Osório de Brito, da Cogen: O parque diesel operante no horário de ponta do SIN

Essa anomalia, que se atém apenas a um grupo de consumidores, surgiu em função de dois fatores, ambos extremamente frágeis e passíveis de anulação desde que as suas origens venham a modificar-se.

Osório de Brito, da Cogen, para a Agência CanalEnergia, Artigos e Entrevistas

A geração distribuída deveria cumprir uma função harmoniosa em qualquer matriz energética; no Brasil, entretanto, somente uma parte diminuta de seu parque distribuído, como, por exemplo, o composto pela cogeração, é que cumpre essa função pois a que se desenvolveu, por iniciativa exclusiva de parte dos consumidores, não cumpre nenhuma função harmoniosa e prejudica a própria operacionalidade do Setor Elétrico: é o parque de geração a óleo diesel que se instalou para operar, exclusivamente, na hora da ponta do sistema e a revelia do próprio Setor.

Essa anomalia, que se atém apenas a um grupo de consumidores, surgiu em função de dois fatores, ambos extremamente frágeis e passíveis de anulação desde que as suas origens venham a modificar-se; são esses fatores:

a) a horo-sazonalidade, base da tarifação empregada no país, aumenta o preço da eletricidade nos momentos em que há uma conjunção de fatores que fazem crescer o consumo de energia em um determinado período dos dias úteis, a chamada “hora do pico da energia”; esse acréscimo de preço atinge, especificamente, os optantes da chamada “horo-sazonal verde” na qual somente o consumo é considerado e não a demanda;

b) as políticas anti-inflacionária e de transportes, empregadas pelo Governo, visa impedir possíveis elevações de preço de venda do óleo diesel  atrelando-o ao seu controle e sendo, artificialmente, fixado para que a sua influência nesse segmento, pelo menos, minimize-se.

Esses dois fatores geram uma inequação induzindo o consumidor, possuidor de um grupo diesel seja para emergência seja como fruto de um parque instalado em função do racionamento ocorrido em 2001 ou por que essa economia, ao longo do tempo, lhe é viabilizadora, a opera-lo justamente porque, nesse horário, o preço do óleo diesel torna-se, função desses dois fatores, sensivelmente menor que o uso do suprimento advindo do Sistema Interligado Brasileiro (o SIN).

Essa utilização produz uma significativa fragilidade por que:

a) o óleo diesel é precificado para atender, exclusivamente, os variados meios de transporte e já provocou, e pode tornar a provocar, significativos prejuízos para a empresa que o vende no mercado brasileiro; consequentemente, seu preço vem dependendo de decisões extra-mercado (e, sim, de uma política anti-inflacionária) e contraria uma decisão de uso exclusivo em transporte e para atender parte do parque elétrico centralizado: com a inflação controlada, seu preço tenderá a subir pois deverá representar o seu real valor de mercado;

b) a ANEEL vem, paulatinamente, reequilibrando as diferenças de preço na hora da ponta e fora da ponta, reduzindo essas diferenças, fato que já vem gerando alterações nessa inequação, podendo inviabilizar o uso dessa geração.

O modelo regulador em que se baseia o Setor Elétrico concede à distribuidora a garantia do consumo de todo um grupo de consumidores que lhe são cativos; não havendo concorrência para o suprimento desse grupo, não há um conhecimento detalhado dos seus usos e de suas decisões, conhecimento esse só dirigido para os chamados “consumidores livres”. Por essa razão, algumas distribuidoras parecem desconhecer o tamanho desse parque, que cresce justamente entre os consumidores cativos; parecem porque tudo indica que, dele, tornaram-se reféns pois chegaram a conceder, aos optantes da “verde”, descontos significativos, na hora da ponta, visando a sua desistência ao uso do grupo gerador a diesel; uma distribuidora, por exemplo, chegou a oferecer 75% de desconto nesse horário.

Para que haja uma idéia do tamanho dessa anomalia, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) contratou, ao INEE (Instituto Nacional de Eficiência Energética), uma pesquisa capaz de avaliar o tamanho dessa utilização, a partir de dados oriundos tanto do ONS (Operador Nacional do Sistema) quanto da ANEEL (Agencia Nacional de Energia Elétrica); essa pesquisa revelou a presença de um parque diesel variando, conservadoramente, entre 7 GW e 9 GW, valores altamente significativos e nada desprezíveis.

A grande questão que se coloca reside na fragilidade dessa anomalia e no desconhecimento pelas distribuidoras desse parque, com o qual convivem e o consideram como parte de seu mercado, ignorando os riscos que todo o Setor corre caso essa fragilidade venha a devolver toda essa potência para o suprimento do SIN. Esse desconhecimento e a falta de controle sobre esse parque, que se desenvolveu a sua revelia, pode vir a representar um grave risco para todo o Setor, a exigir uma ação controladora. “Apagões” localizados e um encaminhamento para que o ONS tenha que buscar soluções para evitá-los, desconhecendo o seu verdadeiro tamanho, evidenciam o risco da manutenção dessa fragilidade.

Ademais, a existência desse parque, espalhado nos espaços urbanos de várias cidades brasileiras, tem causado danos ambientais; com efeito, os gases resultantes da queima do óleo diesel, provenientes da operação diuturna desse parque, não sendo tratados adequadamente, emitem fumaça negra, monóxido de carbono, óxido de nitrogênio e dióxido de enxofre, além de produzir poluição sonora, significativa vibração nos locais de sua instalação e obriga o armazenamento local do combustível ou, então, um contínuo “vai-e-vem” de caminhões para o seu transporte até onde ocorre a sua operação. Importa, consequentemente, evidenciar que, para gerar essa quantidade de energia, avalia-se a queima de cerca de 2 bilhões de litros de óleo diesel por ano, responsável por essa significativa poluição e por uma parcela de importação desse combustível perfeitamente evitável.

Esse é, resumidamente, um dos problemas em que se depara o Setor Elétrico brasileiro. Solução há desde que a distribuidora e/ou as Autoridades Setoriais venham a trazê-lo para o seu controle; de fato, ao alterá-lo, de forma a torná-lo afim com o SIN, transformá-lo-á em uma verdadeira e confiável geração distribuída, como, aliás, observa-se em países do Hemisfério Norte aonde a cogeração e outras formas aderentes tanto ao controle setorial quanto ao ambiental imperam.

Osório de Brito é Diretor Regional RJ da Associação da Industria de Cogeração de Energia (Cogen)