Walfrido Avila, da Tradener: PLD em busca da realidade perdida – O retorno

O diagnóstico e as propostas de solução desse problema, constantes da referida reportagem e, de consenso entre todas as instituições e associações do setor, passam por uma inserção nos modelos da visão de risco operativo que o Operador Nacional do Sistema tem na prática do dia a dia

Walfrido Avila, da Tradener, para a Agência CanalEnergia, Artigos e Entrevistas

O título acima é obviamente uma alusão ao artigo “PLD em busca da realidade perdida”, do brilhante jornalista Mauricio Godoi, da Agência Canal Energia, publicado em 29.07.2016. A reportagem foi merecidamente vencedora do 1º Prêmio de Jornalismo do Mercado Livre de Energia Elétrica e Energias Renováveis, na categoria Mídia Especializada, entregue pela Abraceel em novembro de 2016.

Naquela oportunidade, o jornalista abordou de forma consistente uma questão crucial para o mercado livre, que é o descolamento dos valores do Preço de Liquidação das Diferenças – PLD, obtidos através de modelos matemáticos, em relação à realidade da operação do sistema elétrico brasileiro.

Esse descasamento é retratado a partir de fatos, como, por exemplo, que no começo do ano de 2016 foram despachadas usinas térmicas a R$ 600/MWh, ao mesmo tempo que o PLD estava em R$ 35,66/MWh, portanto sinalizando sobra de energia no sistema. Para financiar essa geração térmica fora do indicado pelos modelos matemáticos, recorreu-se a um encargo rateado entre todos os consumidores, o Encargo de Serviços de Sistema por segurança energética - ESS, o qual somou, segundo balanço da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, R$ 616 milhões somente no mês de janeiro de 2016.

O diagnóstico e as propostas de solução desse problema, constantes da referida reportagem e, de consenso entre todas as instituições e associações do setor, passam por uma inserção nos modelos da visão de risco operativo que o Operador Nacional do Sistema tem na prática do dia a dia, já que tanto o Newave como o Decomp, por definição, foram programados com um conceito diferente de aversão ao risco.

Na verdade, tal medida já está em prática desde 2014 com a incorporação do mecanismo de aversão ao risco (CVaR) no Newave, que teve como objetivo aproximar o programado e o planejado pelos modelos da operação. Porém, mesmo com a incorporação do CVaR no Newave, os despachos por fora dos modelos persistiram e não foram esporádicos (2014, 2015 e 2016).

A partir de meados de 2015, quando houve melhora nas afluências e gradativo reenchimento dos reservatórios, os parâmetros do CVaR não corresponderam à percepção de risco do CMSE, nem ao objetivo de atingimento de valores de níveis meta para o final da estação seca, indicando a necessidade da reavaliação dos parâmetros do mecanismo de aversão a risco. Em outras palavras, os valores de alfa e lambda estavam descalibrados.

A conclusão do Relatório Técnico - ”Redefinição dos Parâmetros de Aversão a Risco nos Modelos Computacionais para Operação, Formação de Preço, Expansão e Cálculo de Garantia Física”, divulgado em 18 de outubro de 2016, pela Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico – CPAMP, da qual participam como membros MME, ANEEL, EPE, ONS, CCEE e CEPEL (Coordenação), foi a seguinte:

“Com base nos estudos realizados nos testes de redefinição dos parâmetros do CVaR, conduzidos e realizados pelo grupo de trabalho GT7/CPAMP, composto por técnicos do CEPEL, MME, ONS, EPE, CCEE e ANEEL, este grupo concluiu que o conjunto de parâmetros (alfa=50%, lâmbda=40%), (alfa=40%, lâmbda=40%), (alfa=35%, lâmbda=40%) e (alfa=30%, lâmbda=40%), listados em ordem crescente de aversão a risco, são aqueles candidatos a melhor traduzir a percepção de aversão a risco atual. Para valores de alfa inferiores a 30%, verificou-se que o aumento de geração térmica, quando não resultava em soluções dominadas, correspondia a reduções não significativas do custo de déficit. As alternativas de menor aversão a risco são aquelas que apresentam menor elevação dos custos marginais de operação, dos preços de liquidação das diferenças e de geração térmica, menor necessidade de contratação de energia de reserva e menor redução das garantias físicas das usinas hidrelétricas.”

Definiu-se então por adotar o par alfa=50% e lâmbda=40%, para aplicar em maio de 2017.

E, no mais longo prazo, haverá a alteração da CVaR pela superfície de aversão ao risco - SAR, mas essa ainda vai levar um pouco mais de tempo, talvez a partir de 2018, segundo declarações do ONS.

Ocorre que nos últimos três meses, de novembro de 2016 a janeiro de 2017, enquanto o despacho térmico indicado pelos modelos representou um custo de R$ 1,154 bilhão, a operação real do sistema utilizou térmicas que totalizaram R$ 3,184 bilhões, portanto, uma defasagem de R$ 2,030 bilhões que foram pagos pelos consumidores cativos através dos Encargos de Serviço do Sistema - ESS.

Conclui-se que o PLD artificialmente baixo força o pagamento de ESS por parte dos consumidores, uma vez que foi obtido com vazões ilusórias acima do ocorrido fisicamente, concomitantemente com modelos descalibrados na aversão ao risco. Este procedimento evita as bandeiras tarifárias, mas não livra os consumidores de pagarem por uma geração térmica fora da ordem de mérito necessária para a segurança do sistema, apenas que neste caso quem paga não sabe o que está pagando. As bandeiras tarifárias foram criadas para dar transparência aos consumidores da real situação de risco do sistema. Um PLD que reflita a realidade e que impacte em bandeira amarela ou vermelha, beneficia a todos os agentes e consumidores.

Estamos testemunhando ao longo de muitos anos um verdadeiro paradoxo. O ONS alega que não se preocupa com o PLD e, ao mesmo tempo, não segue a política de operação do sistema indicada pelos modelos NEWAVE e DECOMP, confiando totalmente na sua visão de risco interna, que tem conduzido sistematicamente a despachos fora da ordem de mérito. A CCEE, por seu turno, fica a reboque de uma modelagem matemática que não serve para a operação do sistema elétrica mas forma literalmente o PLD, que se transformou numa entidade holográfica, ou seja, carece de significado físico e financeiro.

Com isso, voltamos à motivação deste artigo, refletida no seu título, e perguntamos: quando teremos enfim um preço de curto prazo que cumpra a função para a qual foi criado?

Walfrido Avila é presidente da comercializadora Tradener.