Análises estão nas mãos de comitês do Gás para Crescer; inicialmente o plano é voltado para novas usinas

O agravamento da situação hídrica do país e a geração renovável intermitente está fazendo com que o governo reveja o papel das térmicas a gás, que tendem a assumir um protagonismo maior na geração de energia. A ideia é que esses empreendimentos sejam operadas na base, com baixa inflexibilidade. O tema está em estudos pelo Ministério de Minas e Energia (MME), dentro do programa Gás para Crescer, e a meta é que novos empreendimentos a gás sejam licitados já com essa característica entre o último trimestre deste ano e a primeira metade de 2018.

A questão sempre foi colocada por empreendedores do segmento como uma forma de destravar investimentos em térmicas e facilitar a expansão da oferta do gás natural. Os planos do governo, se concretizados, podem fazer com que a oferta de energia torne-se menos dependente do clima. A saída foi inicialmente ventilada pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, em um evento da FGV Projetos no Rio de Janeiro. As avaliações em curso por comitês do Gás para Crescer foram detalhadas pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento do MME, Eduardo Azevedo à Brasil Energia.

Uma das motivações é a falta de água nos reservatórios – com a entrada das térmicas, as hidrelétricas podem ter o armazenamento preservado. O Nordeste é que tem sido a maior vítima da baixa hidrologia: há cinco anos a região vem enfrentando escassez hídrica, e há perspectiva de que um novo El Niño se configure no período seco ainda este ano, ainda que de forma moderada.

O próprio ministro tem frisado, com base em dados do ONS, que o reservatório de Sobradinho pode chegar ao fim do período de estiagem, em novembro, com armazenamento de 15%. Com isso, ele vê a região dependente das eólicas, das térmicas e de envio de energia pelas linhas de transmissão.

De acordo com Azevedo, a geração na base permite que os reservatórios possam acumular água, que passa a ser usada quando for necessário. Além disso, o Nordeste que vem sofrendo com cinco anos de estiagem tem visto aumentar significativamente o volume de energia de eólicas e as solares (com forte presença da primeira fonte), renováveis, mas com grande variabilidade.

A falta de água obriga o operador do sistema a recorrer às térmicas para suprir a geração na falta de vento e sol. "Não é melhor ter uma térmica na base rodando a R$ 250, R$ 300/MWh e poder deixar de gerar hidrelétrica para juntar água no reservatório?", questiona o ministro, para quem o país só quer olhar para as térmicas quando "falta água". "Aí é oito ou 8.000, nem é 800", enfatizou Coelho no evento.

Com as térmicas na base, avalia o secretário, as hidrelétricas podem fazer o papel de complementar a geração eólica. “Acaba com o que convencionou-se de chamar de térmicas “bang-bang”, explica Leontina Pinto, sócia da Engenho Consultoria, em referência ao liga-desliga que o ONS se vê obrigado a fazer em térmicas que estão suprindo a intermitência das eólicas. Segundo a especialista, o custo de combustível das usinas acionadas, geralmente termelétricas a óleo combustível, estão girando entre R$ 800/MWh e R$ 1.000/MWh. Além disso, o constante acionamento temporário das usinas eleva os custos com operação e manutenção e resulta na redução da vida útil dos equipamentos.

Para Leontina, a medida tem sentido econômico, pois como não há água nos reservatórios para o atendimento ao consumo, a geração na base, com inflexibilidade acima de 70%, dá à hidrelétrica o papel de modular o sistema nos momentos de intermitência.

O próprio custo de geração pode cair, reconhece o ministro, ao se elevar a inflexibilidade, já que a aquisição do gás para uma produção contínua tende a ser mais barata do que a feita dentro do modelo atual, de despacho por ordem de mérito econômico, quando as usinas são acionadas por ordem do ONS. “Uma usina muito flexível perde competitividade”, salienta Azevedo.

Há ainda outras duas motivações, intrinsecamente ligadas: o escoamento do gás do pré-sal, num futuro próximo, e a formação de um mercado secundário de gás. A colocação das termelétricas com pouca inflexibilidade próximas a centros de carga, as torna como âncoras para a formação de um mercado, pois a condição de serem terem consumo intensivo demandará a implantação de uma infraestrutura que poderá ser ampliada para atendimento por outras classes de consumidores, como indústrias, comércio e residências.

