Leonardo Caio, da Cogen, e Zilmar Souza, da Unica: Nível dos reservatórios e a contribuição da bioeletricidade em 2016 “Reservatórios virtuais” nos canaviais preservam volume útil das hidrelétricas

Leonardo Caio, da Cogen, e Zilmar Souza, da Unica, para a Agência CanalEnergia, Artigos e Entrevistas 

Em 2016, a energia produzida pelas diversas biomassas, incluindo a parcela da autoprodução, passou a ser a segunda fonte de geração mais importante na Oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE) no país, superando o gás natural, algo que não ocorria desde 2011. Somente a bioeletricidade sucroenergética, somando-se também a parcela da autoprodução, contribuiu com 36 TWh, ou 67% do total da geração pela biomassa ano passado.

A exportação de bioeletricidade a partir da cana-de-açúcar, olhando-se apenas para a oferta de excedentes para o Sistema Interligado Nacional (SIN) atingiu 21,2 TWh, representando um crescimento de 5% em relação a 2015. Em termos de capacidade instalada, a biomassa da cana é responsável pela 3ª posição na matriz elétrica brasileira, com 11.135 MW, se aproximando da potência a ser instalada pela usina Belo Monte.

Essa energia renovável a partir dos canaviais ofertada para o SIN, em 2016, foi equivalente a ter evitado a emissão de mais de 9 milhões de toneladas de CO2, marca que somente seria atingida com o cultivo de 65 milhões de árvores nativas ao longo de 20 anos.

O setor sucroenergético e sua bioeletricidade são estratégicos também em outros quesitos. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico, em termos de evolução da matriz elétrica, ao se mantiver a tendência da expansão da hidroeletricidade com baixa ou nenhuma regularização plurianual, térmicas flexíveis ou de baixa inflexibilidade – mas com grau elevado relativo de emissões - e as fontes complementares no período seco às hídricas, como eólicas e biomassa, são recursos estratégicos para o planejamento energético.

A bioeletricidade sucroenergética acompanha sobretudo o perfil da produção da safra canavieira, pois é quando ocorre a disponibilidade da biomassa para a geração de energia. Na Região Centro-Sul do país, que costuma processar mais de 90% da cana no Brasil, a safra é concentrada entre os meses de abril e novembro. Justamente neste período, a bioeletricidade sucroenergética representa também mais de 90% da geração anual para o Sistema Interligado Nacional.

Abril a novembro são meses do chamado período seco e crítico do SIN. Em 2016, dos 21,2 TWh ofertados para o SIN pela bioeletricidade canavieira, mais de 19 TWh (91%) foram produzidos entre abril e novembro, equivalente a 7,3% de toda a geração hidrelétrica no período, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema.

Levantamento da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) e da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) mostra que o total de volume de energia fornecido à rede pela biomassa da cana foi equivalente a economizar 15% da água dos reservatórios hidrelétricos do principal submercado do setor elétrico, conforme dados obtidos do ONS e da CCEE, o Sudeste/Centro-Oeste, que no ano passado respondeu por 58% do consumo de eletricidade no País.

Os recursos hídricos apresentam grande variabilidade e incerteza em sua disponibilidade, seja por aspectos sazonais ou por períodos pontuais de baixas afluências, como observado em 2014 e 2015. Embora em abril de 2016, a energia armazenada nos reservatórios das hidrelétricas no Sudeste/Centro-Oeste estivesse em 57,6% da capacidade máxima, em novembro de 2014 chegou a apenas 16%.

A bioeletricidade não é considerada fonte intermitente, no estrito senso do conceito de recurso energético. Pela sua maior previsibilidade e confiabilidade, é considerada uma fonte sazonal, assim como é a hidrelétrica, mas não é intermitente. Ainda assim, outro levantamento da UNICA, em 2015, mostrou que 20% do parque instalado no setor sucroenergético é composto por turbinas de condensação que podem operar, desde que haja o devido planejamento, além do período tradicional da safra canavieira, diminuindo a sazonalidade desta fonte.

Num momento em que o próprio Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) reconhece que as condições hidrológicas desfavoráveis poderão levar a aumento do uso de térmicas em 2017, contar com o auxílio das usinas a biomassa é fundamental para a segurança do suprimento, protegendo-se o volume útil das hidrelétricas, e contribuindo para se preservar a modicidade tarifária e um nível menor de emissões no âmbito do SIN.

Antes da alteração regulatória que promoveu a redução drástica e controversa do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), as usinas a biomassa mostraram capacidade de aumentar a geração em até 15% do inicialmente planejado em 2014, respondendo ao preço e ajudando na segurança do suprimento com uma energia não fóssil. Essa geração adicional ocorreu com maior aproveitamento da capacidade instalada e formação de estoques com biomassa própria (bagaço e maior aproveitamento da palha) e de terceiros (bagaço/palha e outras biomassas: cavaco, casca de amendoim, casca de arroz etc.).

Dado o papel estratégico desta fonte para o SIN, esperamos que uma política setorial mais atenciosa, previsível e de longo prazo para a bioeletricidade sucroenergética, possa contribuir para repetirmos aumentos anuais de oferta da ordem de mais de 30%, como aconteceu em passado recente, contribuindo para agregar novos “reservatórios virtuais” renováveis e sustentáveis para o setor elétrico brasileiro.

Leonardo Caio Filho é diretor de Tecnologia e Regulação da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) e Zilmar José de Souza é Gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).