Osório de Brito, da Cogen: A hora e a vez da geração distribuída

A geração distribuída pode ocupar uma lacuna não só gerando próxima a carga, reduzindo as necessidades de transmissão, como poderá permitir, ao evitar o acionamento do parque centralizado.

Osório de Brito, da Cogen, Artigos e Entrevistas 

O Setor Elétrico brasileiro demorou a vislumbrar a importância da geração distribuída, como complemento à geração centralizada, essa última solidificada no modelo em uso no país. Efetivamente, essa solidificação resultou do uso intensivo da hidreletricidade, parque esse necessariamente não distribuído uma vez que a sua geração só poderia ocorrer onde a queda d’água ou onde o aproveitamento se fazia mister. Essa formação obrigou a implementação de uma complexa malha de transmissão não só para transportar a energia gerada aos centros de consumo, mas, também, para trocar energia de regiões pluviometricamente favoráveis para outras não tão favoravelmente abastecidas, graças aos barramentos construídos.

Os primeiros sinais de exaustão desse modelo, essencialmente provocado em função da pluviometria, surgiram quando a equação “consumo x geração” evidenciou a sua disfunção em razão, especificamente, de estiagens que, se antes não chegavam a prejudicar o suprimento, passaram a não mais igualar-se. Em 2000, o Brasil conheceu o seu 1º racionamento, o qual redundou:

  1. na instalação de um parque descentralizado a base do óleo diesel, parque esse que se enraizou e cresceu, atingindo, hoje, entre 7 e 9 GW instalados no meio urbano, por fora do controle setorial, afetando significativamente a receita das distribuidoras; e
  2. na implementação de um parque termelétrico centralizado, antes diminuto, o qual, função da necessária mitigação desse risco, engrandeceu-se. 

Para enfrentar essas incertezas, provocadas por longas estiagens, foi a presença desse parque térmico, operando a base de gás natural e de um conjunto de combustíveis fósseis, é que garantiu o atendimento e que impediu um novo racionamento; foi o que ocorreu nesses três últimos anos, 2013, 2014 e 2015.

Na sequência, o país implementou um parque eólico, importante emprego energético, renovável, mas impossível de, em momentos de súbitos aumentos de consumo, notadamente no horário de ponta, atendê-lo; embora passível de variações da intensidade de vento ao longo do tempo e com baixa, mas existentes, incidência de calmarias, acresce-se, com essa forma de geração, a sua dependência aos fatores climáticos.

Ademais, não há mais aproveitamentos hidrelétricos próximos aos centros de consumo. Na Amazônia, onde se encontram os próximos possíveis maiores aproveitamentos, são eles a fio d’água, sem capacidade de reservação. Reduz-se, assim, paulatinamente, a capacidade de transferências inter-regiões, função das diversas capacidades de armazenamento de água antes capazes de minimizar os efeitos de estiagens. Vale registrar que o Brasil possui uma capacidade instalada de 146 GW da qual cerca de mais de 60% corresponde a hidrelétricas de grande porte. Contudo, o próprio Operador do Sistema informa e estima-se que:

  • desde o final de 1990 nenhuma hidrelétrica nova, com reservatórios de regularização plurianual, entrou em operação;
  • entre 2002 e 2017, o SIN deverá reduzir sua capacidade de regularização de estoque de energia de 6,5 meses para 4,7 meses.

Embora extremamente útil, não será a energia solar que se tornará capaz de suprir as influências negativas dos efeitos climáticos; ao contrário, tende a aumentar essa dependência uma vez que a insolação nem sempre se mantem constante ao longo de um dia. Ademais, como geração centralizada, obriga a uma ocupação de áreas desérticas ou com baixa ou nenhuma ocupação agrícola ou pastoril, fato que limita a sua instalação em todo o território nacional. Entretanto, como se verá, ocupa posição relevante como geração distribuída.