Neste ângulo, com a exploração do gás do pré-sal, que pode colocar o Brasil na condição exportadora, inclusive, como frisam o ministro e o secretário, as usinas passariam a ter um papel mais relevante na formação da demanda para o insumo.

Mudanças podem chegar a usinas existentes

Para isso, uma das mudanças em avaliação pelo governo é a desvinculação da obrigatoriedade de contrato de combustível do contrato de energia (conhecido pela sigla em inglês PPA). Azevedo frisa que ainda não há uma proposta fechada, mas que os subgrupos do Gás para Crescer que analisam o atendimento térmico avaliam a medida, que ajudaria a reduzir o custo de compra do combustível.

Isso porque, de acordo com Azevedo, de acordo com a regra atual, os fornecedores de combustível podem ser penalizados por atrasos na entrega do insumo ou por problemas para cumprimento do contrato. Como empresas internacionais podem ter dificuldades de compreender as particularidades do mercado nacional e as penalidades se caracterizam como risco regulatório, o preço de venda do GNL, opção recorrente pela maioria das térmicas em estudos no país (veja edição 436, março/2017) tende a ser maior.

Os preços internacionais do GNL estão em patamares historicamente baixos, que tornam a aquisição no mercado spot favorável enquanto a oferta interna não cresce em grandes proporções.

Ainda que o foco inicial seja a de inicialmente colocar energia nova com baixa flexibilidade, não se descarta a adesão de usinas existentes ao novo regime, afirma Azevedo. Ou seja, as usinas que já estão em operação ou em fase de implementação não entrariam nesse processo, pelo menos inicialmente, mas pode-se estudar maneiras de permitir a adesão desses empreendimentos. O parque térmico brasileiro possui energia assegurada da ordem de 21,8 mil MW médios. Desse total, 13,7 mil MW (159 empreendimentos) de capacidade instalada vem de usinas a gás natural.

“Se tiver condições de contrato mais barato, é possível trazer para os contratos existentes, desde que haja reequilíbrio nos contratos”, explica Azevedo. O tema também depende de avaliações do Gás para Crescer.

No evento da FGV, Coelho afirmou que o plano inicial não seria o de ligar todas as usinas nesse modelo, mas sim as usinas que possuem menor custo de operação e maior inflexibilidade. Neste caso, avalia Leontina, um ponto de atenção é o reajuste dos preços dos contratos de gás, muitas vezes em patamares elevados, que podem impactar os consumidores.

“As térmicas podem pagar até duas vezes o custo do mercado”, diz Leontina, acrescentando que a com a flexibilidade atual, o alto preço “é ruim, mas não catastrófico”. Outro ponto é a perda de atratividade

Além da geração de base, o governo está de olho em outras medidas para reverter o quadro energético do Nordeste. Há alguns meses, o diretor da Aneel Reive Barros defendeu a realização de leilões específicos de térmicas a gás no Nordeste, para atender à demanda da região e servir de backup para a intermitência da geração eólica. Ele defendeu a contratação de um volume da ordem de 4 GW.

Azevedo salienta que a proposta está em linha com o que pensa o MME e destaca que o planejamento já tem sinalizado a possibilidade de leilões regionais, com base no sinal locacional, mas ainda não se sabe qual seria o tamanho da oferta possível para essa modalidade – vantajosa por causa dos menores custos de transmissão e proximidade dos centros de carga, além do melhor aproveitamento do potencial energético regional. Um quadro melhor para se avaliar sobre a realização de leilões regionais seria mais claro até setembro.

No mesmo evento do ministro, o presidente da Brennand Energia, Mozart Siqueira de Araújo, disse que o país abandonou o conceito da geração térmica, nos moldes do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), implantado no início da década passada, na tentativa de evitar o racionamento de energia, o que não ocorreu, mas criou um mercado para o gás natural, naquela época ainda incipiente.

Ele criticou a contratação, na década passada, de usinas a óleo combustível por contratos de longo prazo, por 15 anos, como forma de atender à demanda, diante da ausência de condições para entrada de usinas a gás natural por falta de planejamento.

“Ao invés de se planejar, instalar térmicas a gás para fazer a complementariedade e diversificar a matriz, sustentou-se o setor com decisões de curto prazo, o governo partiu para contratar térmicas a óleo diesel, óleo combustível”, contou.

Fonte: Brasil Energia - 28/04/2017