmente por causa do petróleo de xisto, de acordo com Departamento de Energia dos EUA. Em contraste, os embarques de petróleo da Arábia Saudita para os EUA aumentaram 14% em 2012. O ministro do Petróleo saudita, Ali al Naimi, disse recentemente que o aumento de fontes de energia não convencionais não ameaça o papel dominante de seu país na oferta mundial de petróleo, porque a demanda também está aumentando. "Não acho que ninguém precise temer novos suprimentos [...]. A torta está ficando maior, e há o suficiente para todos", disse ele. Mas a ministra do Petróleo da Nigéria, Alison-Madueke, vê perigo para o seu país. "O petróleo de xisto foi identificado como uma das ameaças mais graves para os produtores africanos", disse ela no Reino Unido neste mês. Esses produtores, segundo ela, podem perder 25% de sua receita de petróleo à medida que encolher o seu mercado nos EUA. A Nigéria tem sido mais atingida porque seu petróleo leve e de baixo teor de enxofre compete diretamente com petróleo de xisto, ao contrário do petróleo bruto mais pesado e mais sulfuroso da Arábia Saudita. Outros membros da Opep que não servem o mercado dos EUA, como o Irã, também estão reclamando. Muhammad Ali Khatibi, enviado do Irã à Opep, disse ao "The Wall Street Journal" que a combinação do aumento da produção de xisto dos EUA e da demanda morna está empurrando o preço para baixo. Embora a Arábia Saudita possa tolerar preços mais baixos, "haverá alguns membros, como a Venezuela e o Irã que vão sofrer com US$ 90" o barril, diz Amrita Sen, analista-chefe de petróleo da britânica Energy Aspects. O contrato futuro do petróleo tipo Brent para entrega em julho fechou ontem em US$ 104,23 o barril. O ministro do Petróleo da Venezuela afirmou na segunda-feira que vai pressionar por um corte na produção da Opep se o petróleo cair abaixo de US$ 100 o barril. O Irã precisa de preços elevados para compensar a perda de US$ 26 bilhões de receita com petróleo no ano passado devido às duras sanções às suas exportações, segundo estimativas da Agência de Informação sobre Energia dos EUA. A Argélia, que foi abalada por tumultos causados pela escassez de comida e moradia, precisa que o preço do petróleo chegue a US$ 121 o barril para cobrir gastos já planejados - que incluem a construção de estradas, empregos e habitação, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. A receita resultante da produção de petróleo e gás do país caiu em 9% nos primeiros quatro meses de 2013, segundo dados do governo. O ministro das Finanças argelino, Karim Djoudi, disse que a redução na receita ligada ao aumento da produção de xisto nos EUA pode levar o governo a cortar gastos. "A eliminação de subsídios sem aumento de salários poderia gerar uma enorme animosidade política e instabilidade", afirmou Geoff Porter, chefe de segurança da consultoria North Africa Risk Inc. Membros da diretoria da Opep disseram que o grupo está preparando estudos para avaliar o impacto do petróleo de xisto dos Estados Unidos sobre a demanda por petróleo da organização. (Benoît Faucon, Sarah Kent e Hassan Hafidh | The Wall Street Journal)