Diante do conjunto de incertezas resultantes dessa dependência climática, seus efeitos já se fizeram sentir nesses três últimos anos; entretanto, não se materializaram em um racionamento ou em problemas maiores em razão da grave crise em que se envolveu a economia brasileira. Admite-se, pois, que urge rever o modelo brasileiro, dando-lhe condições alternativas para mitigar esses efeitos negativos e, concomitantemente, enfrentar a escassez que se avizinha e que, nunca, anteriormente, preocupou o Setor Elétrico, seja admitindo a introdução de geração firme centralizada, talvez uma expansão do parque nuclear, seja incentivando a geração distribuída.

Escassez porque a expansão da hidreleticidade estancou-se: não se encontram mais aproveitamentos de porte próximos aos centros de consumo e os da Amazônia, ora em cena, ou são a fio d’água, sem barramento, ou sofrem fortes pressões, notadamente as ambientais. Por sua vez, desenvolver o parque eólico e o solar centralizado, ambos esbarram em dificuldades especificas, seja por não haver constância de ventos generalizada no pais, embora haja, ainda, possibilidade de expansão, seja porque o país não possui áreas favoráveis a uma ocupação extensiva de instalações fotovoltaicas de porte.

Nesse contexto, a geração distribuída pode ocupar uma lacuna não só gerando próxima a carga, reduzindo as necessidades de transmissão, como poderá permitir, ao evitar o acionamento do parque centralizado, não despachar hidrelétricas, enchendo os seus reservatórios, nem as caras termelétricas.

Dentre as formas de geração distribuída, sobressaem a cogeração e a solar; a primeira, pela sua elevada eficiência, capaz de atender consumidores usuários tanto de energia térmica quanto elétrica, além de permitir a geração elétrica junto a carga elétrica a partir da maximização da geração térmica, exportando-a. A maximização deriva da possibilidade de aproveitar o seu emprego internamente ao seu usuário para alem da sua necessidade elétrica, fato que permite exporta-la para a rede, no meio urbano. A segunda, a solar, igualmente, capacita-se, também, a exportar excedente elétrico e a evitar o acionamento centralizado. Ambas, entretanto, irão exigir, função de seu desenvolvimento, um sistema inteligente de controle por parte das distribuidoras: apesar da característica firme dos excedentes da cogeração, função unicamente das condições de uso pelo seu usuário, a solar tende a apresentar uma intermitência em regiões onde a insolação nem sempre se mantém firme ao longo de um dia.

Sua inserção no SIN aumentará a produtividade setorial. Com efeito, ao não usar a malha de transmissão, a de sub-transmissão e nem acionar o parque centralizado, produzindo energia no interior da rede de distribuição, dará, ao Operador do Sistema, condições otimizadas de despacho, inclusive utilizando remotamente esse parque descentralizado. Vale evidenciar que já há um parque formado por uma geração diesel operando na ponta do sistema que, devido as suas condições adversas, não só pelo lado ambiental e, sim, porque foge ao controle do próprio Setor e exige importação, necessita se enquadrar como uma geração distribuída efetivamente capaz de se materializar de forma adequada ao Setor Elétrico brasileiro.

Um dos aproveitamentos utilizados pelos países nos quais a geração distribuída, principalmente a cogeração, já ocupa posição de destaque nas respectivas matrizes, é representado pelas instalações cogeradoras que exportam energia térmica e elétrica para um quarteirão de uma cidade. Nesses países, onde o inverno exige distribuição de calor para conforto, viabilizou-se essa formulação capaz reduzir, pelo aumento da produtividade setorial, importação de combustíveis. No Brasil, essa viabilização poderá tornar-se possível pois a exportação de energia térmica tornar-se-á capaz de gerar frio para conforto, importante para um pais tropical como o é o Brasil ou, então, o calor para os Estados onde o inverno se faz presente.

A criação, pelo Governo Federal, de um Programa especifico para regular a inserção da geração distribuída e o estabelecimento, pela ANEEL, das condições de compra de seus excedentes elétricos pelas distribuidoras mostram, de fato, que a geração distribuída atingiu a sua hora e a sua vez.

Osório de Brito é engenheiro e diretor regional Rio de Janeiro da Cogen (Associação da Indústria de Cogeração de Energia)